A Administração Pública à Luz da Emenda Constitucional nº 19/1998

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas513-545

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1 Noções

A Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, introduziu várias alterações no capítulo da Constituição que trata da Administração Pública, especialmente quanto aos arts. 37, 39, 41 e todos os demais que se referem à questão remuneratória dos agentes públicos. Esta, aliás, foi a questão central de toda a reforma, a ponto das palavras “remuneração”, “subsídio” ou “vencimentos” terem se repetidos por trinta e oito vezes, merecendo o rótulo de “reforma da remuneração”, em vez de “reforma administrativa”. Este livro não tem a pretensão de esmiuçar por completo a Emenda Constitucional, senão apenas apontar as principais alterações que introduziu e revê, ao mesmo tempo, alguns conceitos lançados em edições anteriores. Por isso, começará pelos princípios constitucionais da Administração Pública.

2 Princípios básicos da Administração Pública
2. 1 Noções

Os princípios básicos da Administração Pública são de observância permanente e obrigatória para o bom administrador. Constituem, por assim dizer, os fundamentos de validade da ação administrativa ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Desde a entrada em vigor do texto da atual Constituição Federal, o art. 37, caput, consignava especialmente os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, sem contar outros que possam haver na própria Constituição e na legislação infraconstitucional.

A Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, acrescentou o princípio da eficiência, que a toda evidência, do ponto de vista conceitual, não seria, propriamente, princípio, mas apenas meta ou objetivo que se espera alcançar. A Administração não será mais ou menos eficiente por se dizer eficiente; será eficiente quando atingir seus fins, que podem ser resumidos no interesse público.

No entanto, como esta obra não tem a pretensão de ser um tratado sobre o tema, nela não há lugar para incursões profundas para dissecar os conceitos de princípios ou objetivos, o que fica apenas registrado. Tomando o texto constitucional modificado pela Emenda, os princípios fundamentais da Administração são a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência772.

2. 2 Princípio da legalidade

Em toda a sua atividade funcional o administrador público está sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, só podendo fazer o que a lei manda ou permite,

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não havendo espaço para vontade pessoal, ao contrário do que se dá com o administrador privado, que pode fazer tudo que a lei não proibir. Em outros termos, para a Administração Pública o que não for expressamente permitido é tacitamente proibido, enquanto que para a atividade privada tudo o que não for expressamente proibido, por lei, tacitamente é permitido.

Evidentemente, isso não significa que o administrador público não possa fazer juízo de valor sobre determinada ação ou providência, especialmente sobre a conveniência ou oportunidade de agir, ou de agir de determinada maneira. Na teoria geral dos atos administrativos se vê, em uma de suas classificações, que podem ser vinculados ou discricionários, pois embora ambos estejam presos à lei, quando se tratar destes últimos cabe à Administração avaliar a conveniência e a oportunidade de agir, incluindo como fazêlo, onde fazê-lo, por que fazê-lo e outras variantes. É o caso da definição da zona azul para estacionamento de veículos nas cidades, providência que só depende de juízo de valor do chefe do Poder Executivo municipal.

2. 3 Princípio da moralidade

Não basta ao administrador cumprir a lei em sua frieza. Deve buscar o melhor sentido e finalidade, observando junto ao legal o que é honesto e conveniente. Tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que age determinado por fins imorais, ou desonestos, como o que despreza a ordem institucional e, embora movido pelo zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Dois exemplos recentes na história do Brasil, e um, da goiana, bem ilustram o que seja o princípio da moralidade:
a) por ocasião da votação da “emenda da reeleição773”, o presidente da República Fernando Henrique Cardoso, para não correr risco quanto à aprovação, exonerou da função o “ministro da coordenação política”, o então deputado federal Luiz Carlos Santos, que, com isso, voltaria a assumir a titularidade de seu mandato e ”dispensaria” o suplente que assumira em seu lugar, cuja posição a favor ou contra era incerta. O deputado Carlos Santos reassumiu o mandato, votou a favor da emenda e foi renomeado ministro da coordenação política. Tudo no espaço de um ou dois dias!
b) no episódio da privatização das “teles774” captou-se conversa entre auxiliares diretos do presidente da República, tramando forma de burlar o edital de leilão para o fim de evitar, por um lado, que certa empresa de idoneidade duvidosa vencesse a licitação e, por outro, trazer mais economia para o País. Com o “furo” do plano os auxiliares do presidente – que nunca foram acusados de ter lesado o erário – acabaram tendo que deixar o governo por violação do princípio da moralidade, pois poderiam ter empregado outros meios para excluir a empresa indesejada.

Nos dois exemplos, os atos foram plenamente legais e nenhum prejuízo direto trouxeram para os cofres públicos. Apesar de legais, foram também imorais.

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O exemplo goiano envolve um casal de políticos, em que o marido, vereador na capital, e a mulher, deputada estadual, foram “denunciados” pela imprensa por apropriação de parte dos salários de servidores comissionados “contratados” em seus gabinetes. Segundo se noticiou, os parlamentares nomeavam servidores em seus gabinetes com certos salários, mas exigiam uma parte para si próprios, talvez como espécie de “compensação pelo emprego”. Se verdadeiro esse fato, não seria fácil enquadrá-lo em nenhum tipo de crime, embora seja clara a violação do princípio da moralidade pública.

2. 4 Princípio da impessoalidade ou finalidade

O princípio da finalidade é o mesmo que princípio da impessoalidade, significando que os atos da Administração devem estar sempre voltados para o interesse geral, não para o particular. Todo ato que se apartar desse fim geral para atender a interesse particular, ou de grupos específicos, se sujeita à invalidação por desvio de finalidade, da mesma forma que o ato voltado para perseguição de adversário político.

2. 5 Princípio da publicidade

A publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início dos seus efeitos externos. Trata-se, na verdade, de um requisito à eficácia e moralidade do ato. A publicidade é...

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