A Administração Pública e a Possibilidade do Pagamento Direto aos Trabalhadores pelo Inadimplemento de Obrigações Trabalhistas pela Empresa Terceirizada

AutorEduardo Loula Novais de Paula e Rodolfo Pamplona Filho
Páginas143-150

Page 143

1. Introdução

É cediço que a terceirização representa um grande trunfo do sistema capitalista, na medida em que possibilita que o tomador dos serviços transfira à outra empresa a responsabilidade pelos encargos trabalhistas de determinado funcionário que lhe presta serviços, o que faz com que o tomador se isente da responsabilidade por tais encargos.

A terceirização, no Brasil, até o advento da denominada “reforma trabalhista”, não possuía regulamentação legal, não obstante a sua grande utilização na prática pelos tomadores de serviços, em virtude da possibilidade de diminuição dos custos com funcionários. Não por outra razão, o Tribunal Superior do Trabalho regulamentou o tema – ainda que de forma insuficiente – com a edição da Súmula n. 331.

Um desses tomadores de serviço é a Administração Pública, que contrata, mediante licitação, uma empresa para intermediar a mão de obra de algumas de suas atividades, possibilitando, com isso, uma série de benefícios para o setor público, a exemplo do não engessamento dos recursos públicos e exclusão da responsabilidade pelas dívidas trabalhistas da empresa terceirizada. Em síntese, a Administração Pública fica blindada.

Diante da atual crise enfrentada pelo país, no dia 22 de março de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei n. 4.302/19981, transformado na Lei Ordinária n. 13.429/2017, publicada no Diário do dia 31 de março de 2017, cujas alterações impactaram na sistemática da terceirização, dentre as quais se destacam as seguintes: a) possibilidade de terceirização tanto da atividade-meio quanto da atividade-fim; b) previsão de requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços terceirizados, a exemplo do capital social compatível com o número de empregados, dentre outras mudanças.

Page 144

Muito embora a Administração Pública não tenha responsabilidade pelos encargos trabalhistas da empresa terceirizada, se houver o inadimplemento de tais parcelas, deve a Administração Pública adotar algum tipo de comportamento proativo para assegurar o pagamento dessas verbas aos trabalhadores da empresa terceirizada ou deve simplesmente quedar-se inerte? Em caso positivo, quais as possibilidades que surgem para a Administração Pública? Essas e outras questões semelhantes serão objeto de discussão no presente artigo.

2. A terceirização após a reforma trabalhista e a administração pública

Como já mencionado em outra oportunidade por um dos autores deste artigo2, a terceirização consistia na transferência de segmento ou segmentos do processo de produção da empresa para outras de menor envergadura, porém de maior especialização na atividade transferida. Do ponto de vista dogmático, tratava-se, porém, de uma forma de intermediação de mão-de-obra, de grande utilização na sociedade contemporânea, consistente na contratação por determinada empresa, de serviços de terceiros, para as suas atividades-meio.

A terceirização também poderia ser definida como “uma técnica de organização do processo produtivo por meio da qual uma empresa, visando concentrar esforços em sua atividade-fim, contrata outra empresa, entendida como periférica, para lhe dar suporte em serviços meramente instrumentais, tais como limpeza, segurança, transporte e alimentação.”3

Com a edição da Lei n. 13.429/2017 e da Lei n. 13.467/2017, o regramento da terceirização foi alterado. A primeira lei citada alterou dispositivos relacionados ao trabalho temporário, passando a prever, no art. 9º, § 3º, da Lei n. 6.019/1974, a possibilidade de o contrato de trabalho versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e de atividades-fim a serem realizadas na empresa tomadora de serviços.4

Deve-se entender como atividade-fim aquela que diz respeito ao objetivo institucional da empresa, da pessoa jurídica de direito público ou dos órgãos autônomos. Explicando didaticamente, “pode-se afirmar que a atividade-fim de uma escola é a prestação de ensino de planejamento didático da educação. Seguindo o mesmo raciocínio, a atividade-fim de um banco é a intermediação de capitais por meio de diversas opera-ções financeiras, e a de uma siderúrgica é a metalurgia do ferro e do aço.”5

Por conseguinte, a atividade-meio é aquela que visa apenas instrumentalizar a atividade-fim, permitir que a atividade-fim seja bem desempenhada ou facilitada6. A

Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em seu inciso III, indica um rol exemplificativo do que pode ser considerado como atividade-meio: serviços de vigilância, de conservação e limpeza, bem como serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

É preciso deixar claro que tais serviços apenas serão considerados como atividade-meio se não fizerem parte da finalidade e dos objetivos institucionais da empresa ou órgão público. Considerando a inexistência de lei em sentido estrito que especifique as hipóteses de atividade-meio e considerando, também, que a Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade, explicitado aqui na vertente segundo a qual ela só pode agir quando permitida pela lei (aqui em sentido amplo), foi editado, no âmbito federal, o Decreto n. 2.271/1997, destacando mais alguns serviços que poderiam ser objeto de terceirização, bem como os que não poderiam ser objeto de terceirização.7

Essa distinção entre atividade-fim e atividade-meio possuía grande relevância na prática, tendo em vista que, para o Tribunal Superior do Trabalho, se a empresa tomadora dos serviços terceirizasse a atividade-fim, poderia ser “penalizada” com o reconhecimento

Page 145

do vínculo de trabalho, consoante exegese da Súmula
n. 331, III. A partir do novo regramento, o legislador definiu, consoante nova redação dada ao art. 10, que, independentemente do ramo da empresa tomadora de serviços, não existirá vínculo entre ela e os trabalhadores da empresa de trabalho temporário, blindando, ainda mais, a empresa tomadora de serviços.

Reforça esse entendimento o art. 4º-A da Lei
n. 6.019/1974, alterado pela Lei n. 13.467/2017, ao estabelecer que a prestação de serviços a terceiros implica na transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.

Tratando-se da Administração Pública, a contratação de empresa para prestação de serviços terceirizados possui muitas vantagens. Entre elas, destaca-se o não engessamento das finanças e do orçamento do respectivo órgão público. Caso a Administração Pública tivesse que realizar concurso público para a admissão, em seus quadros de atividades de limpeza e conservação, vigilância, entre outros, a garantia da estabilidade conferida pela Carta Magna faria com que fosse inflacionado o quadro de pessoal, o que poderia ensejar a violação aos limites com gastos de pessoal plasmados na Lei de Responsabili-dade Fiscal, por exemplo.8 Nesse sentido, a contratação, mediante licitação, de empresa para intermediar a prestação de tais serviços surge como uma boa solução para o sadio ordenamento das despesas públicas.

A novel legislação conceitua a tomadora de serviços como sendo a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada, o que açambarca a Administração Pública, já que as entidades da Administração Pública também são pessoas jurídicas, ainda que de direito público.

Não obstante, é preciso cautela quando se cogita em terceirização da atividade-fim no âmbito da Administração Pública. Isso porque a Constituição Federal de 1988 exige, para a investidura em cargo ou emprego público, a aprovação em concurso público (art. 37, II). Não se afigura razoável, portanto, imaginar que a Administração Pública poderia terceirizar, por exemplo, Magistrados, Procuradores, Promotores de Justiça, Delegados, entre outros agentes públicos que representam a própria Instituição.

3. Responsabilidade da administração pública

A Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho possuía redação no sentido de que a Administração Pública teria responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da empresa terceirizada perante os seus trabalhadores. Sobre o tema, inclusive, um dos autores deste artigo observou que teria havido evidente analogia ao preceito contido no art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata dos contratos de subempreitada, em que o Tribunal Superior do Trabalho, praeter legem, teria instituído uma forma de responsabilização patrimonial independentemente de previsão legal ou contratual específica, como forma de combater os abusos cometidos na prática.

Partindo-se da ideia do Estado Mínimo, apologia máxima do neoliberalismo, terceirizar é, sem sombra de dúvida, uma das soluções, senão a grande solução para a Administração Pública moderna. Todavia, considerando a forma como a legislação e a jurisprudência passaram a regulamentar a terceirização, ficava no ar a seguinte pergunta: aplica-se ou não a responsabilidade patrimonial subsidiária do tomador de serviços na terceirização no serviço público?

Como é cediço, o art. 71 da Lei n. 8.666/19939 estabelece que o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato e que a sua inadimplência, no que se refere aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

Isso ocorre em razão da impossibilidade de criação de vínculo de trabalho entre os terceirizados e a Administração Pública, já que incide no caso o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT