Administração de Recursos Hídricos Internacionais

AutorDante A. Caponera
Ocupação do AutorJefe de de la legislación de la FAO
Páginas301-325
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12.1 INTRODUÇÃO
Ocorrem dúvidas quanto à existência de uma regra jurídica internacional de aplicação geral
relativa à administração dos recursos hídricos internacionais, uma vez que a Convenção
das Nações Unidas sobre Usos Distintos da Navegação em Cursos d’Água Internacionais de
1997 não obriga os Estados que os compartilham a estabelecer instituições de bacia. Entre-
tanto, a prática recente, na Europa e fora dela, demonstra que os países estão conscientes da
importância dos acordos institucionais para a gestão dos recursos hídricos compartilhados,
incluindo as águas subterrâneas.1
De fato, uma série de acordos internacionais celebrados nos últimos anos, não apenas na
Europa, mas nos quatro continentes, contém dispositivos sobre as responsabilidades das insti-
tuições de gerenciamento de bacias hidrográicas internacionais, as quais vão desde a adminis-
tração de dados, até a triagem de programas, projetos e atividades com impacto transfronteiriço.
As instituições responsáveis pela gestão de recursos hídricos internacionais podem ter
nomes diferentes, como agência, comissão, comitê, diretoria ou administração. Em linha com a
deinição dada na doutrina,2 a expressão “administração de recursos hídricos internacionais”
refere-se a qualquer forma de instituição ou acordo entre dois ou mais Estados que comparti-
lham uma bacia (supericial ou subterrânea), para tratar de sua gestão.
Embora não seja possível analisar o atual funcionamento das numerosas instituições de
bacia existentes hoje em dia, pode-se mencionar os principais acordos internacionais e a lite-
ratura sobre o assunto.
12.2 DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL
12.2.1 DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL NA EUROPA
Inicialmente, as comissões de bacias hidrográicas internacionais na Europa foram criadas para
regular o uso de hidrovias para navegação. É o caso dos rios Reno, Danúbio, Netze, Kudov, Oder,
Warthe e dos rios do Baixo Niers. Uma das primeiras comissões foi estabelecida em 1755 pela
Alemanha e pelos Países Baixos, com o objetivo de regular a navegação no rio Reno.
1Desenvolvimentos recentes em relação ao direito internacional de águas subterrâneas a à sua administração são
descritos no Capítulo 13.
2 CAPONERA, D.A. International Water Resources Administration. ILA Report, Madrid, 1976, Artigo 1º.
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PRINCÍPIOS DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO DE ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
A Ata Final do Congresso de Viena de 1815, introduziu o princípio da liberdade de nave-
gação nos rios europeus. De início, essa liberdade era reconhecida para todos os Estados,
ribeirinhos ou não; mais tarde, foi restrita apenas aos países ribeirinhos. Outras questões
associadas à navegação dizem respeito à obrigação dos Estados ribeirinhos manterem e
melhorarem as hidrovias e imporem e cobrarem pedágio. Essas eram as maiores preocu-
pações das comissões de bacias hidrográicas europeias até a Primeira Guerra Mundial. A
água era abundante e não se consideravam outros usos, em vista das condições climáticas.
Em termos gerais, a criação de comissões internacionais para a navegação seguiu-se
à conclusão das grandes guerras, ou de outras crises políticas internacionais. É o caso do
Congresso de Viena de 1815, após a queda de Napoleão Bonaparte, que levou à criação
da Comissão Central de Navegação do Reno em 1831. O Tratado de Paris, de 30 de março
de 1856, após a Guerra da Crimeia e a derrota do Império Otomano, criou a Comissão
do Danúbio. Os tratados de Versailles de 1919 e de Paris de 1947, após a Primeira e a
Segunda Guerras Mundiais, reconheceram as comissões de bacias hidrográicas interna-
cionais existentes e criaram outras.
Subsequentemente, os Estados perceberam que seria melhor lidar com as questões
relativas aos usos comuns das águas, através de mecanismos institucionais internacio-
nais. Assim, nos últimos cem anos, foram criadas comissões internacionais para a geração
e a distribuição de energia hidrelétrica, bem como para lidar com os efeitos deletérios
da água. Após a Segunda Guerra Mundial, também foram criadas várias comissões para
tratar da qualidade e do controle da poluição da água em rios internacionais.3
Mais recentemente, foram criadas novas comissões para bacias hidrográicas inter-
nacionais, visando a facilitar a proteção da qualidade da água e o controle da poluição
hídrica, em linha com os princípios do direito de águas internacional prevalecentes na
região da UNECE4 e na legislação da União Europeia.5 Algumas dessas comissões resul-
taram da reorganização de instituições preexistentes, como no caso da Comissão de
Proteção do Reno contra a Poluição. Entre outras inalidades, essas instituições são res-
ponsáveis pela facilitação do planejamento da bacia hidrográica e gerenciamento das
enchentes, além do controle da poluição. Algumas foram incumbidas, especiicamente,
de implementar a Diretiva de Águas da União Europeia (UE) de 2000,6 a qual determina
que os Estados-membros da UE devem coordenar seus esforços para elaborarem um
único plano para o território de cada bacia hidrográica internacional.7 Em alguns casos,
essas instituições coexistem com comissões de navegação anteriores à sua criação.
3 Convenção de 20 de abril de 1972, entre Itália e Suíça, para a proteção das águas contra a poluição; Convenção
de Berna de 1963, entre Alemanha, França, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça, estabelecendo uma comissão
para a proteção do Reno contra poluição; Protocolo Adicional de 1976, pelo qual a Comunidade Econômica
Europeia aderiu à Convenção de 1963.
4 Ver o Capítulo 11.
5 Ver o Capítulo 6, Item 6.4.5.
6 Ibid.
7 Quando alguns dos Estados que compartilham uma bacia são membros da UE e outros não são, não é obrigatória
a produção de um único plano de bacia; entretanto, cada Estado-membro da UE deve formular um plano para a
parte da bacia situada em seu respectivo território.
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