Adoção: Aspectos Práticos

AutorFernanda Massad de Aguiar Fabretti; Humberto Barrionuevo Fabretti
Páginas272-281

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1. Introdução

A Lei n. 8.069, editada em 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, completa, em 2015, 25 anos, tendo sido editada na esteira das legislações garantistas em cumprimento às disposições da Constituição Federal de 1988.

Uma lei considerada jovem, que trouxe muitos avanços, em especial no que tange à promoção do bem-estar da criança e do adolescente, tendo o princípio da proteção integral como sustentáculo de todo o sistema.

Entretanto as violações ao “espírito” do ECA — entendido por nós como a necessidade de proteção integral da criança e do adolescente — ainda são uma constante e, infelizmente, por diver-sas vezes, são chanceladas ou mantidas pelo Poder Judiciário.

No que tange à adoção, objetivo primordial do presente artigo, muitas foram as mudanças trazidas pelo ECA, que de forma positiva acabaram sendo enriquecidas pelos entendimentos jurisprudenciais.

Entretanto, inegável que práticas contrárias aos interesses das crianças e dos adolescentes são uma constante, especialmente em tema tão delicado e complexo quanto a adoção, pois envolve não só questões jurídicas, sociais e econômicas, mas principalmente emocionais.

O presente artigo tem por escopo explorar não só o arcabouço jurídico da adoção, mas também a práxis do instituto, especialmente no que se refere à uma análise estatística, para finalmente poder compreender o que já se evolui no tema, especialmente após a promulgação do ECA.

2. Análise normativa

A proteção à criança e ao adolescente é assunto tão caro à sociedade brasileira que a própria Constituição Federal, em seu art. 227, impõe a uma série de agentes — família, sociedade e Estado — a responsabilidade de garanti-la ao dispor que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

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alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A adoção, entendida pelo constituinte como instrumento de proteção da criança e do adolescente, é prevista no § 5º do mesmo artigo, que traz a seguinte redação: “a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente vem justamente para dispor sobre a proteção da criança e do adolescente e, nesta esteira, é atualmente o diploma legal que regulamenta o processo de adoção.

Tamanha a importância do ECA neste processo — fato que impõe necessariamente a observância de seus preceitos, especialmente o seu princípio fundamental da proteção integral — que o próprio Código Civil prevê que a adoção se dará nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente1.

A adoção, em termos gerais, é o ato de colocar a criança ou o adolescente em família substituta quando não houver as condições de bem-estar necessárias para mantê-lo em sua família natural2 ou extensa3, ou seja, de ser acolhido por parentes próximos. A adoção é considerada uma exceção, medida aplicável apenas quando não for realmente possível manter a criança ou o adolescente com a família natural ou extensa4.

O conceito em geral utilizado na doutrina é de Maria Helena Diniz, que define adoção como:

Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.5

O critério básico para se constatar a impossibilidade de manutenção da criança ou do adolescente em sua família natural ou extensa é o mesmo utilizado para reconhecer a perda do poder familiar. O Código Civil, em seu art. 1.638, traz as causas de perda do poder familiar6, entretanto a previsão é demasiadamente aberta, restando ao magistrado, no caso concreto, resolver a questão.

Na mesma esteira, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina, de forma bastante ampla, que a perda do poder familiar se dará quando se descumprirem os deveres estipulados pela Lei7, quais sejam, sustento, guarda e educação8.

Importante destacar que a carência financeira, por si só, não é razão suficiente para a perda do poder familiar9.

A adoção também pode se dar pela manifestação livre de vontade dos pais biológicos em colocar a criança ou o adolescente menor à disposição para adoção por família substituta, sendo que nestas hipóteses é obrigatório o encaminhamento da mãe que o pretenda à Vara da Infância e da Juventude do local10.

Destaque-se que, nestas hipóteses em que se renuncia ao poder familiar, a adoção precisa obe-

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decer aos critérios legais, não podendo ocorrer de forma livre pela família biológica. Cabe, portanto, ao Poder Judiciário a análise da família substituta e não à mãe biológica, na medida em que, na busca pelo bem-estar da criança ou do adolescente, somente o Poder Público é que pode definir se a família adotante reúne as condições necessárias para acolher a criança ou o adolescente.

Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente ser expresso ao proibir que se coloque a criança ou o adolescente em família substitua sem prévia autorização judicial11 — medida claramente adotada para evitar a “mercantilização de crianças e adolescentes” —, ainda é bastante comum o acolhimento de crianças por famílias sem qualquer autorização judicial, para somente após determinado lapso temporal ocorrer o pleito de regularização da situação, sendo que, no mais das vezes, o Poder Judiciário, sob o argumento do melhor interesse da criança e do adolescente, acaba por chancelar essa situação, como se verá no capítulo seguinte.

O processo de adoção consiste basicamente em duas fases. A primeira fase, de habilitação dos que pretendem adotar, e a segunda fase, de acolhimento da criança ou do adolescente com uma guarda provisória, período em que é analisada a adaptação no novo lar12, culminando com a conclusão da adoção por meio de sentença judicial e a expedição de nova certidão de nascimento constando o nome dos adotantes como pais, cancelando o registro original do adotado13.

Cada comarca ou foro regional deve manter um cadastro das crianças e dos adolescentes à disposição para adoção e outro dos adotantes devidamente habilitados14. Para a habilitação, os que pretendem adotar passarão por um estudo social, constituído por cursos a respeito do tema, análise de psicólogos e assistentes sociais do fórum competente de acordo com o endereço do pretendente. Depois de habilitados, fato que se dá por sentença judicial, o cadastro permanece válido pelo prazo de cinco anos.

Decorrido esse prazo, deve ser feita a renovação do cadastro, sob pena de se tornar inativo.

Durante o processo de habilitação, os pretendentes à adoção podem escolher uma série de características da criança ou do adolescente que pretendem adotar, das quais destacamos a cor da pele, a idade, o sexo, se aceita ou não grupo de irmãos, se aceita ou não crianças ou adolescentes com doenças que são classificadas como tratáveis, não tratáveis, portador de HIV, portador de deficiências físicas ou mentais.

Os adotantes podem optar por se cadastrar apenas em sua comarca ou aderir ao Cadastro Nacional de Adoção, criado em 2008 em atendimento ao disposto no § 5º do art. 50 do Estatuto. Na prática, é feita a análise das crianças cadastradas no fórum regional, sendo que, não havendo qualquer criança ou adolescente com perfil compatível, pesquisa-se em outros fóruns da comarca, e apenas se tal busca restar infrutífera é que se dar o acesso ao Cadastro Nacional.

Apesar de o Cadastro Nacional constituir-se um avanço na integração do país para adoção, há muitas falhas no sistema, principalmente no que tange ao cadastro das crianças e dos adolescentes disponíveis para adoção.

O critério básico utilizado para habilitação do adotante é o mesmo estipulado para que a família substituta tenha condições de receber o adotado, ou seja, de forma bastante genérica, que seja compatível com a adoção e ofereça um ambiente familiar adequado15, restando, novamente, ao Judiciário, por intermédio do magistrado, do Ministério Público e da equipe técnica, analisar o caso concreto.

A lei é clara ao dar preferência de adoção por brasileiros, limitando a adoção por estrangeiros quando não houver nenhum brasileiro habilitado interessado na adoção da criança ou do adolescente, o que, na prática, faz com que a adoção por estrangeiros seja primordialmente de crianças mais velhas, adolescentes e grupos de irmãos16.

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No que tange à figura do adotante, pode haver habilitação individual do solteiro ou conjunta, daqueles que forem casados ou vivam em união estável17. Neste ponto, é importante destacar que, apesar de a Constituição Federal estipular o casamento e a união estável como aquela formada entre o homem e a mulher18, o Supremo Tribunal

Federal19 consolidou o entendimento de igualdade de regras e consequências entre a união estável heteroafetiva e a homoafetiva, e a Resolução n. 175, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça20 permitiu expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Deste modo, consolidada também ficou a possibilidade de adoção conjunta entre casais formados por pessoas do mesmo sexo.

Para que a adoção seja concluída é preciso que haja prévia extinção do poder familiar, em processo autônomo com respeito ao contraditório21. O Código Civil afirma que extingue-se o poder familiar pela adoção22, entretanto, como dito, a verdade é que a adoção só é efetivada quando já se deu, previamente, a perda do poder familiar em processo autônomo, nos moldes expostos acima.

Apesar do...

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