Advertência

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas255-322

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As notas que seguem têm por único objetivo guiar o leitor menos informado pelos desenvolvimentos que, em mais de trinta anos desde que escreveu A prova civil, experimentou o pensamento de Carnelutti a respeito dos principais temas tratados ou abordados neste livro.

Não pretendem ser completas, entre outras razões, porque a produção monográfica de Carnelutti, a partir de 1939, ainda não foi reunida e não é fácil encontrá-la no acúmulo de artigos, notas e estudos de casos publicados por ele.

Embora imperfeita, espero que a tentativa realizada por mim contribua não somente para proporcionar um melhor conhecimento da obra de Carnelutti, mas mais do que isso: para fazer com que se aprecie seu exemplo. Afinal, ao tratar dos temas atinentes à prova, que são apenas uma pequena parte dos temas tratados por ele, ele mostrou-se não somente um trabalhador incansável, mas também um incontentável crítico de si mesmo. Aqueles que se queixam da severidade de certos juízos dele não deveriam esquecer que nenhum outro autor foi tão severamente julgado por ele quanto ele mesmo.

Roma, 10 de outubro de 1947.

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I Sobre a pertinência das provas no direito processual

Quando escreveu o prólogo deste livro, Carnelutti estava persuadido que o instituto das provas pertencia à teoria do processo. Daí o vaticínio que dela poderia “emergir mais clara a linha que separa o direito material do processual” e “integrar-se o território deste com uma série de preceitos que habitualmente não lhe eram atribuídos e, de uma vez por todas, ajustar essa zona limítrofe ainda tão inquieta”.

Essa opinião permitiu a Carnelutti ocupar-se a fundo das provas nas suas obras gerais de direito processual, especialmente nas Lezioni di dir. proc. civ. (Pádua, “Cedam”, 1933, reimpr., II, p. 385 e ss.), bem como incluir no Progetto del codice di procedura civile (Pádua, “Cedam”, 1926) muitas das normas que, ao contrário, estavam colocadas no Código Civil de 1865 e que, de resto, continuam no Código Civil vigente.

Todavia, já no prólogo ao volume sexto das Lezioni di dir. proc. civ. (Pádua, “Cedam”, 1931), Carnelutti confessa uma dúvida a esse respeito (p. 6). E essa dúvida converte-se em franca convicção alguns anos depois. De fato, na primeira edição da Teoria general del diritto (Roma, Soc. Ed. del “Foro Italiano”, 1940, p. 440) lê-se que “das provas tem normal-mente necessidade o juiz, mas podem ter necessidade também as partes” e que basta “essa reflexão para excluir que as provas operem somente no processo e que, portanto, constituam exclusivamente um instituto processual. Se, no começo de meus estudos, acreditei que fosse assim, este é um dos pontos acerca dos quais faz tempo que tive de mudar de opinião”. Nesse sentido manifesta-se ele em datas ainda mais recentes, na Tutela dei diritti (Riv. dir. proc. civ., 1943, I p. 4) e nas Istituzioni del nuovo processo civile italiano (Roma, Soc. Ed. del “Foro Italiano”, 3a ed., 1942, I, p. 155 e ss.).

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Recentemente, na segunda edição da Teoria generale del diritto (Roma, Soc. Ed. del “Foro Italiano”, 1946, p. 332 ss.), ele conseguiu precisar ainda mais a posição do instituto das provas, colocando-o no capítulo dedicado aos juízos jurídicos, com o qual encerra o exame da dinâmica do Direito.

II Sobre a liberdade do juiz na posição das normas jurídicas

Carnelutti formula aqui o princípio da independência do juiz a respeito das afirmações e provas das partes, quanto à posição das normas jurídicas.

A razão para isso ele expõe no Sistema (I, p. 419): as afirmações das normas do direito referem-se ao interesse geral “e, por isso, fica excluído que o juiz não tenha condições de obter por si mesmo o conhecimento das mesmas”. Ademais, “os fatos constitutivos da lei e do costume não são fatos do litígio, mas encontram-se fora do litígio”.

Disso decorre que, quando o juiz não depende da parte para a afirmação do direito, esta última é considerada o exercício da uma faculdade processual (Sistema, I, p. 871; Istituzioni, I, p. 204).

III Sobre o conceito de admissão

O conceito de admissão como “posição como pressuposto da demanda de um fato já pressuposto na demanda contrária” foi amplamente desenvolvido por Carnelutti.

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Nas Lezioni di dir. proc. civ. (III, p. 252 e ss.) ele diferencia confissão, como declaração de ciência de um fato contrário ao interesse do confitente, e admissão, como não discussão da verdade de uma afirmação adversa sem dizer ou sem dar a entender que a parte conhece o fato.

No Sistema (I, p. 755), considerando que a confissão é uma declaração de ciência (a parte declara algo como certo) e, portanto, um testemunho, Carnelutti especifica: “quando a afirmação é feita sem declaração de que se conhece o que se declara, sempre que esse quid for contrário ao interesse de quem a faz existe admissão e não confissão”.

Finalmente, nas Istituzioni (I, p. 278 e ss.), depois de ter fixado o conceito de alegação como “informação a título de razão (de uma instância)”, em contraste com o de asseveração como “informação a título de verdade (de um fato)”, lê-se: “quando as alegações de uma parte concordam com a alegação precedente da outra, recebem o nome de admissão. A admissão distingue-se da confissão precisamente porque é uma alegação e não uma asseveração”.

Segundo Carnelutti, a admissão também constitui o exercício de uma faculdade processual (Sistema, I, p. 871).

IV Sobre o conceito de discussão

Carnelutti delineia assim o valor da discussão: “o juiz encontra-se diante da afirmação de uma parte e da negação da outra, ou seja, diante da discussão de um fato” (supra, p. 16).

Esse valor é especificado nas Lezioni di dir. proc. civ. (VI,
p. 92), onde, depois de ter advertido que a prova só é exigida quando a afirmação conflita com a aparência, ou, em outros termos, quando falta à afirmação a aparência de verdade (daí o imenso valor que tem a aparência dos fatos na vida do di-

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reito), ele acrescenta: “a falta de discussão é um elemento da aparência …; ela confirma, portanto, a aparência da afirmação”. Por outro lado, “diz-se que um fato é aparente quando existem indícios imediatos e suficientes de sua verdade (rectius, da verdade de sua afirmação)”.

V Sobre o conceito de motivação

Quando Carnelutti escreve que a certeza do juiz acerca do fato controvertido “não o exime de maneira alguma da obrigação de seguir os procedimentos estabelecidos para a declaração do fato” em si, ele inscreve a obrigação da motivação.

O conceito reaparece em um dos estudos fundamentais de Carnelutti: Limite del rilievo dell’error in iudicando in corte di cassazione (Studi dir. proc., Pádua, “Cedam”, 1925, I, p. 367 e ss.).

Assim, portanto, não basta unicamente a certeza do juiz para a declaração do fato, mas ela tem de ser, nas palavras de Carnelutti, “qualificada”, isto é, compartilhada por uma generalidade de pessoas, e para alcançá-la é preciso seguir determinados procedimentos.

Recentemente, o conceito de motivação foi submetido por Carnelutti a uma revisão profunda em Lezioni sul proc. pen. (Roma, “Edizioni dell’Ateneo”, 1947, III, p. 89).

VI Sobre o conceito de prova legal

Quando a regra da experiência para a apreciação das provas é imposta à autoridade judiciária, de modo que não

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se lhe deixa liberdade de eleição, encontramo-nos diante da prova legal: “uma regra de experiência converte-se em regra legal quando for obrigação para alguém submeter-se a ela” (Sistema, I, p. 743). Esse instituto problemático, para não dizer enigmático, ocupou amplamente o pensamento de Carnelutti, que retorna a ele em vários de seus livros e estudos. Ver, entre outros, os seguintes:

Documento e negozio giuridico (Studi di dir. proc., Pádua, “Cedam”, 1928, II, p. 81): “o fim último do sistema da prova legal consiste em prevenir ou reprimir o litígio sem necessi-dade de processo … Quem pode valer-se da...

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