O advogado como agente de execução e as necessárias adequações ao projeto de lei 6.204/19 para o resguardo ao devido processo legal

AutorAna Beatriz Ferreira Rebello Presgrave e Isabela Araújo Barroso
Páginas637-652
O ADVOGADO COMO AGENTE DE EXECUÇÃO
E AS NECESSÁRIAS ADEQUAÇÕES
AO PROJETO DE LEI 6.204/19 PARA O
RESGUARDO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave
Doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil
pela PUC-SP. Professora Adjunta da UFRN. Estágio pós-doutoral na Universidade de
Münster. Presidente do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro da ANNEP. Membro do
IBDP. Diretora Regional do IPDP. Membro do CEAPRO. Conselheira Federal da OAB.
Isabela Araújo Barroso
Pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFRN.
Advogada.
1. INTRODUÇÃO
O Relatório Justiça em Números, editado pelo Conselho Nacional de Justiça1,
traz dados assustadores sobre a execução no Brasil. Aquela que deveria ser a fase mais
simples e rápida do procedimento – uma vez que se inicia a partir da certeza, liquidez
e exigibilidade de um título – acaba sendo a mais morosa e dramática.
Em consonância com o Relatório Justiça em Números, os processos de execução
são os que possuem o maior tempo de duração. No ano de 2020, a título de exemplo,
o tempo médio das execuções (sem considerar as execuções penais) correspondeu a
7 anos e 8 meses na Justiça Federal e a 6 anos e 9 meses na Justiça Estadual2.
Percebe-se que hoje a situação é a seguinte: o jurisdicionado bate às portas do
Poder Judiciário, consegue a declaração do seu direito (“ganha o processo”), mas
não consegue executar o título executivo judicial. Em termos populares, é o famoso
“ganhou mas não levou”. Esse cenário indica que a sistemática legal executiva vigente
não é ef‌icaz para a prestação e efetivação do direito.
Identif‌icada a problemática, muitas propostas de solução vêm surgindo, a
exemplo do Projeto de Lei nº 6.204/19 (PL), que “dispõe sobre a desjudicialização
da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial3” e altera as Leis nº
1. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (ed.). Justiça em Números 2020. Brasília: Conselho Nacional de
Justiça, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-
em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 11 mar. 2021.
2. Conselho Nacional de Justiça (ed.). Justiça em Números 2020. Brasília: Conselho Nacional de Justiça,
2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-
N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 11 mar. 2021.
3. BRASIL. Projeto Lei 6204, de 2019. Brasília, Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
documento?dm=8049470&ts=1594037651957&disposition=inline. Acesso em: 11 mar. 2021.
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ANA BEATRIZ FERREIRA REBELLO PRESGRAVE E ISABELA ARAÚJO BARROSO
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9.430/96, nº 9.492/97, nº 10.169/00 e o próprio Código de Processo Civil de 2015.
Um dos objetivos do projeto de lei, conforme se extrai da sua justif‌icação é a redução
do tempo médio das execuções no Poder Judiciário4.
Todavia, ante a previsão constitucional da inafastabilidade da jurisdição, surgi-
ram questionamentos acerca da constitucionalidade da desjudicialização do proce-
dimento executivo. Foi justamente por essa razão que em texto anterior5 iniciamos
pela análise da constitucionalidade da desjudicialização da execução.
Na oportunidade, além de entendermos pela ausência de ofensa à Constitui-
ção, especialmente porque o PL resguarda a inafastabilidade da jurisdição, ainda
que mediata, em estrita consonância com o art. 5º, XXXV da Constituição Federal,
identif‌icamos que ela, caso bem empregada, pode trazer inúmeros benefícios aos
cidadãos, representando uma alternativa à morosidade da execução judicial67.
Naquela oportunidade, ao identif‌icarmos a existência de diferentes modelos
de desjudicialização, entendemos que o PL traz um modelo próximo ao português,
embora possua “personalidade” própria, razão pela qual destacamos que possíveis
referências ao direito estrangeiro devem ser realizadas levando esse aspecto em
consideração8.
Partindo dessas duas premissas – a constitucionalidade da desjudicialização e
a aproximação do PL com o modelo português –, percebemos que, ao contrário do
sugerido pelo projeto em comento, a função de agente de execução no Brasil seria
melhor exercida pela advocacia, ao invés dos tabeliães de protesto conforme previsto
no projeto original.
É claro que para tornar viável e segura essa atuação é necessário estabelecer uma
série de ajustes ao PL, de modo a promover a adequada organização instrumental para
a realização efetiva da execução fora da estrutura do Poder Judiciário assegurando-se
a garantia do devido processo legal.
4. BRASIL. Projeto Lei 6204, de 2019. Brasília, Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/
documento?dm=8049470&ts=1594037651957&disposition=inline. Acesso em: 11 mar. 2021.
5 . PRESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello; BARROSO, Isabela Araújo. A advocacia e a execução extrajudicial.
In: ASSIS, Araken de (Org.). Processo de Execução e Cumprimento da Sentença: temas atuais e controvertidos.
São Paulo: Ed. RT, 2021. p. 389-402.
6 . PRESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello; BARROSO, Isabela Araújo. A advocacia e a execução extrajudicial.
In: ASSIS, Araken de (Org.). Processo de Execução e Cumprimento da Sentença: temas atuais e controvertidos.
São Paulo: Ed. RT, 2021. p. 389-402.
7. Em Portugal, no ano de 2018, após a desjudicialização da execução, portanto, o número de processos atingiu
o menor quantitativo desde 1996 (ARAÚJO, Luciano Vianna; DOTTI, Rogéria. Parecer a respeito do Projeto
de Lei 6204 de 2019: desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial. Brasília:
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, 2020). Os dados portugueses são importantes porque
o sistema de execução extrajudicial de Portugal é semelhante ao proposto pelo PL 6.204/19.
8 . PRESGRAVE, Ana Beatriz Ferreira Rebello; BARROSO, Isabela Araújo. A advocacia e a execução extrajudicial.
In: ASSIS, Araken de (Org.). Processo de Execução e Cumprimento da Sentença: temas atuais e controvertidos.
São Paulo: Ed. RT, 2021. p. 389-402.
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