O Advogado, Maior Obstáculo No Acesso à Justiça

AutorFlávio Dickson
CargoBacharel em Direito pela UnB

A conscientização de que o elevado valor que os advogados brasileiros cobram por seus serviços constitui o maior fator dissuasório para quem quer fazer valer seus direitos em juízo deve ser integralmente realizada por nossa classe advocatícia, objetivamente e sem receio, como realidade inalterável, para que esta mesma classe possa então se pôr à altura da dignidade de sua missão e tomar as medidas necessárias para que tal situação, embora talvez não tenha como ser revertida, não seja nada menos que legítima, como cremos infelizmente não ser hoje.

  1. Os obstáculos no acesso à justiça. No relatório geral da pesquisa sobre o acesso à justiça nas nações do mundo, os profs. Mauro Cappelletti e Bryant Garth identificam primariamente três fatores que em diversas proporções contribuem para que a população não recorra ao Judiciário (tenha acesso à justiça), deixando irresolvidos seus conflitos, ou pelo menos não os resolvendo de acordo com o direito. São os fatores econômicos, sociais e culturais.

    Os fatores culturais são principalmente a ignorância e desconfiança, manifestadas sobretudo pela população de menor renda, quanto ao conhecimento de seus direitos e a eficiência do aparelho judicial, de modo que deixam de ajuizar suas demandas ou por não saberem que têm direito a reparações, ou por ignorarem que determinados comportamentos alheios que os afetam são ilícitos; ou ainda porque, mesmo sentindo que estão com a razão, imaginam ou que a outra parte pode convencer o juiz do contrário, ou que pode procrastinar o processo indefinidamente, duvidando da capacidade do Judiciário de resolver o problema favoravelmente a si.

    Fator social da maior importância é o afastamento da justiça das classes mais baixas, numa discriminação inconsciente que se manifesta principalmente na distância dos fóruns dos subúrbios e residências dos menos abastados, da aura de superioridade de que se cerca. Os fóruns são o ambiente dos juízes e advogados, gente fina que veste ternos e togas e pertence à classe superior, senão por suas posses, por sua educação. Para se ajuizar um processo é necessário ter um advogado, e não é fácil para pessoas mais humildes vencer seu natural receio de tratar com pessoas de uma classe com a qual não estão acostumadas, e também na posição menos usual de cliente, que teoricamente é a superior da relação.

  2. Os obstáculos econômicos do acesso à justiça. Estes são sem dúvida os de maior impacto para a capacitação final do demandante ao ajuizamento da demanda. Os demais fatores são afastáveis por uma vontade decidida, enquanto os econômicos não o são. Uma pessoa ou tem dinheiro disponível para litigar ou não o tem; é um dado objetivo que não se pode alterar. Os fatores econômicos da litigância são especialmente três: as custas judiciais, os honorários advocatícios e a alimentação no curso da demanda.

    Dentre os três citados, o pagamento dos honorários advocatícios avulta como o de maior estatura, por três motivos: é o mais caro, é inevitável e geralmente não é ressarcível.

    As custas judiciais.Como se sabe, as custas judiciais têm caráter fiscal, não econômico, pois seu preço não cobre as despesas tidas com o produto. Quando uma pessoa ajuíza uma ação ela sabe que somente pode fazê-lo porque o Estado mantém a estrutura judiciária, construindo os prédios dos fóruns, pagando os juízes e serventuários, porque as custas que paga são insuficientes para fazer face a tais despesas. Consultando a tabela de custas do TJDF temos que para as ações de rito ordinário elas são devidas em 2% do valor da causa, até o máximo de R$ 111,52. É o item mais caro da tabela. A este somam-se outros, como diligências dos oficiais de justiça e OAB. De modo que se alguém ajuíza uma ação no valor de 40 salários mínimos pagará R$ 89,6 de custas básicas, e cerca de R$ 40,00 a diversos outros títulos, num total de pouco mais de um salário mínimo.

    Falamos do inevitável, do que se não pode escapar. Eventualmente, é possível que o demandante tenha que desembolsar mais a título de honorários de perito ou diária de testemunha, caso requeira tais provas, o que sem dúvida atingirá valores muito superiores ao salário mínimo anteriormente prestado. Mas tudo isto é tido como custas judiciais, e portanto ressarcível pela parte adversária, se vencida. Ou seja, é dinheiro que se arrisca, mas que não está definitivamente perdido. Com os honorários advocatícios, como veremos a seguir, se dá o contrário.

    A alimentação no curso da demanda. Quando o autor demanda com base em ilícito que lhe tirou a fonte de sustento ou reduziu a capacidade laborativa, este fator realmente assume papel predominante em dificultar-lhe o acesso à justiça, muitas vezes forçando-o a realizar acordos prematuros em que não obtém tudo a que teria direito. No entanto não ocorre sempre, não é inescapável.

    Os honorários advocatícios. Os advogados têm constitucionalmente o monopólio da representação judicial dos interesses particulares, e portanto quem não é advogado deve...

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