Agrarian conflicts and access to land ownership in Rondonia State/ Conflitos agrarios e acesso a terra em Rondonia.

AutorSilva, Ricardo Gilson da Costa

Introducao

Nos ultimos anos verifica-se uma intensa propaganda politica referente a modernizacao da agricultura e dos saldos positivos que a atividade agropecuaria traz a balanca comercial, cuja narrativa apresenta o agronegocio como o unico modelo economico e territorial para o espaco rural brasileiro. Afora a apologia do agronegocio, a narrativa revela uma visao totalitaria quando ignora e nao aceita outros modos de vida e de uso da terra e do territorio, que nao estejam pautados pela racionalidade neoliberal (ALMEIDA, 2010).

Para alem do marketing e da propaganda do agronegocio, o mundo rural esta permeado de conflitos agrarios e territoriais protagonizados pelos movimentos sociais em seus diversos instrumentos de luta politica, normalmente negados ou submetidos as pautas das midias hegemonicas como simples conflitos singulares. A centralidade dos conflitos nos parece assentar-se no direito a terra e ao territorio como direito humano, o que significa que a terra assume multiplas dimensoes sociais, debate ja reconhecido pela literatura especializa, alargando o sentido social da terra e do territorio para com o universo do campesinato, povos e comunidades tradicionais (CHAGAS, 2017).

A abrangencia dos conflitos agrarios assume relevante significado na Amazonia brasileira por ser uma grande regiao que comporta as variedades de grupos sociais e etnicos, cujo uso da terra e do territorio estao permeados por logicas comunitarias que reforcam suas culturas e territorialidades. Portanto, formam um mosaico de territorios que se contrapoem a racionalidade dominante do agronegocio globalizado. Em tal situacao eclodem os conflitos agrarios, e, no limite, as chacinas contra os trabalhadores rurais acampados em seus territorios de resistencia.

Nessa perspectiva, a analise prioriza os processos agrarios no estado de Rondonia, justificando que e a unidade da federacao brasileira em que mais a violencia e a letalidade dos conflitos agrarios e territoriais se fazem presentes. Objetiva-se situar na analise a funcao que a Amazonia assumiu decorrente da modernizacao da agricultura brasileira, notadamente em sua condicao de fronteira agricola e nas metamorfoses territoriais relacionadas ao acesso a terra. Assim, a primeira secao perscruta os recursos conceituais utilizados para compreender as transformacoes e insercao da Amazonia nas dinamicas geoeconomicas do centro-sul do Brasil, a partir da decada de 1960, quando se tem a presenca do Estado com politicas publicas que transformaram definitivamente a regiao em seus aspectos socioeconomicos e territoriais.

Na secao seguinte, analisa-se a formacao socio-espacial de Rondonia, priorizando a politica de colonizacao agricola implementada pelo Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria (INCRA), cujo resultado se concretizou na estrutura fundiaria com forte presenca das pequenas propriedades e com a agropecuaria vinculada aos mercados regional e nacional. Contudo, nas ultimas duas decadas a pequena propriedade encontra-se pressionada pelo agronegocio da soja e da pecuaria de corte, cujos conflitos agrarios ampliam a escala da problematica social. Nesse contexto, a luta pela terra vincula-se a luta pelo territorio.

A terceira secao problematiza o direito a terra e ao territorio como expressao social de direitos humanos. Faz-se um debate dos vinculos tematicos considerando que a questao agraria e territorial assume relevo a partir dos conflitos sociais no campo, quando o direito de lutar pela terra e pela reforma agraria vincula-se a dignidade humana. Particularmente para o estado de Rondonia, no qual a colonizacao agricola delineou seu territorio, o acesso a terra, como direito humano aos camponeses e suas entidades de luta social, encontra serios obstaculos para sua afirmacao.

Revistando o debate sobre fronteira e o acesso a terra na Amazonia

As mudancas socioeconomicas e territoriais ocorridas no Brasil a partir dos governos militares impuseram um olhar estrategico para a Amazonia, sobretudo, nas questoes de ordem geopolitica e geoeconomica (BECKER, 2007). Particularmente, a agropecuaria, migracao, colonizacao agricola e distribuicao de terras impulsionaram as dinamicas territoriais rurais na regiao, o que levou a literatura especializada, sob diferentes aspectos teoricos, a conceituar esse fenomeno como expansao interna da fronteira brasileira. Assim, a Amazonia passou a ser compreendida como a fronteira dinamica da nacao, modificando sua funcao na divisao territorial do trabalho, principalmente em relacao aos fatores economias extrativas e mercado de terras.

O fechamento da fronteira, umas das teses mais difundidas, consistiu nos mecanismos de apropriacao privada das terras devolutas na Amazonia, operada tanto pelo capital quanto pelo o Estado. Carlos Osorio (1978, p. 604) distinguiu esse movimento em dois sentidos: o fechamento por fora e o fechamento por dentro. No primeiro caso, refere-se ao processo de apropriacao de terras devolutas por grandes proprietarios e fazendeiros, antes mesmo da chegada dos camponeses ou pequenos produtores. O fechamento por dentro indica a expropriacao dos meios de producao do produtor direto, ou seja, a expropriacao dos camponeses nas areas ocupadas ou inexploradas, configurando ambos os processos na apropriacao para o uso produtivo e na terra para reserva de valor.

Aborda o autor que a reproducao do capital levou a modificacao dos setores produtivos, intensificando as relacoes capitalistas de producao. Tais movimentos ensejaram as migracoes intra-regionais e inter-regionais, na qual os migrantes direcionaram-se para as areas urbanas e metropolitanas, ou para areas de expansao da fronteira agricola, a exemplo da Amazonia. Na expansao da fronteira se configuram distintas formas: a frente camponesa e a frente capitalista (1), esta ultima amparada pelo o Estado, atraves dos mecanismos de concessao de terras, creditos e incentivos fiscais. O fechamento da fronteira atingiria de modo estratificado as pequenas e medias propriedades, sendo mais conflituoso contra os posseiros e os camponeses sem terra, em funcao de sua fragilidade social e economica frente a especulacao e pressao da expansao capitalista.

Em A modernizacao dolorosa, Graziano da Silva (1982) analisou as transformacoes na agricultura como expressao do movimento de modernizacao capitalista no processo produtivo e nas relacoes de producao no espaco rural. Decorreu disso o aumento da concentracao fundiaria e a expansao do mercado interno sediado nas cidades e nas metropoles. Em referencia a Amazonia, o autor articulou a regiao ao conceito de fronteira na otica do capital, que corresponde a uma relacao social de producao, ou seja, uma fronteira agricola, uma fronteira economica. Para isso, a tese da modernizacao agropecuaria traz a logica do fechamento da fronteira, que se refere a reducao de "terras livres", "terras sem donos", que poderiam ser objeto de apropriacao pelos camponeses. Equivale a mudanca da terra enquanto valor de uso para valor de troca, na medida em que a terra passa a desempenhar uma reserva de valor. Nesse aspecto, o fechamento se da de fora para dentro, dado que a terra ao reduzir a funcao produtiva eleva-se na condicao de reserva de valor. Para o autor, a fronteira assumiu diversas significacoes sociais:

No plano social, [...] a fronteira representa uma orientacao dos fluxos migratorios, especialmente das populacoes rurais. [...] Quando a fronteira se "fecha", passa a haver uma multiplicacao de pequenos fluxos migratorios, muitos sem direcao definida [...] No plano economico, a fronteira era uma especie de 'armazem regulador' dos precos de generos alimenticios de primeira necessidade consumidos pela populacao urbana [...] havia um suprimento do mercado nacional atraves do escoamento dos 'excedentes' da pequena producao, funcionando como estabilizador dos precos. Quando, entretanto, a fronteira se 'fecha', esse efeito de amortecimento tem de ser buscado na importacao desses generos alimenticios e no tabelamento dos seus precos. No plano politico, a fronteira tem sido a 'valvula de escape' das tensoes sociais no campo. (GRAZIANO DA SILVA, 1982, p. 118)

Nessa perspectiva, o fechamento da fronteira representou a instauracao das relacoes capitalista na floresta Amazonica, constituindo-se em um novo processo de cercamento da terra no qual se sucederam inumeros conflitos agrarios, sendo este um indicador do fechamento ao que se poderia qualificar como acesso as terras livres na Amazonia, terras que nao estariam sob os impulsos dos centros dinamicos do capital.

As pesquisas sociologicas, antropologicas e geograficas orientaram suas leituras atraves dos conceitos de frente de expansao, frente pioneira e fronteira, analisando as rapidas e intensas transformacoes socioeconomicas e...

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