A modernização da Agricultura familiar e as transformações no espaço agrário em Turvo(SC)

AutorJoão Marcos Minatto
CargoGeógrafo. Mestre em Geografia/UFSC.
Páginas204-223

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Introdução

As* transformações recentes que se processaram no espaço agrário brasileiro estão relacionadas com a modernização tecnológica difundida na agricultura, a partir da década de 1960. No processo, as atividades agrícolas se especializaram, e passaram a fazer uso de equipamentos, insumos químicos, sementes geneticamente modificadas, sistemas de irrigação e drenagem, raças de alta linhagem, rações e produtos veterinários, dentre outros. Esses fatores provocaram uma mudança radical na estrutura de produção agropecuária.

Nos termos de Martine e Beskov (1987), com a difusão da modernização, as atividades agropecuárias passaram a exercer uma função importante, não apenas como produtoras de matérias-primas e alimentos,Page 205mas também como mercado para o parque industrial, no que se refere às máquinas e, posteriormente, de outros insumos agrícolas.

A participação do Estado foi fundamental na viabilização do processo de modernização das atividades agropecuárias. A abertura de linhas de financiamento subsidiado por intermédio do Sistema Nacional de Crédito Rural (1965), favoreceu determinadas regiões, produtos e classes de proprietários rurais, e também interesses industriais, aí incluídas as agroindústrias e as cooperativas.

A modernização tecnológica da agricultura brasileira, também alcançou o município de Turvo localizado no Sul de Santa Catarina. As características naturais da área, conjugadas aos aspectos da estrutura agrária – pequenas unidades fundiárias e mão-de-obra familiar – possibilitaram o desenvolvimento das atividades especializadas para suprimento do mercado, destacando-se os cultivos de arroz irrigado, fumo e milho. Na criação se sobressaíram aves e suínos. A lavoura do arroz recebeu atenção especial do Estado, a partir de 1981, através do Programa Nacional para Aproveitamento de Várzeas Irrigáveis – PROVARZEAS, que passou a financiar a produção.

Ao se especializar, o produtor familiar de Turvo rompeu a auto-suficiência e intensificou suas relações com o capital urbano-industrial, tornando-se cada vez mais dependente e atrelado aos mecanismos estruturais do mercado. Esse fato se configurou nas diferentes regiões do país, e as mudanças ocorridas na produção familiar podem ser observadas em vários aspectos relembrados com propriedade por Graziano da Silva (1982),na obtenção dos meios de vida, na compra de insumos para produção, nos instrumentos de trabalho e na venda crescente das mercadorias.

Objetivando analisar as transformações estruturais ocorridas no espaço agrário a partir da modernização da agricultura e os resultados na organização sócioespacial da produção familiar, elegeu-se o município de Turvo, como espaço de análise, porque ele apresenta significativas mudanças na base técnica da produção agropecuária.

O relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e à Agricultura/FAO e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/INCRA (1996) delimita a agricultura familiar com base em trêsPage 206características:

  1. A gerência da propriedade é realizada pela família;

  2. A maior parcela do trabalho é fornecida pelos membros do grupo familiar e,

  3. A propriedade dos meios de produção (às vezes, com exceção da terra) pertence à família.

Estes aspectos são encontrados na agricultura familiar do município de Turvo. Assim, portanto, eles servem como referência para a agricultura familiar, objeto deste estudo.

Para alcançar o objetivo proposto, efetuou-se, num primeiro momento, levantamento e análise bibliográfica sobre as temáticas modernização: agricultura familiar e sobre a área de pesquisa. O segundo constituiu-se na coleta de dados e informações junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, sobre: estrutura fundiária, uso da terra, tecnologia de produção e relações de trabalho. Nesta etapa, também levantou-se informações sobre o espaço agrário, na Cooperativa Regional Agropecuária Sul Catarinense Ltda (sediada em Turvo), na EPAGRI/ local, na Secretaria Municipal da Agricultura e no Plano Municipal de Desenvolvimento Rural-PMDR. Por último, foram realizadas 24 entrevistas (1º semestre de 2000) com os agricultores em duas comunidades rurais do município, que foram eleitas pela diversidade de especializações: rizicultura, fumicultura, avicultura e pecuária. As entrevistas foram conduzidas tendo por base um roteiro de perguntas semi-estruturadas. Para a escolha dos produtores a serem entrevistados, fez-se uma amostragem aleatória, adotando como referencial teórico os critérios da FAO/INCRA(1996).

A modernização tecnológica na agricultura brasileira

No processo desenvolvimentista da economia brasileira, a partir da década de 1960, foram instaladas no Brasil as fábricas de máquinas e insumos agrícolas, como por exemplo, as indústrias de tratores e equipamentos agrícolas, fertilizantes químicos, rações, medicamentos veterinários, dentre outros. Até aquele momento, a demanda de maquinarias agrícolas era suprida pelas importações. Após a implantação da indústria pesada no país (1950), tais como, a petroquímica e a siderurgia, instalaram-se as indústrias produtoras de bens para a agricultura.

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Como relembra Delgado (1985), a modernização da agropecuária brasileira intensificou-se a partir de meados da década de 60, e mais especificamente na década de 70, quando elevaram-se os índices de tratorização e o consumo de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). Através de mecanismos criados pelo Estado, destacando-se o Sistema Nacional de Crédito Rural, que passou a conceder empréstimos a juros altamente subsidiados, incentivando a aquisição de máquinas, equipamentos e insumos – da indústria para a agricultura –, acelerando-se desta forma, a difusão de pacotes tecnológicos modernos na agricultura nacional.

Para implementar a política de modernização da agricultura brasileira, o Estado criou o Programa Estratégico de DesenvolvimentoPED, o qual tinha por objetivo transformar a agricultura tradicional via modernização tecnológica e romper as barreiras de abastecimento, solucionando os principais problemas ligados à estrutura e funcionamento da comercialização de alimentos. No que se refere ao setor agropecuário, o aumento da produção, bem como a ampliação dos índices de produtividade estavam condicionados à transformação da agricultura tradicional a ser obtida através da mudança nos processos produtivos e no maior uso dos chamados insumos modernos, isto é, fertilizantes, corretivos, defensivos, sementes melhoradas, máquinas e outros implementos industriais.

Como relembra Aguiar (1986) o PED apresentava um conjunto de ações para o meio rural: 1. desenvolvimento da pesquisa agrícola; 2. programa nacional de sementes; 3. política de fertilizantes e corretivos; 4. política nacional de mecanização; 5. política nacional de irrigação; 6. programa de eletrificação rural, e; 7. desenvolvimento da extensão rural. Essas ações integradas, visavam promover o desenvolvimento das indústrias produtoras de máquinas, equipamentos e demais insumos industriais via modernização das atividades agropecuárias, sem alterar a estrutura fundiária do país.

Com a intensificação, na década de 70, consolidou-se um “novo padrão” de desenvolvimento na agricultura, marcado por mudanças nas relações indústria-agricultura e pela integração da agricultura a outros setores da economia, cujo processo resultou na constituição do Complexo Agro-Industrial - CAI. Nos termos de Müller (1989), o CAI pode ser definido como um conjunto formado pela sucessão de atividades vinculadas à produção e transformação de produtos agropecuários.

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Atividades como a geração destes produtos, seu beneficiamento, transformação e a produção de bens de capital e de insumos industriais para as atividades agrícolas, bem como financiamento, a pesquisa e a assistência técnica.

As mudanças nas relações indústria-agricultura imprimiram uma nova dinâmica no processo de produção agropecuário, e isso se refletiu também na organização do espaço. Em áreas onde predominava a agricultura familiar, as atividades de subsistência cederam espaço para a produção de mercado. Na expressão de Müller (1989, p.86), “ a policultura foi encurralada ”, seu lugar foi ocupado pela produção mercantil especializada.

Oliveira (1991), com base nos dados do IBGE/1985, ressaltou a importância da agricultura familiar na década de 80: as propriedades com área inferior a 100 ha eram responsáveis por 50,7% do valor da produção agropecuária do país. Mesmo assim, o segmento encontrava-se a margem da política de financiamentos, apenas 3% dos recursos agrícolas chegaram aos estabelecimentos de menos de 10 ha, 28% aos de 10 a 100 ha. O restante (69%) foi abarcado pelos produtores com mais de 1.000 ha.

Na década de 90, teve continuidade o “...

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