A Agroindústria na Região Centro-Oeste

AutorCristiane Lisita
Páginas69-85

Page 69

A concepção do termo agroindústria deve ser enfatizada tanto de forma ampla, o que abrange insumos, agropecuária, máquinas, indústria e distribuição, que chamamos de complexo industrial, bem como no seu sentido mais restrito, que inclui os ramos da agropecuária, alimentos, fumo e bebidas. No Centro-Oeste, que conglomera os estados de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a agroindústria é o setor que mais se sobressai na economia. O rebanho bovino é o maior do país, ocupando a casa dos 56 milhões de cabeças. Em segundo lugar, destaca-se pela produção de arroz, e terceiro, pela produção de milho. Também é o maior produtor de sorgo, algodão em pluma, soja e girassol. As indústrias concentram-se no setor de alimentos, adubos, rações e fertilizantes, bem como abatedouros. Encontramos no Planalto Central grandes chapadões, com terrenos antigos e que foram aplainados pela erosão. A vegetação que encobre a região, o cerrado, se diversifica, sendo os solos mais férteis no oeste de MatoGrosso do Sul e sudoeste de Goiás e maior infecundidade no nordeste goiano. A região tem, segundo o IPEA, uma participação cerca de 10% no PIB contra 7%, em 1991. Estima-se que a agroindústria contribui com 40% do total das exportações do país, seja pela queda do preço de commodities nas ultimas duas décadas, bem como na variedade dos produtos.

Há que se destacar que o Relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992, é claro quanto à expansão da agricultura e seus impactos: "A expansão da agricultura deveu-se ao avanço contínuo da fronteira agrícola e à introdução de novas técnicas de produção mais intensivas em capital. A área de estabelecimentos agrícolas praticamente dobrou entre 1950 e 1980, aumentando em 1,67 milhões de km2(...) A concentração da propriedade da terra, as desigualdades e a ausência de mobilidade social do setor rural são fenômenos que estão na raiz dos pro-

Page 70

blemas econômicos, sociais e ambientais no Brasil (...) O processo de modernização foi marcado pela desigualdade em sua distribuição".1A organização da produção se viu modificada com os recursos avançados da tecnologia, acarretando a migração para as áreas onde estavam sendo desenvolvidas monoculturas, em grande escala, o que acabou marginalizando o trabalhador rural ou os sitiantes que não tiveram força para competir com os grandes produtores. A tendência foi a concentração fundiária: de um lado, grandes latifúndios, de outro, o aparecimento de vários minifúndios. Os dados do Relatório são os seguintes: Em 1960, havia 1,5 milhão de propriedades rurais, com área média de 4 hectares. Em 1980, esse número passou para 2,6 milhões com área média de 3,5 hectares. Em 1985, esses minifúndios somavam 3,1 milhões, com área média de 3,1 hectares. Em 1980, 80% da área dos estabelecimentos agropecuários era detida por 10% dessas propriedades.

De acordo com o mesmo Relatório, a agricultura avançou no país, aumentando em 1,67 milhão de km2de terras cultivadas.2Os dados expõem que a expansão que ocorreu na agricultura em função do avanço contínuo das fronteiras agrícolas e à introdução de técnicas mais "ostensivas em capital". A expansão da fronteira agrícola goiana inicia-se justamente com a Marcha para o Oeste, definida na política de Getúlio Vargas.

Ilustra-se que, em 18 de maio de 1933, foi assinado um decreto por Pedro Ludovico Teixeira, determinando a construção da cidade de Goiânia para que essa fosse a nova capital do Estado, substituindo a então cidade de Goiás que foi "o berço da história (...) o primeiro povoado organizado no tempo dos Bandeirantes"3, hoje tombada como patrimônio histórico do Brasil e da humanidade.

A política de Getúlio Vargas era estimular os processos de colonização em áreas pouco povoadas para aumentar a produção agrícola visando à competição do Brasil no mercado internacional no que se refere à produção de grãos. Além da construção de Goiânia, a criação do Distrito Federal influenciou a migração em Goiás a partir da década de 1950. Em 1960, inaugura-se Brasília, a nova capital da República, em solo goiano, que instiga o aumento do contingente humano na região Centro-Oeste.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística - IBGE - dados de 1991, ocorreu um crescimento extraordinário da população residente em Goiás. Em 1960 tínhamos 1.913.289 habitantes; em 1970, 2.938.677; em 1980, 3.859.602; e, em 1991, 4.012.562 habitantes. De acordo com o IBGE, em julho de 2006, Goiás tinha 5.635.890 habitantes, sendo o mais populoso do Centro-Oeste."A política governamental utilizou as chamadas fronteiras agrícolas, como uma forma de destencionar o campo em decor-

Page 71

rência das demandas por terra no Sul e Sudoeste brasileiro (...)"4É preciso ponderar que "o processo de colonização e ocupação da região Centro-Oeste se consolida mesmo no período pós 64... Os incentivos governamentais (especialmente os subsídios agrícolas) foram as principais causas desse processo migratório". Os processos de colonização e a elaboração do Estatuto da Terra, em 1964, tiveram a finalidade de acalmar os conflitos agrários que se faziam presentes em quase todo o país na luta por terras.

Dentro dessa expansão agrícola e "modernização conservadora"5, e política de créditos do governo federal, o êxodo rural foi considerável. Explica George Martine: "Tanto a mudança na escala de produção trazida pelo novo pacote tecnológico, como a tendência especulativa desencadeada pelo processo de modernização, serviram para acentuar ainda mais a concentração da propriedade da terra, afetando também as relações de produção no campo. Além da mecanização expulsar a mão-de-obra, o espaço de arrendatários, parceiros, posseiros e outros pequenos produtores também ficou reduzido pela ‘territorialização do capital’. Isto provocou um certo êxodo (de quase 30 milhões de pessoas entre 1960-1980), além do crescente assalariamento da força de trabalho agrícola, muita da qual passou a residir nas cidades. Como resultado dessas transformações, o processo de urbanização brasileiro mostrou uma fase qualitativamente diferente da década de 1970. Pela primeira vez na história moderna, as áreas rurais tiveram uma redução absoluta de população. O número de cidades cresceu rapidamente, assim como a proporção da população total em algumas macro cidades".6Lembrando Shigeo Shiki7, o Caderno de Consultas IFAS, fala em três frentes ao definir o movimento migratório: as frentes de agricultura comerciável que "ocorreram graças aos incentivos governamentais e ao desenvolvimento de culturas em escala nos cerrados", as frentes especulativas nas quais migrantes do Sul buscavam em Goiás terras a preços acessíveis, e as frentes de subsistência que deram origem à categoria dos agricultores familiares, que explorando a fertilidade natural dos solos, ou seja, por meio das queimadas e derrubadas de matas tropicais, levaram à degradação ambiental, com uma agricultura insustentável: "A prática se iniciava com a derrubada de matas da vegetação, que em muitos casos eram transformadas em carvão, que supriam grandes usinas siderúrgicas de Minas Gerais. Depois da derrubada e queimada da vegetação nativa, cultivava-se o milho, feijão, arroz e mandioca. A produção de arroz, considerada cultura desbravadora de áreas, passou a ser uma fonte de abastecimento importante até

Page 72

a década de 1980, declinando nos anos mais recentes. O processo de expulsão e marginalização dos agricultores familiares aconteceu ‘naturalmente’ pois as terras desmatadas e manejadas produtivamente incorporaram trabalho e passaram a ter valor e troca. Foram então sistematicamente reapropriadas pelos seus proprietários para o plantio de pastagens e cultivo de grãos ou usadas para fins especulativos. Este processo de marginalização dos agricultores familiares e incentivos governamentais à agricultura em escala provocou a concentração da propriedade da terra e gerou muitos conflitos sociais na Região. Esses conflitos envolviam (e ainda envolvem) posseiros e arrendatários de um lado e fazendeiros e grileiros de outro".8A área de estabelecimentos agrícolas praticamente dobrou entre 1950 e 1980, conforme asseveramos. Este reflexo da modernização conservadora se fez sentir em Goiás, via crescimento no número de tratores na Região Centro-Oeste: em 1950, alcançava-se a casa dos 139 tratores; em 1960, 2.194; em 1970, 10.250; em 1975, 29.032; em 1980, 63.391 tratores, conforme o censo agropecuário do IBGE de 1987. Constata-se que, embora o número desse maquinário tenha aumentado sensivelmente, as desigualdades sociais também majoraram: "Em 1980, três quartos das unidades produtivas rurais no Brasil, só dispunham de meios manuais de produção, como a enxada, o facão, a foice e o machado. Apenas 22% dessas unidades utilizavam o arado, a tração animal".9O Relatório do Brasil para a Conferência da ONU revela, ainda, que 43,2% dos tratores em uso na agricultura brasileira se encontravam na região Sul. Só em Goiás, no ano de 1970, somaram-se 5.692 tratores em uso; em 1975, 13.634; em 1980, 27.600; em 1985 eram 33.548 tratores; e, em 1995-1996, 43.313.10As inovações levadas ao setor rural fazem parte da política neoliberal, que mantém a produção voltada para a exportação. Nesse contexto, "o processo de modernização da agricultura em Goiás exclui os agricultores familiares".11A propósito, abrimos parênteses para delinear o perfil do produtor rural brasileiro numa pesquisa feita pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Os dados são os seguintes, resumidamente: "80% dos produtores rurais tem idade superior a 46 anos; em 80% dessas propriedades o administrador é o próprio dono, com tecnologia insuficiente; 2/3 dos proprietários rurais não dispõe tratores; 44% não têm energia elétrica em suas propriedades rurais; 43,9%...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT