A Agroindústria no Sistema da Agricultura Familiar e do Pequeno Produtor Rural

AutorEmiliano Limberger
Páginas169-189

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Atendendo o gentil e generoso convite do amigo coordenador desta interessante obra com o sub-título de "Agroindústria no Sistema da Agricultura Familiar e do Pequeno Produtor Rural", coube-me aventurar a expender (embora nem tão minuciosamente) as subsequentes considerações, comentários e análises, mesmo perfuntoriamente.

Preliminarmente se impõem algumas observações, para que o prezado leitor não sofra maiores decepções:

  1. A abordagem agroindustrial com seu radical "agro" compreende obviamente tanto as questões agrícolas (cultura do "agro" - "ager" - latim: lavoura, roça), quanto as do "pecus": gado, manada, rebanho (pecuária).

  2. Por indústria entende-se etimologicamente "destreza na arte e exercício de trabalho manual, profissão mercantil, invenção, engenho, produção de mercadoria inclusive de produtos a partir dos naturais e sua transformação". Esta última constitui etapa caracterizadora por excelência.

  3. Familiar: esta adjetivação demonstra a sua especificidade. Trata-se assim de atividade realizada em conjunto pelo núcleo "família". Exclui portanto (ao menos genericamente) a participação de elementos estranhos ao mesmo.

    O contexto deste termo parece que deva entender-se a partir do conteúdo "propriedade" adjetivada esta como "familiar". No entanto, nem sempre esta modalidade de apropriação dos bens produtivos se pode considerar como tal, eis que a titularidade e o poder-de-mando estão centrados na figura do homem (marido, pai) e não de todo o conjunto familiar, embora hoje já frequentemente o "cabeça" da família não seja mais apenas o elemento masculino.

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  4. A produção agroindustrial seguidamente tem a configuração de trabalho de processamento artesanal. Nem por isto deixa de poder considerar-se no conjunto genérico proposto nesta abordagem de agroindustrial. Nela igualmente está presente a característica fundamental da transformação.

  5. Embora se tenha privilegiada a questão da "Agroindústria familiar", contudo os demais enfoques do sub-título foram abordados secundariamente, estando assim contemplados no contexto geral, dando-se ênfase ao foco associativo das cooperativas. Eis que pelo novel Código Civil (art. 53) às associações estão reservadas as atividades não mercantis e estas às cooperativas.

  6. Finalmente se explicita que não se teve condições de elaborar neste tentame análise mais abrangente em termos territoriais. Assim, áreas de nosso imenso país não foram suficientemente enfocadas. As fontes específicas lamentavelmente entre nós ainda se apresentam mui deficientes. Por isto o prezado leitor aí vai encontrar a abordagem mais do Sul do Brasil e particularmente do Rio Grande do Sul. Convida-se pois que se faça a devida adequação para as demais regiões, mutatis mutandis. Com tal obviamente não se está diminuindo o valor de tantas outras experiências valiosas e significativas. No entanto, s. m. j., as questões genéricas parece serem as mesmas. Que outros possam providenciar nesta ampliação. Videant consules!

    Emiliano Limberger

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1 Conceito de agroindústria

Este conceito pode variar de região para região, como se constata facilmente. Como ideia genérica no entanto se pode aproveitar o fornecido pela FAO - Food and Agriculture Organization e pela CEPAL (América Latina e Caribe). Estas entidades oficiais da ONU assim a conceituam: "Atividades de transformação de matérias-primas provenientes da agricultura e pecuária em seu primeiro processamento".

A respeito, A. Kageyama em "O Novo Padrão Agrícola Brasileiro - do Complexo Rural aos Complexos Agroindustriais" (in "Agricultura e Política Brasileiras", Brasília: IPEA, de G. C. Delgado, J. C. Gasques e C. M. Vila Verde) apresenta a crítica de que tal conceito apresenta-se bastante teórico.

A expressão de "primeiro processamento" parece não estar necessariamente remetendo à ideia de uma série deles. Em muitos casos se trata de um único processamento, sem necessariamente precisar da sobre-vinda de outro ou outros subsequentes.

2 Empresas agroindustriais e demais empresas

Infelizmente inexistem estudos, análises e pesquisas em número e especialização razoáveis sobre este importante tema empresarial. A literatura atinente apresenta-se bastante diminuta e lacunosa ainda. Certamente tal ocorre não devido à circunstância de se tratar de tipo de atividade das mais remotas no setor agrícola. A explicação pare-ce se deveria buscar no pouco interesse deste tipo produtivo no conjunto empresarial capitalista. No entanto tal quadro parece estar sendo alterado paulatinamente e para melhor.

Assim se pode encontrar alguns dados reveladores interessantes, por ex., em "O Agronegócio Brasileiro no Final do Século XX" de co-autoria de Marco Antônio Montoya e José Luiz Porre (ed. UPF-Sead, 2000), mormente no capítulo "Delimitação conceitual da agroindústria e evidências empíricas para o estado de São Paulo", elaborado por José Graziano da Silva, Flávio P. Bolliger e Walter de Tal, onde este trio comenta:

"Observa-se. .. que a receita por empresa nas agroindústrias é muito superior à obtida para a não indústria, atingindo um valor pelo menos 3 vezes maior que a média de todo o setor industrial. Também são superiores: a receita e o valor adicionado por pessoa ocupada". Constitui tal constatação econômica dado realmente promissor.

A seguir mencionam estarem tais agroindústrias principalmente nos segmentos: cana-de-açúcar, leite, moagem de cereais e carnes (isto no cenário paulista). Em outras áreas como no Rio Grande do Sul a par destes ramos produtivos salientam-se outros: conservas, utensílios artesanais, doces, farinhas etc. O leque destas atividades amplia-se constantemente, aparecendo paulatinamente sempre mais empresas cooperativas e familiares, inclusive iniciando o sistema de redes produtivas.

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Em termos de valor agregado - dado sumamente importante - ainda menores são as informações encontráveis. Estes autores registram que no conjunto das agroindústrias daquele Estado se eleva "a 17,8%, como também para os salários e as receitas geradas", o que igualmente é estimulante!

3 Histórico

Entre os vários e variegados de início de tais atividades agroindustriais se tem al-guns bastante interessantes e importantes.

Em geral as levas de imigrantes, tanto no Sul quanto em outros Estados (como Espírito Santo e Bahia), tão logo se puderam instalar embora precariamente, enfrentando tantas dificuldades de sobrevivência, trataram imediatamente de elaborar alguns produtos a partir dos primários. Diversos deles assumiram com o tempo bastante expressão econômica. Sirva de exemplo o caso dos alemães-pomeranos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina (Pomerode). Na província meridional inauguraram a feitura de doces, logo ainda seguidos pelos franceses e açoreanos, cuja produção aumentou tanto, que redundou na hoje já célebre "Festa Nacional dos Doces" de Pelotas. Algo semelhante com os alemães em relação à cerveja: primeiro a "Spritzbier" artesanal e familiar, evoluindo para potentes cervejarias industriais.

Entre as experiências pioneiras mais importantes no ramo agroindustrial familiar se conta sem dúvida a da Cooperativa Multifuncional da colônia italiana de Alfredo Chaves e Antônio Prado - RS. Surgiu ela por iniciativa do engenheiro Vicente Monteggia por volta de 1890, funcionando por 10 anos e chegando a reunir 700 famílias. Cuidou ela de organizar a produção agrícola multifuncionalmente, a partir das atividades das famílias. Estas elaboravam seus produtos (queijos, salames, vinhos etc.) agroindustrialmente entregando-os à cooperativa para a devida comercialização. Esta lhes fornecia os instrumentos de trabalho (enxadas, foices, machados, martelos, panelas etc.), bem como se encarregava de elaborar as farinhas (trigo, milho, centeio) em seus próprios moinhos.

Tomou tal vulto esta organização agroindustrial que os comerciantes (perdendo quase toda a freguesia), reagindo, articularam habilmente os maragatos (revolucionários), alegando que se tratava de contrarevolucionários. Estes armados assaltaram a assembleia geral, desarticulando assim esta importante e exitosa iniciativa agroindustrial.

Outra iniciativa pioneira, esta felizmente não desfeita: Cooperativa Santa Clara (Carlos Barbosa/RS). Trata-se da mais antiga agroindústria (laticínios) em funcionamento ininterrupto no Rio Grande do Sul, há quase um século. Deve-se a mesma à iniciativa dos colonos ítalo-franco-germânicos com assistência do jesuíta Amstad. Constitui ela ainda hoje modelo entre as pares pela excelência de seus produtos. Pena que as demais não tivessem superado como ela as várias crises no setor!

Em se tratando de ervateira, cabe gizar que recentemente ainda grupo de agricultores familiares do interior do Vale do Sol (antigo Trombudo - RS) organizaram

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sua micro-empresa, para elaborá-la. Aí - como acontecia com os autóctones no ciclo jesuítico e já antes - este produto elaborado era o nativo. Agora se continua a cultivá-la artificialmente sem empregar qualquer agrotóxico. Tanto no cultivo da planta histórica, quanto em seu beneficiamento são os próprios agricultores, que manejam o segmento industrial, com o que inclusive diminuem custos e geram trabalho (como autônomos), portanto sem incidência de encargos sociais em folha-de-pagamento.

Semelhantemente ocorre já há alguns anos com o...

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