Águas

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas263-295
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ÁGUAS
16.1 IMPORTÂNCIA E RISCOS
A água, considerada o bem mais precioso do século XXI, está ameaçada de escassez,
em escala mundial, o que constitui um dos principais problemas do milênio.
A distribuição de água no mundo, longe de ser homogênea, evidencia a necessidade
de políticas nacionais e internacionais competentes para o gerenciamento, racionalização
e controle de seu uso: em números aproximados, 97,5% da água existente é salgada e 2,5%
doce, sendo que, destes 2,5%, apenas 0,3%, correspondentes à água dos rios e lagos, são
renováveis. O restante encontra-se nas calotas polares, no gelo e na neve das montanhas.1
Com o aumento da população mundial, o desmatamento e o mau uso dos recursos am-
bientais, iniciou-se uma nova era, na qual a água, antes considerada um recurso ilimitado, é en-
tendida hoje como um bem escasso de valor econômico, que enseja uma utilização cuidadosa
e planejada, sob pena de ocorrerem prejuízos ao meio ambiente, à saúde pública e aos próprios
recursos hídricos, pondo em risco a vida no planeta. Lembre-se de que a quantidade de água
existente na Terra é a mesma desde o aparecimento da primeira manifestação de vida.
A Agenda 21, em seu capítulo 18, propõe ações voltadas a um gerenciamento susten-
tável, com o objetivo de “assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa
qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preservem as funções
hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos
limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água.
Tecnologias inovadoras, inclusive o aperfeiçoamento de tecnologias nativas, são necessárias
para aproveitar plenamente os recursos hídricos limitados e protegê-los da poluição”. 2
A Agenda 2030, por sua vez, estabeleceu o “Objetivo 6. Água Potável e Saneamento,
que visa assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos,
e o “Objetivo 14. Vida na Água, que busca conservar e promover o uso sustentável dos ocea-
nos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.3
O Brasil ocupa uma posição de destaque em relação à água, correspondente a 12% da
disponibilidade mundial,4 ou seja, 180 mil m3/s, em relação a 1,5 milhão de m3/s. Se forem
1. SHIKLOMANOV, Igor. World fresh water resources. In: GLEICK, Peter H. (Ed.). Water in crisis: A GUIDE TO THE WORLD’S
FRESH WATER RESOURCES, 1993, apud IRACHANDE, Aninho M.; CHRISTOFIDIS, Demetrios. Política nacional de recur-
sos hídricos: princípios fundamentais. (Fascículos de Ciências Penais, 4/3); SANTILLI, Juliana. 7º Congresso Internacional
de Direito Ambiental: Direito, Água e Vida. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2003. v. 1, p. 647.
2. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21, 18.2. Disponível em: .br/responsabilidade-socioam-
biental/agenda-21>. Acesso em: 27 jun. 2018.
3. Plataforma Agenda 2030. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Disponível em:
com.br/ods/14/>. Acesso em: 27 jun. 2018.
4. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE; AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS; PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO
AMBIENTE. GEO Brasil: recursos hídricos – componente de relatórios sobre o estado e perspectivas do meio ambiente
no Brasil. Brasília: MMA, ANA, 2007, p. 27.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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consideradas as vazões provenientes de território estrangeiro – Bacia Amazônica, Uruguai
e Paraguai –, a vazão brasileira alcança o índice de 18% da disponibilidade hídrica mun-
dial. Todavia, a distribuição da rede hidrológica do Brasil não corresponde à distribuição
espacial da sua população.
As maiores vazões ocorrem na bacia Amazônica,5 que abrange uma área de, apro-
ximadamente, 6 milhões de km² e se estende por sete países: Brasil, Colômbia, Bolívia,
Equador, Guiana, Peru e Venezuela. A Região Hidrográfica Amazônica está inserida na
bacia Amazônica, mas se limita ao território brasileiro, possuindo uma área aproximada
de 3.870 mil km². Divide-se em 29 unidades hidrográficas e abrange 313 munícipios (274
sedes municipais). Destes, somente 24 possuem mais de 50.000 habitantes, segundo o úl-
timo Censo Demográfico (IBGE, 2010). A população total é de, aproximadamente, 9,7
milhões de habitantes e a populacional média é muito baixa, de 2,51 hab./km2, cerca de 10
vezes menor do que a média nacional (22,4 hab./km2). Contudo, a disponibilidade hídrica
superficial é de 73.748 m3/s, o que corresponde a 81% da disponibilidade superficial do
país (91.071 m³/s). A vazão média é de 132.145 m³/s, correspondendo a 74% da vazão
média nacional (179.516 m³/s).6
Já a bacia hidrográfica do rio Paraná ocupa uma área de aproximadamente 879.873
km² (10% do território nacional), abrangendo sete Unidades Hidrográficas: São Paulo,
Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal. Apre-
senta grande importância no contexto nacional, pois representa a região de maior de-
senvolvimento econômico do país, bem como possui as maiores demandas por recursos
hídricos do país, tendo como destaque o uso industrial. A bacia hidrográfica do Paraná
possui 1.507 munícipios, sendo 1402 com sedes municipais inseridas na região, com uma
população total de, aproximadamente, 61,3 milhões de habitantes (IBGE, 2010), predo-
minantemente urbana (93%), cuja densidade populacional média alcança 69,7 hab./km2.
A disponibilidade hídrica superficial é de 5.956 m3/s, o que corresponde a 6,5% da dis-
ponibilidade superficial do país (91.071 m³/s), enquanto a vazão média é de 11.831 m³/s,
correspondendo a 6,6% da vazão média nacional (179.516 m³/s).7
A bacia hidrográfica do rio São Francisco ocupa uma área de aproximadamente
638.466 km2, o que corresponde à 7,5% do território nacional, abrangendo sete Unidades
da Federação: Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás, e Distrito Fede-
ral. Possui 503 munícipios, sendo 452 com a população total de 14,3 milhões de habitantes
da região (IBGE, 2010), cuja densidade populacional média é de 22,4 hab./km2, igual à
média brasileira, A disponibilidade hídrica superficial é de 1.886 m3/s, o que corresponde
a 2,07% da disponibilidade superficial do país (91.071 m³/s). A vazão média é de 2.846
m³/s, correspondendo a 1,58% da vazão média nacional (179.516 m³/s).8
5. Nessa informação, não se incluíram os dados da bacia do rio Tocantins.
6. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: regiões hidrográficas brasileiras – Edição
Especial. Brasília: ANA, 2015. p. 17. Disponível em:
conjuntura-dos-recursos-hidricos/regioeshidrograficas2014.pdf>. Acesso em: 24 set. 2018.
7. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: regiões hidrográficas brasileiras – Edição
Especial. Brasília: ANA, 2015. p. 97-98. Disponível em:
conjuntura-dos-recursos-hidricos/regioeshidrograficas2014.pdf>. Acesso em: 24 set. 2018.
8. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: regiões hidrográficas brasileiras – Edição
Especial. Brasília: ANA, 2015. p. 125. Disponível em:
conjuntura-dos-recursos-hidricos/regioeshidrograficas2014.pdf>. Acesso em: 24 set. 2018.
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Esses dados demonstram que, embora o Brasil seja um país com importante rede
hidrológica, a ocorrência de conflitos pelo uso da água é um risco permanente em algu-
mas regiões, seja pelo excesso de uso, seja pela baixa disponibilidade desse recurso. Daí a
importância da gestão dos recursos hídricos, tanto no âmbito do planejamento como no
controle de seu uso, com vistas não apenas a garantir o acesso à água a toda a população,
como também para organizar os diversos tipos de utilização desse recurso.
16.2 DIREITO HUMANO À ÁGUA POTÁVEL E AO SANEAMENTO
O reconhecimento do direito humano à água no contexto internacional decorreu de
um conjunto de documentos das Nações Unidas que estabelecerem garantia a outros direi-
tos – saúde, bem-estar, saneamento etc. – o que, implicitamente, envolve o direito à água.
A Carta das Nações Unidas de 1945 já destacava a necessidade de buscar uma solução
para os problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos (art. 55). A
falta de acesso à água, embora não tenha sido expressamente mencionada, se caracteriza
como um problema de cunho humanitário, mas também econômico, social e sanitário,
compondo o quadro de problemas internacionais a serem solucionados.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), é assegurado o direito à saú-
de e ao bem-estar, dentro de um rol exemplificativo de outras garantias, como a alimenta-
ção (art. 25). Novamente, embora o acesso à água não tenha sido expressamente mencio-
nado, o tema está intrinsecamente relacionado com a saúde e o bem-estar.
mulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, 6-7-1992, reconhece o “direito de toda pessoa a
um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vesti-
menta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de
vida”, assegurando a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais na prote-
ção contra a fome (art. 11). Essa relação de itens necessários a um nível de vida adequado,
precedidos pelo termo inclusive, significa que ela não é exaustiva, ou seja, que o direito à
água faz parte do rol dos direitos mencionados. 9
O direito à água foi expressamente reconhecido pela primeira vez na Declaração de
Mar del Plata em 1977, conferência promovida pela ONU que estabeleceu diretrizes prá-
ticas para a gestão da água, levando-se em conta que as demandas do desenvolvimento
humano requeriam maior atenção na regulação dos recursos hídricos, assim como a cons-
ciência das estreitas ligações entre a água e o meio ambiente, os assentamentos humanos e
a produção de alimentos.10 As necessidades mais urgentes eram a produção de alimentos
e o abastecimento de água para consumo humano, não que isso significasse negligenciar
outras questões que também devem ser priorizados, como estratégias para minimizar os
efeitos nocivos de secas e inundações e ameaças à qualidade da água.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres, adotada em 1979 pela Assembleia Geral da ONU menciona, em seu art. 14, 2,
que os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discrimina-
ção contra a mulher nas zonas rurais, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre
9. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Comentário Geral 15, 2003.
10. LAVÍN, Antonio Riva Palacio. El Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales. Colección del
sistema universal de protección de los derechos humanos - fascículo 4. Ciudad de México: Comisión Nacional de los
Derechos Humanos, 2012.

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