Além fronteiras: migração na América Latina e o despertar de discursos de ódio

AutorKarine Cordazzo, Carolina Nogueira Queder
CargoAdvogada. Mestre em Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD Doutoranda em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Professora de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN). Professora do Curso de Direito na Universidade Estadual de Mato Grosso do...
Páginas546-569
ALÉM FRONTEIRAS: imigração venezuelana e o despertar de discursos de ódio no Brasil
Karine Cordazzo1
Carolina Nogueira Queder2
Resumo
O objetivo deste artigo é refletir sobre o fluxo migratório, com foco no Brasil e sua estreita relação com o despertar de
discursos de ódio e discriminação. Nesse contexto, será evidenciado como o papel do refugiado na sociedade
contemporânea ganha destaque, sobretudo pela quantidade de pessoas desprovidas de lar, assim como, pela existência
ou i nexistência de políticas públicas para acolher aqueles que buscam abrigo. O artigo utiliza, para tanto, a pesquisa
bibliográfica agregada ao levantamento de dados e também a análise de caso concreto, como forma apta a evidenciar os
aspectos fundantes da questão migratória no Brasil, notadamente com ênfase na problemática da entrada imoderada de
venezuelanos neste país através do estado de Roraima e também pela análise da Ação Civil Ordinária 3121, proposta por
políticos roraimenses no Supremo Tribunal Federal, com notória retórica xenofóbica como embasamento da demanda.
Palavras-Chave: Imigração. Segregação espacial. Discursos de ódio.
BEYOND BORDERS: venezuelan immigration and the awakening of hate speech in Brazil
Abstract
The aim of this article is to reflect on the migratory flow, focusing on Brazil and its close relationship with the awakening of
hate speech and discrimination. In this context, it will be evident how the role of the refugee in contemporary society is
highlighted, especially by the number of people without a home, as well as by the existence - or non-existence - of public
policies to welcome those who seek shelter. The bibliographic research added to the data collection is used for this purpose,
as well as the analysis of a specific case, as a way to highlight the fundamental aspects of the migratory issue in Brazil,
notably with emphasis on the problem of the immoderate entry of Venezuelans into this country through the state of Roraima
and also for the analysis of Ordinary Civil Action 3121, proposed by Roraima politicians in the Federal Supreme Court, with
notorious xenophobic rhetoric as a basis for the demand.
Keywords: Immigration. Spatial segregation. Hate speeches.
Artigo recebido em: 19/05/2020 Aprovado em: 03/11/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2p546-569
1Advogada. Mestre em Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD Doutoranda
em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Professora de Direito Penal e Direito Processual Penal do Centro
Universitário da Grande D ourados (UNIGRAN). Professora do Curso de Direito na Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul (UEMS). E-mail: karine.cordazzo@unigran.br
2 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados - UNIGRAN.E-mail: carol.q.d@hotmail.com
ALÉM FRONTEIRAS: imigração venezuelana e o despertar de discursos de ódio no Brasil
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1 INTRODUÇÃO
Em algum momento, o mundo moderno se tornou um grande caos incontrolável. Muito
disso se por conta de uma única palavra: globalização. Significa o caráter daquilo que é
“indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais, a ausência de um centro, de
um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo” (BAUMAN, 1999, p.
66). O filósofo polonês ainda discorre que a globalização é a “nova desordem mundial”, e, ainda, “ser
local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social” (BAUMAN, 1999, p. 7). A
globalização pode trazer a noção de universalização dos meios, bens e serviços, mas consigo carrega
fardos inimagináveis, que se ocasionaram de forma natural, e hoje, pouco se imagina uma vida sem
ela.
É preciso lembrar que a sociedade se encontra em constante mudança e estas
acompanham o mundo globalizado, podendo até ser a consequência das inter-relações formadas em
todo o globo. Pita (2016, p. 5) analisa o contexto do mundo globalizado sob duas fases: enquanto os
bens e o capital circulam livremente e com grande facilidade, por outro lado, a circulação de pessoas é
restrita cada vez mais. Esse grupo de pessoas com passagem restrita a outros territórios, geralmente,
é formado por vulneráveis, como refugiados e solicitantes de asilo.
O presente estudo direciona a análise para os mecanismos de controle migratório e a
imigração em massa, particularmente no Brasil, na qual podem ter relação intrínseca com o
renascimento de ideais totalitários e o crescente discurso de ódio.
Nesse sentido, Pita (2016, p. 6) relembra que “no caso dos refugiados, falamos de vítimas
de uma migração forçada, para salvaguardar a vida, a segurança ou a liberdade ante uma situação de
perseguição, de conflito armado e de violações massivas de direitos humanos”. É certa a existência de
uma “elite além-fronteiras” (BAUMAN, 1999, p. 19), a qual sempre detém poderes cosmopolitas e,
portanto, tem maior circulação entre fronteiras. Isso gera uma grande segregação espacial, defendida
por Zygmunt Bauman como uma proporção progressiva, vinculando futura separação e exclusão de
grupos vulneráveis.
Ocorre, todavia, que por mais que esta “elite além-fronteira” (BAUMAN, 1999, p. 19) possa
deslocar-se facilmente, uma parcela sofre os ditames de governos autoritários e a aniquilação abrupta
de direitos fundamentais. Não lhes resta outra opção senão o deslocamento forçado. A proteção
internacional da pessoa humana segue três vertentes dentro do Direito Internacional: o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Humanitário e o Direito dos Refugiados. Todos atuarão
como complementares. Os direitos dos refugiados não podem ser assistido s longe dos direitos
humanos fundamentais, por conseguinte, é mister manter o respeito e vigência desses direitos nos

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