Alemanha, liberdade e comércio em Maquiavel

AutorIgor Ferreira Fontes
CargoDoutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Páginas130-155
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.e79096
130130 – 155
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Alemanha, liberdade
e comércio em Maquiavel
Igor Ferreira Fontes1
Resumo
O presente artigo tem por objetivo argumentar que Nicolau Maquiavel admite a possibilidade de o
comércio coexistir com a liberdade de uma república. Essa possibilidade seria vislumbrada a partir
de seus comentários à Alemanha, elogiada pela preservação da liberdade e cujos cidadãos teriam
no comércio sua principal fonte de renda. Para cumprir seu objetivo, o artigo se divide em duas
partes: na primeira parte, pretende-se indicar que, para Maquiavel, o fator econômico ocasionador
de corrupção não seria exatamente o comércio, mas um excessivo acúmulo de riquezas passível
de ocorrer em qualquer atividade econômica; na segunda, busca-se compreender a visão de Ma-
quiavel sobre a Alemanha para, em seguida, investigar a participação dos cidadãos no comércio. A
conclusão do artigo é que, para Maquiavel, a coexistência do comércio com a liberdade seria uma
possibilidade cuja efetivação dependeria das ordenações da república.
Palavras-chave: Maquiavel. Liberdade. Comércio. República. Alemanha.
1 Introdução
A relação entre liberdade e economia de mercado é uma questão
que vem ganhando espaço no debate neorrepublicano nos últimos anos.
As discussões entre comunitaristas, neoliberais e neorrepublicanos em tor-
no da concepção de liberdade depararam-se com o problema de como
a desigualdade, sobretudo a material, afetaria uma ordem política e so-
cial que desejasse fundar-se na liberdade, buscando-se compreender em
que medida as estruturas da economia de mercado e a instituição da
1 Doutorando em Filosoa pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Mestre e formado em Filosoa pela mesma
universidade. O presente artigo é parte da pesquisa desenvolvida no mestrado com bolsa concedida pela Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: igor-fontes@outlook.com.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 20 - Nº 47 - Jan./Abr. de 2021
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propriedade privada colocariam em risco a vida livre e de que modo se-
ria possível minimizar as formas de dominação oriundas da desigualdade
material. Entre aqueles que consideram impossível conciliar liberdade e
economia de mercado, e aqueles que concebem a sociedade de mercado
como perfeita e sem nenhuma correção a se fazer, poder-se-ia considerar,
de modo geral, que para os neorrepublicanos a economia de mercado seria
uma grande invenção econômica, mas não a base do modo de vida livre;
pois se fosse deixada à própria sorte poderia gerar ou agravar as estruturas
de dominação, exigindo que ajustes institucionais sejam feitos para evitar
que isso ocorra e direcionar o mercado à expansão da possibilidade de es-
colhas livres (SILVA, 2016).
Esse debate encontra certa correspondência com o problema da prá-
tica do comércio, intensicado a partir da Baixa Idade Média. Segundo
Fernand Braudel (2009b), seria possível falar em economia de mercado
já na Baixa Idade Média (mesmo que de forma elementar), quando, em
1150, a Europa passou de um consumo agrícola direto para um indireto,
originado na circulação dos excedentes da produção rural. As cidades eram
abastecidas pelos excedentes da produção dos campos e atraíam para si
a atividade artesanal, criando um monopólio da fabricação e venda dos
produtos industriais; a intensicação desse processo no século XIII teria
marcado a passagem decisiva de uma economia doméstica, voltada ao en-
torno rural, para uma economia de mercado, envolvendo diversas cidades
e mercadorias (BRAUDEL, 2009b). A intensicação das operações mer-
cantis foi acompanhada por novas reexões em torno do comércio, cuja
possibilidade de atuar como fator de corrupção levou teóricos vinculados à
tradição aristotélico-tomista, como Girolamo Savonarola, a conceberem o
comércio como uma atividade fraudulenta que se desvirtuou quando dei-
xou de prover a subsistência para voltar-se ao mero acúmulo de riquezas;
assim, eles defendiam a proibição do comércio e a instauração de uma mo-
narquia ou república agrícolas (FONTES, 2020). Os humanistas cívicos
italianos, por sua vez, trataram primeiro de distinguir riqueza e comércio,
o qual seria apenas uma das diversas possíveis fontes da riqueza, para ape-
nas na segunda geração humanista surgir uma visão positiva do comércio,
vinculando-o à vita activa, ao ensino das virtudes e ao sustento da família
(PESANTE, 2000).

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