Algoritmo: o risco da decisão das máquinas

AutorDierle Nunes - Ana Luiza Pinto Coelho Marques
CargoProfessor permanente do PPGD da Pucminas - Graduanda em direito pela UFMG
Páginas24-31
Dierle Nunes e Ana Luiza Pinto Coelho Marques CAPA
45
REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
44 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
CAPA
Dierle NunesPROFESSOR PERMANENTE DO PPGD DA PUCMNAS
Ana Luiza Pinto Coelho MarquesGRADUANDA EM DRETO PELA UFMG
ALGORITMO: O RISCO DA
DECISÃO DAS MÁQUINAS*
O direito digital não está livre da influência do programador.
O resultado é uma Justiça que impossibilita o exercício do
contraditório e a ampla defesa
1. PANORAMA GERAL
Ouso de sistemas de
inteligência artificial
() é crescente nos
mais diversos ramos,
em razão do aumento
da eficiência e da precisão dos
serviços por eles proporcio-
nado. No direito, vislumbra-
-se também esse fenômeno,
com a utilização das soluções
das lawtechs, por exemplo,
para otimização de serviços,
principalmente no que con-
cerne à litigância de massa.
Nos Estados Unidos, siste-
mas de inteligência artificial,
como o Ross e o Watson, são
utilizados por escritórios ad-
vocatícios para realizar pes-
quisas jurídicas, analisar do-
cumentos, redigir contratos e
prever resultados1. As vanta-
gens do uso de tal tecnologia,
que proporciona maior rapi-
dez, precisão e qualidade na re-
alização de trabalhos maçan-
tes e repetitivos, têm feito com
que cada vez mais escritórios
invistam em sua utilização.
De acordo com uma pes-
quisa realizada pela ,
empresa de consultoria britâ-
nica, cerca de 48% dos escritó-
rios advocatícios de Londres
já utilizam programas de in-
teligência artificial e 41% pre-
tendem implantá-los. Segun-
do a pesquisa, a  é utilizada,
principalmente, para gerar e
revisar documentos e para a
eletronic discovery2, mas tam-
bém tem aplicação relevante
na realização de pesquisas
jurídicas e na due diligence
investigação prévia de com-
panhias antes da realização
de negócios3.
O mesmo fenômeno se ve-
rifica no Brasil, apesar de ain-
da ser constatado em menor
escala. A plataforma Watson,
por exemplo, foi instalada em
um escritório advocatício de
Recife para a automatização
de serviços repetitivos, au-
mentando a média de acer-
tos, em relação ao preenchi-
mento de dados, de 75% para
95%4. Assistentes de inteli-
gência artificial também são
utilizados por escritórios
para a análise de tendência
de juízes ao julgar determi-
nados temas, possibilitando
uma maior especificidade à
defesa5. A Advocacia Geral da
União () iniciou seu Siste-
ma  de Inteligência Jurí-
dica (Sapiens) em 2014, o qual
tem por objetivo “facilitar o
trabalho do procurador, tor-
nando mais rápida e simpli-
ficada a produção de peças,
automatizando e eliminando
a necessidade de registro ma-
nual da produção jurídica”6.
Trata-se de ferramenta que
auxilia, inclusive, na tomada
de decisão, sugerindo teses
jurídicas cabíveis em cada
caso concreto.
No âmbito do Poder Judi-
ciário brasileiro, também há
iniciativas nesse mesmo sen-
tido. O  está construindo
um sistema para indexação
automática de processos, a
fim de identificar com maior
facilidade a existência de de-
mandas repetitivas7. Do mes-
mo modo, o , em parceria
com a Universidade de Brasí-
lia (UB), está elaborando um
soware que realizará a tria-
gem automática de processos,
bem como o processamento
de julgados envolvendo a
questão jurídica para a suges-
tão de proposta de voto8.
Recentemente, em maio de
2018, o Supremo Tribunal Fe-
deral anunciou a criação de
um programa de , batizado
de Victor, também em par-
ceria com a UB, com imple-
mentação iniciada em agosto
do mesmo ano9. O objetivo
inicial da ferramenta será o
de ler os recursos extraordi-
nários interpostos, identifi-
cando vinculações aos temas
de repercussão geral, com o
objetivo de aumentar a velo-
cidade de tramitação10.
Esses processos estão inti-
mamente relacionados à apli-
cação dos aludidos sistemas
de inteligência artificial, em
que máquinas são programa-
das para executar funções
que originalmente demanda-
riam raciocínio e empenho
humano. Como se pontuou
recentemente em relatório
francês11:
Definir inteligência artificial
não é fácil. O campo é tão vasto
que não pode ficar restrito a uma
área específica de pesquisa; é um
programa multidisciplinar. Se sua
ambição era imitar os processos
cognitivos do ser humano, seus
objetivos atuais são desenvolver
autômatos que resolvam alguns
problemas muito melhor que os
humanos, por todos os meios dis-
poníveis. Assim, a IA chega à en-
cruzilhada de várias disciplinas:
ciência da computação, matemá-
tica (lógica, otimização, análise,
probabilidades, álgebra linear),
ciência cognitiva sem mencionar
o conhecimento especializado
dos campos aos quais queremos
aplicá-la. E os algoritmos que o
sustentam baseiam-se em aborda-
gens igualmente variadas: análise
semântica, representação sim-
bólica, aprendizagem estatística
ou exploratória, redes neurais e
assim por diante. O recente boom
da inteligência artificial se deve a
avanços significativos no aprendi-
zado de máquinas. As técnicas de
aprendizado são uma revolução
das abordagens históricas da IA:
em vez de programar as regras
(geralmente muito mais comple-
xas do que se poderia imaginar)
que governam uma tarefa, agora
é possível deixar a máquina desco-
brir eles mesmos.
Atualmente, a tecnologia
e a inteligência artificial dei-
xaram de ser exclusividade
das grandes indústrias para
se tornarem produtos dispo-
níveis à maior parte da popu-
lação, às vezes até sem custos
diretos de aquisição, como no
caso das redes sociais – Face-
book e Instagram –, e é cada
vez maior o uso de ferramen-
tas digitais de automatização
para a execução de tarefas
que até então necessitavam
de um agente humano.
A inteligência artificial
funciona a partir de sistemas
de informática programados
para dar respostas conforme
a base de dados disponível.
Esses articios recebem o
nome de algoritmos. Confor-
me Romulo Soares Valentini12:
Inicialmente, é necessário esta-
belecer o mecanismo de entrada de
dados (input). Um algoritmo deve
ter um ou mais meios para recep-
ção dos dados a serem analisados.
Em uma máquina computacional,
a informação deve ser passada
para o computador em meio digi-
tal (bits). Do mesmo modo, é ne-
cessário ter um mecanismo para
a saída ou retorno dos dados tra-
balhados (output). Um algoritmo
deve ter um ou mais meios para
retorno dos dados, os quais devem
Em maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal anunciou
a criação de um programa de IA, batizado de Victor,
em parceria com a Universidade de Brasília

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT