Algoritmos e adoções: análise preditiva e proteção a crianças e adolescentes

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama e Filipe Medon
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ-ES)/Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas619-640
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ALGORITMOS E ADOÇÕES:
ANÁLISE PREDITIVA E PROTEÇÃO
A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ-ES). Ex Conselheiro do
Conselho Nacional de Justiça. Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor
Titular de Direito Civil da UERJ (Graduação e Pós-Graduação) e do IBMEC/RJ. Professor
Permanente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá (RJ). Mem-
bro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), do IBDFAM (Instituto Brasileiro
de Direito de Família) e do IBERC (Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil).
Filipe Medon
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Substituto de Direito Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e de cursos de Pós-Graduação do Instituto New Law, CEPED-UERJ, EMERJ e do
Curso Trevo. Membro da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ
e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Coordenador
Executivo e membro fundador do Laboratório de Direito e Inteligência Articial da UERJ
(LabDIA). Advogado e pesquisador. Autor do livro “Inteligência Articial e Responsa-
bilidade civil: autonomia, riscos e solidariedade”, lançado pela Editora JusPodivm em
2020. Instagram: @lipe.medon
Sumário: 1. Introdução. 2. Proteção integral e melhor interesse da criança e do adolescente. 3.
Sistema de cadastros públicos de adoção. 4. Utilização de algoritmos de Inteligência Articial
para aperfeiçoar o sistema de adoção. 5. À guisa de conclusão: uso de algoritmos para ns de
adoção à luz do Direito brasileiro? 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
À luz do título deste trabalho, muito provavelmente a primeira indagação que surge
na mente do leitor é a seguinte: qual é a conexão possível entre a Inteligência Artif‌icial
– IA – e a adoção de crianças e adolescentes no âmbito do sistema jurídico brasileiro?
Será que os algoritmos têm viabilidade de, com base nas informações e dados existentes,
permitir a constituição de vínculos parentais através da adoção, de acordo com o sistema
instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA? De que maneira a tecnolo-
gia digital pode se inserir no âmbito de questões familiares, notadamente no âmbito da
formação de vínculos de parentesco civil?
Dois são os temas centrais deste artigo doutrinário que, abstratamente, podem
contribuir para o possível aperfeiçoamento do modo de constituição de vínculos de pa-
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rentesco civil, sob a perspectiva das conexões entre o Direito e a Inteligência Artif‌icial:
a) a formação das famílias parentais (ou vinculadas às relações de parentesco); b) o uso
dos algoritmos para produzir consequências jurídicas no campo existencial.
Não se pretende tratar, neste momento, de outro tema também bastante novo e
polêmico que diz respeito à utilização da IA na identif‌icação dos embriões formados em
laboratório – como, por exemplo, através da técnica da fertilização in vitro – para poderem
servir para reprodução humana assistida ou, ainda, para experimentações científ‌icas no
campo da biotecnologia. E, da mesma forma, f‌icarão excluídas da análise deste trabalho,
as hipóteses de adoção de pessoas adultas – plenamente capazes -, no modelo que hoje
se encontra previsto no ECA (diante da redação do art. 1.619, CC).
A tecnologia tem propiciado que a humanidade seja surpreendida cada vez mais
rapidamente, bastando realçar todo o conjunto de atividades que vêm se desenvolvendo
no período da pandemia da COVID-19 em inúmeros setores da economia e da socieda-
de civil em geral com o emprego das máquinas. Previsões a respeito de determinados
avanços tecnocientíf‌icos já são realidades palpáveis e, por isso, o Direito não pode f‌icar
alheio a tais avanços.
No âmbito dos avanços biotecnológicos em matéria de reprodução humana, no
Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA –, desde 2006 instituiu o
funcionamento do sistema nacional de procedimentos atinentes aos bancos de células e
tecidos germinativos, conforme Resolução 33, de 17 de fevereiro daquele ano. Instituiu-se
o Banco de Células e Tecidos Germinativos – BCTG –, com vistas à coleta, transporte,
registro, processamento, armazenagem e utilização do material para f‌ins terapêuticos do
fornecedor do material ou de terceiros, ou ainda para f‌ins de experimentações científ‌i-
cas. Em 2008, a ANVISA regulamentou os procedimentos para cadastramento nacional
dos BCTGs e informações quanto à produção dos embriões humanos não utilizados
decorrentes da FIV. A IA poderá também atuar nas questões referentes à identif‌icação
dos embriões para f‌ins de adoção por casais ou pessoas sozinhas, mas para tanto há
limites éticos e jurídicos que devem ser observados, à luz da legalidade constitucional.
O trabalho não cuidará deste tema.
O artigo vai se restringir à análise da viabilidade (ou não) de a IA ser empregada para
f‌ins de adoção de crianças e adolescentes, notadamente à luz dos cadastros públicos de
crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e dos cadastros de postulantes à
adoção (arts. 50 e 197-A a 197-F, do ECA), atualmente concentrados no Sistema Nacio-
nal de Adoção e Acolhimento - SNA. Antes mesmo de iniciado o processo de adoção, há
um procedimento administrativo referente à “habilitação de pretendentes à adoção” que
conta com a efetiva atuação de equipe interprof‌issional a serviço da Justiça da Infância e
da Juventude e que, caso venham a ser conf‌irmadas as exigências legais, deverá ensejar
o deferimento da habilitação para o f‌im de inscrição no cadastro de pessoas interessadas
na adoção.
Logo após a edição da Lei 12.010/09, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ -rea-
lizou levantamento a respeito dos entraves para a adoção no Brasil com base nos dados
constantes do cadastro nacional, tendo sido apurado que “o perf‌il de muitas das crianças
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