Alienação em leilão judicial

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas523-567

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330. Conceito de leilão judicial e arrematação

Na concepção jurídica, hasta pública (que o NCPC prefere denominar leilão judicial) é a alienação de bens em pregão (isto é, em oferta pública) promovida pelo poder público (especialmente pelo poder judiciário, nos casos disciplinados pelo direito processual civil)1. Dela se encarrega um agente especializado-o leiloeiro público. A arrematação, termo que se usa frequentemente como sinônimo de hasta pública, é, com mais adequação, o ato com que se conclui o pregão, adjudicando os bens ao licitante que formulou o melhor lanço.

Na execução por quantia certa a hasta pública é, tecnicamente, o ato de expropriação com que o órgão judicial efetua, a um dos concorrentes da licitação (o autor do lanço mais alto), a transferência coativa dos bens penhorados, mediante recebimento do respectivo preço, ou mediante compromisso de resgatá-lo dentro de determinado esquema de pagamento.

331. Natureza jurídica

Define-se a arrematação como "ato de transferência coacta dos bens penhorados, mediante o recebimento do respectivo preço em dinheiro, para pagamento do exequente

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e demais credores concorrentes"2. Costuma-se tratá-la como a venda judicial dos bens penhorados.

Esse conceito, no entanto, é impróprio para definir o instituto jurídico. Falta-lhe o principal traço da compra e venda, que é o consenso do transmitente, que, in casu, vê o bem sair de seu patrimônio contra sua própria vontade e por um ato de força do Estado3.

Pretendeu-se contornar a contradição, afirmando que o juiz agiria como representante do devedor, suprindo sua vontade. A construção é artificiosa e inaceitável, porquanto, na verdade, não pode haver representação contra a vontade do representante, nem suprimento de consentimento contra o interesse do suprido4.

Para Chiovenda, o que se verifica é a expropriação pelo Estado da faculdade de dispor que compete ao proprietário. Detendo a faculdade desapropriada, o Estado vende os bens do devedor apreendidos na execução, não como representante dele, mas agindo no exercício de uma função pública e no interesse dela5.

Mas, como procedentemente anotou Liebman, se o Estado tem o poder para expropriar a faculdade de dispor do proprietário, é claro que pode ir até as ulteriores consequências, realizando por sua própria função a transferência do direito. Podendo o Estado fazer o mais, que é desapropriar os bens do executado, "não se compreende que faça o menos, só para conferir à arrematação o caráter contratual de venda judicial"6.

Na verdade, não se pode conciliar a natureza privatística da compra e venda com o caráter eminentemente público da arrematação. Já em 1855, o notável Paula Batista ressaltava, com grande propriedade, que "a arrematação assemelha-se à venda no ponto único de em ambas se dar a alienação da propriedade mediante o preço equivalente pago em moeda; mas a venda é um contrato, efeito do livre consentimento, que exprime a vontade dos contratantes, e a arrematação é uma desapropriação forçada, efeito da lei, que representa a justiça social no exercício de seus direitos e no uso de suas forças para reduzir o condenado obediência do julgado"7.

A conclusão a que chega a doutrina moderna é que a natureza contratual é incompatível com a arrematação, que pode ser entendida como "ato de desapropriação", ou seja, como "ato processual de soberania do Estado que, pelo órgão judicial, expropria os bens do executado"8e transfere, a título oneroso, sua propriedade a terceiro9. É típico

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ato executivo, portanto, ato de direito público, como é a desapropriação nos outros casos em que o Estado interfere no domínio privado por necessidade ou utilidade pública10.

332. Espécies de hasta pública e conteúdo dos editais

I - Espécies de hasta pública

O Código de 1973, segundo longa tradição do direito processual brasileiro, previa duas modalidades de hasta pública para praticar a expropriação executiva: (i) a praça, para os bens imóveis, e (ii) o leilão, para os móveis (CPC, art. 686, IV). O novo Código elimina essa dicotomia, para adotar somente o leilão, que se pretende seja praticado de forma eletrônica ou presencial (art. 879, II).

Assim, a transferência forçada dos bens penhorados, quando realizada por meio de hasta pública, admite três variações, na sistemática do Código:

a) o leilão judicial: regra geral aplicada à alienação de todos os bens penhorados e que pode assumir as formas eletrônica ou presencial (NCPC, art. 881, caput);

b) o pregão da Bolsa de Valores: se se tratar de bens cuja alienação fique a cargo de corretores de bolsa de valores (art. 881, § 2º)11. Ad instar do que se passa com o leiloeiro (art. 883), permite-se ao exequente a indicação do corretor da Bolsa de Valores, que irá se encarregar da alienação, e cuja profissão se rege pelas resoluções do Banco Central12.

Qualquer que seja a forma de leilão judicial, o juiz da execução só adotará essa modalidade expropriatória depois que o exequente tiver se desinteressado da adjudicação e da alienação por iniciativa particular (art. 881, caput).

Segundo a sistemática do NCPC, o leilão judicial realizar-se-á preferencialmente por meio eletrônico. Apenas quando não for possível o leilão eletrônico é que se utilizará o leilão presencial (art. 882). Observe-se que, quando se tratar de negociação em bolsa de valores, o leilão eletrônico é a única modalidade possível.13O art. 883, em regra aplicável também ao corretor de bolsa, dispõe que a designação do leiloeiro público caberá ao juiz, podendo a parte indicá-lo. Segundo jurisprudência firmada no regime do Código anterior, mas que deverá prevalecer para a nova lei, a competência para a nomeação do leiloeiro é realmente do juiz. A parte apenas faz uma indicação, inexistindo para o juiz a obrigação de homologá-la.14

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II - Conteúdo dos editais

O leilão judicial, seja eletrônico ou presencial, ou, ainda, por pregão de Bolsa15,

será sempre precedida de editais, isto é, de avisos ao público convocando todos os interessados para que venham participar da licitação. O conteúdo obrigatório dos editais, segundo o artigo 886,16é o seguinte:

a) a descrição do bem penhorado, com suas características e, tratando-se de imóvel, a situação e divisas, com remissão à matrícula e aos registros (inc. I);

b) o valor pelo qual o bem foi avaliado, o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado, as condições de pagamento e, se for o caso, a comissão do leiloeiro designado (inc. II). No caso de título da dívida pública e de títulos negociados em bolsa, o valor será o da última cotação (art. 886, parágrafo único);

c) o lugar onde estiverem os móveis, os veículos e os semoventes; e tratando-se de crédito ou direitos, a identificação dos autos do processo, em que foram penhorados (inc. III). Essa indicação se justifica para que os interessados possam inspecionar os bens e o estado do processo em que ocorreu a penhora no rosto dos autos;17d) o sítio, na rede mundial de computadores, e o período em que se realizará o leilão, salvo se este se der de modo presencial, hipótese em que serão indicados o local, o dia e a hora de sua realização (inc. IV);

e) a indicação do local, dia e hora do segundo leilão presencial, para a hipótese de não haver interessado no primeiro (inc. V). Na segunda licitação, "os pretendentes ofertam livremente e admitir-se-á a alienação pelo maior lanço, respeitado o preço mínimo, mas excluído o preço vil";18f) a menção da existência de ônus, bem como de recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados (inc. VI);

O prazo dos editais de arrematação corre nas férias, pois não se trata de prazo assinado à parte para o exercício de faculdade processual. A hipótese é de divulgação perante terceiros, que nada têm que ver com a suspensão dos prazos processuais em período de férias forenses.

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Os dados que a lei exige figurem nos editais são todos importantes para identificação das coisas oferecidas à adjudicação pública e das condições a serem observadas, para segurança e validade do ato expropriatório.

A menção da existência de ônus ou litígio sobre os bens colocados em hasta pública, por exemplo, tem reflexo sobre a eficácia da alienação, já que, não informado a seu respeito, o arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe devolvido o valor depositado, nos termos do art. 903, § 5º, I. Ademais, se a alienação for de bem litigioso, o arrematante correrá o risco de sofrer evicção, caso o executado saia vencido na demanda sobre a propriedade do bem arrematado19.

A referência a recurso...

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