Alienação parental transversal

AutorLuiz Carlos Goiabeira Rosa/Fernanda da Silva Vieira Rosa
Páginas267-287

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Ver Nota12

1 Introdução

No convívio social, em maior ou menor grau o comportamento individual interfere na vida dos demais membros, dada a necessária interligação entre si para o bem do grupo, o que permite airmar ser a recíproca verdadeira: o comportamento do grupo inluencia a vida do indivíduo, fato claramente observado principalmente quando se considera a célula básica e grupo elementar da socie-dade – a família. Observa-se, então, que a relação com um indivíduo pode gerar ou sofrer efeitos da respectiva família, na exata proporção de sua proximidade ou não com a outra parte: pode-se relacionar com alguém cuja família inluencie positivamente ou negativamente a aludida relação, tal qual se dá com os ilhos em relação às famílias extensivas dos pais (tios, avós, entre outros).

Bem observam, a propósito, Mário Ferrari e Sílvio Manoug Kaloustian:

[...] é a família que propicia os aportes afetivos e sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também

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em seu interior que constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.3Nesse sentido, a depreciação e denigração do genitor alienado que caracteriza a Alienação Parental exercida pelo alienante pode se dar não só diretamente mas também relexivamente: da mesma forma que a criança pode ser induzida a crer na prejudicialidade do convívio com o genitor em razão da suposta ideia de má índole deste perpetrada pelo alienante, também pode ser inluenciada a acreditar em péssimas consequências advindas do relacionamento com o pai ou mãe, não em razão de si, mas em face do comportamento dos familiares do genitor. É dizer: cria-se um cenário ictício em que o genitor não é má pessoa mas seus familiares o são, incutindo na criança a ideia segundo a qual seria mais prudente o respectivo afastamento.

Destarte, o presente trabalho visa a discutir sobre a Alienação Parental Transversal, situação em que genitor provoca no menor uma aversão à família do outro genitor e assim o consequente distanciamento deste. Para tanto, valer-se-á do método dedutivo, em que se partirá de considerações gerais acerca da família enquanto grupo social, abordando sucintamente o conceito de Alienação Parental e se comentando ao im o conceito e identiicação do objeto do tema do presente ensaio.

2 A família enquanto alicerce do indivíduo

Os instintos herdados do reino animal izeram com que o homem se reunisse com seus iguais, primordialmente para o im de reprodução e perpetuação da espécie. Inicialmente, portanto, considerava-se família o grupo em que seus membros possuíam laços biológicos, unidos para o im de autopreservação e reprodução da espécie.

Com o evoluir da Humanidade e a estruturação das sociedades, a família passou a ser considerada além do mero viés biológico, adquirindo assim feições mais sociológicas. Por exemplo, na Grécia e Roma Antiga, berços da concepção de família para as culturas ocidentais, a religião constituía-se de crenças particulares e ancestrais, fundamentadas na crença da vida após a morte física conquanto o espírito ainda se mantivesse unido ao corpo. Por isso, para honrar os antepas-

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sados e velar pelo descanso eterno, os vivos precisavam não só dar aos mortos um enterro digno e com funerais apropriados, mas também recitar determinadas fórmulas e rituais: do contrário, a alma do falecido partiria para a erraticidade ao invés de repousar no túmulo.

Citado por Jenny Magnani de Oliveira Nogueira, Fustel de Coulanges bem observa que “nas cidades antigas punia-se os grandes culpados com um castigo considerado terrível: a privação da sepultura. Punia-se-lhe assim a sua própria alma, inlingindo-lhe um suplício quase eterno”.4Vê-se, então, que a união dos membros familiares tinha por sustentáculo não mais somente os laços consanguíneos e muito menos a reprodução, mas fatores extramateriais dentre os quais a necessidade de se perpetuar o culto aos antepassados. Nogueira bem alude a respeito:

Esse culto não era público, todas as cerimônias eram celebradas apenas entre os familiares e possuía um caráter obrigatório além de secreto. Ninguém que não fosse da família podia presenciar tais ritos, nem tampouco avistar o fogo sagrado. [...] Estabelecia-se, assim, um poderoso laço, unindo todas as gerações de uma mesma família. [...] A religião doméstica – baseada no culto aos mortos –, ao determinar a existência, em cada casa, de um lar com o fogo sagrado sempre aceso, e a reunião diária da família em torno dele para a adoração aos seus deuses, demonstra que o que caracteriza a família é a possibilidade de cultuar e adorar os mesmos deuses, sob o princípio da autoridade paterna.5Constata-se, destarte, que em Roma já se alargava a deinição de família. César Fiúza obtempera que, em Roma:

[...] a família era corpo que ia muito além dos pais e dos ilhos. Sob a liderança do pai, a família era o conglomerado composto da esposa, dos ilhos, das ilhas solteiras, das noras, dos netos e demais descendentes, além dos escravos e clientes.6

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Portanto, no decorrer da história reconheceu-se que os membros da entidade familiar vinculam-se inicialmente por força de laços consanguíneos (descendência ou ascendência) ou legais (no caso dos adotados), mas permanecem unidos por outros motivos, mantendo assim tal união para a consecução de proteção mútua, desenvolvimento e evolução conjuntos e congêneres. Denota-se, então, na família um animus semelhante à afectio societatis, uma vez identiicada a intenção coletiva em se pertencer e colaborar para a manutenção da união do grupo social denominado família.

Pode-se, destarte, airmar que a entidade familiar é vislumbrada a partir do pressuposto de que há um grupo uniicado graças a um liame não só jurídico mas psicológico que os une de forma perene. Equivale a dizer: a família pode ser considerada um ente coletivo, dado que seus membros mantêm-se unidos com o propósito de resguardarem a dignidade particular e do grupo perante a sociedade.

Não sem motivo, a família tem duas grandes funções: a de assegurar a continui-dade da espécie e a de articular a individuação e a socialização. Quer isto dizer que a família tem de ser capaz de equilibrar cada pessoa do seu núcleo de maneira a estar bem consigo própria e com os outros. E isto é uma tarefa de uma vida inteira.7O núcleo familiar atende à natural necessidade humana de pertença e proteção desde a mais tenra idade, fase esta em que a criança busca referenciais para a construção de sua identidade. A família é, em regra, o primeiro núcleo social e socializador do indivíduo: é nele que o indivíduo passa a exercer papel fundamental no decorrer de sua trajetória. É no contexto familiar que experiências vivenciadas quando criança contribuem diretamente para a sua formação enquanto adulto.8É nesse sentido a opinião de Ana Paula de Sousa e Mário José Filho:

Também é a partir da família que a criança estabelece ligações emocionais próximas, intensas e duradouras sendo cruciais para o estabelecimento de protótipos de liames subsequentes para uma socialização adequada. O ambiente familiar é o ponto primário da relação direta com seus membros, onde a criança cresce, atua, desenvolve e expõe seus sentimentos, experimenta as primeiras recom-

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pensas e punições, a primeira imagem de si mesma e seus primeiros modelos de comportamentos – que vão se inscrevendo no interior dela e conigurando seu mundo interior. Isto contribui para a formação de uma “base de personalidade”, além de funcionar como fator determinante no desenvolvimento da consciência, sujeita a inluências subsequentes. [...] A família também desenvolve um papel importante nas formas de representação do mundo exterior, pois é através dela que se dá a inserção do sujeito neste mundo e onde começa a apreensão do conjunto de determinações – processo este que lhe possibilita viver o universal de forma particular e, neste movimento, construir-se. O fato de pertencer a um determinado núcleo familiar já propicia à criança noções de poder, autoridade, hierarquia, além de lhe permitir aprender habilidades diversas, tais como: falar, organizar seus pensamentos, distinguir o que pode e o que não pode fazer, seguindo as normas da sua família, adaptar-se às diferentes circunstâncias, lexibilizar, negociar. Um bom exemplo é o relacionamento com adultos próximos, principalmente pais e irmãos, onde a criança aprende como negociar, cooperar e competir, a fazer amigos e aliados, a ter prestígios e fracassos, a ter oportunidade de experimentar relações com iguais e aprender umas com as outras.9Luis Carlos Osório pondera que, do ponto de vista psicológico, a família desenvolve vital papel sob três aspectos:

  1. proporcionar afeto ao recém-nascido, aspecto fundamental para garantir a sobrevivência emocional do indivíduo; b) servir de suporte e continência para as ansiedades existenciais dos seres humanos durante o seu desenvolvimento, auxiliando-os na superação das “crises vitais” pelas quais todos os seres humanos passam no decorrer do seu ciclo vital (um exemplo de crise que pode ser mencionado aqui é a adolescência); c) criar um ambiente adequado que permita a aprendizagem empírica que sustenta o processo de desenvolvimento cognitivo dos seres humanos.10Observa-se, outrossim, a importância da família em relação ao desenvolvimento psíquico do indivíduo, posto que, entre outros, é no seio familiar que a criança começa a adquirir noções que alicerçarão sua identidade e comportamento social, interiorizando as experiências que terá em razão do convívio com

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os demais familiares. Com efeito, a infância é uma fase a ser...

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