A função social do direito de propriedade industrial como alternativa de governabilidade aos países em desenvolvimento: Um estudo sobre a propriedade industrial de plantas

Autor1.Kelly Lissandra Bruch - 2.Debora Nayar Hoff - 3.Homero Dewes
Cargo1.Doutoranda em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Professora de Direito - 2.Doutoranda em Agronegócios pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios.Bolsista - 3.Doutor em Biologia, Universidade da Califórnia, Los Angeles.Professor Pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios.Professor Pesquisador
Páginas148-180

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Introdução

Quando se trata de temas que relacionam desenvolvimento e comércio internacional, um aspecto se faz presente na pauta das preocupações nacionais frente à internacionalização das economias: o direito de propriedade industrial e a remuneração por este direito. Neste contexto, questiona-se de que forma os países em desenvolvimento podem proteger seus insumos, processos, produtos e tecnologias, de forma a torná-los fonte de recursos estratégicos e de competitividade no cenário internacional. Aspecto este largamente utilizado pelos países desenvolvidos, com a mesma finalidade.

Relacionado a esta questão está o acesso a tecnologias que contribuam para o desenvolvimento de regiões cujo crescimento é mais deprimido, sem que isso gere grande dependência tecnológica ou subordinação econômica às regiões mais desenvolvidas, ou mesmo economia de mão-deobra por inadequação das tecnologias adquiridas. Devido à limitação de formação técnico-científica dos países mais atrasados, é uma constante oPage 149fato de comprarem tecnologias dos paises mais desenvolvidos, incorporando vários problemas no seu cenário político, econômico e social. Quando observados os acordos internacionais, as diretrizes apresentadas para a regulamentação dos direitos de propriedade industrial tendem a não ser, suficientemente equilibradas para garantir direitos e assegurar o livre co-mércio, sem que se incorra em dependência tecnológica.

Por outro lado, pode-se argumentar que uma limitação intrínseca nos direitos de propriedade industrial, calcados na teoria da função social da propriedade pode ser uma resposta a este desequilíbrio observado. Em suma, considerando-se esta hipótese, pode-se compreender o direito de propriedade industrial como uma forma de governabilidade que auxiliaria na garantia do desenvolvimento dos países frente a uma economia inter- nacional. Preocupação esta fundamentada na dinâmica do atual desenvolvimento tecnológico.

Especial atenção será dada àquele desenvolvimento tecnológico decorrente do avanço da pesquisa em biotecnologia e seus spillovers. Como novo paradigma, a biotecnologia, tende a espraiar seus padrões por vários campos, como na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), gestão e regulação. Quanto à área de P&D, este paradigma abriu pelo menos três novos campos de pesquisa: a biotecnologia ligada à produção de medicamentos; a biotecnologia ligada à química fina; e a biotecnologia aplicada à agricultura.

Iniciada, nos EUA e impulsionada pelos impressionantes resultados científicos e financeiros, a biotecnologia hoje é desenvolvida globalmente. Um dos fatores preponderantes deste impulso certamente foi a possibili- dade de apropriação das inovações geradas. Esta garantia de retorno atraiu investimentos e viabilizou a realização de pesquisas que, sem estes direitos, não poderiam ser executadas. Porém, o direito de propriedade industrial sobre matérias vivas ainda é um campo em evolução, gerando toda uma gama de discussões e contrapontos no âmbito de várias áreas do conhecimento. É dentro deste contexto que o novo paradigma criado abre um novo campo de estudos, numa intersecção entre o direito e a economia: o direito de propriedade industrial de plantas.

Neste contexto, a proteção ao direito de propriedade industrial de plantas vem sendo estudada, abordando-se sua caracterização e forma de utilização. Contudo, faltam respostas quando se questionam os efeitos desta forma de apropriação de bens no âmbito da organização da economiaPage 150global e sobre as economias dos países em desenvolvimento. Conforme rapidamente expressado no início deste texto, questiona-se basicamente se a existência de forte proteção ou a abolição desta podem ser fatores que levem ao desenvolvimento, ou ao atraso, ou ainda, à subjugação tecnológica de um país.

O que se propõe neste ensaio é investigar a viabilidade de uma terceira via de uso do direito de propriedade industrial de plantas que poderia ser adotada pelos países em desenvolvimento, em especial pelo Brasil, visando usar a regulação como proteção à tecnologia desenvolvida nacionalmente, mas flexibilizando o acesso a tecnologias de outros países, numa tentativa de redução da dependência tecnológica e subordinação econômica. A proposta apresentada, e que será fundamentada ao longo do texto, é que existe uma função social da propriedade industrial, a qual resulta na compreensão e efetivação de certos limites a esta. Estes limites podem ser uma resposta à busca do equilíbrio entre a inexistência de normas de proteção e a existência de normas que garantam uma proteção absoluta destes direitos. Este ensaio tem como objetivo elaborar uma argumentação acerca destas possibilidades a partir de bases informacionais bibliográficas e documentais.

Para apresentar os argumentos utilizados, o ensaio está organizado em quatro seções. Na primeira são trazidos alguns argumentos mais contundentes sobre as questões da globalização, desenvolvimento e governabili- dade. Na segunda seção trata-se do direito de propriedade industrial de plantas. A terceira seção é dedicada a tratativa dos limites a este direito de propriedade. Por fim, a quarta seção apresenta as considerações finais relativas ao presente ensaio.

1. Globalização, desenvolvimento e governabilidade

Hirst e Thompson1, em obra que discute o processo de globalização, afirmam que este se tornou um conceito em moda nas ciências sociais. A idéia de formação de uma aldeia global perpassa vários aspectos da socie- dade humana e em alguns momentos leva a crer que culturas, economias e fronteiras nacionais estariam se dissolvendo para a formação de um único bloco global.

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Vale destacar que existe uma discussão conceitual acerca da denominação correta do processo de abertura das economias nacionais para relações cada vez mais internacionais. Hirst e Thompson2 apontam que este é um processo histórico marcado por ciclos de maior ou menor abertura das economias e que a denominação “globalização” estaria sendo erroneamente utilizada para identificá-lo. Os autores preferem chamá-lo de “internaciona-lização” das economias nacionais. Para fins deste artigo os termos globaliza-ção e internacionalização estão sendo utilizados como sinônimos, mas terão claramente o entendimento de Hirst e Thompson3 dando base ao conceito.

Além de Hirst e Thompson4, autores como Chesnais5, Baumann6, Coutinho7 e Gonçalves e outros8 discutem se este é um processo já posto ou se está em desenvolvimento e se realmente o mundo estaria rumando para uma aldeia global, ou se apenas está seguindo um caminho de constante internacionalização das economias locais. Este é um processo dinâmico e afeta diretamente os processos de produção, fluxos financeiros, fluxos tecnológicos e as formas de governabilidade das nações, os quais vêm adaptando-se às novas formas de concorrência e interação provocadas pelo processo de abertura da economia. Mais que isso, o mercado internacional passa a ser um importante espaço de inserção de produtos e serviços, ampliando a concorrência e provocando a necessidade de que as empresas ampliem seu potencial competitivo.

Se tomado o aspecto das alterações percebidas no processo de produção, pode-se afirmar que a sua reestruturação decorre essencialmente da busca constante por ganhos de produtividade e aprimoramento de produtos e serviços, de forma a ampliar a competitividade das organizações no mercado nacional e mundial. A assimilação de novas tecnologias dentro dos processos de produção e a ampliação dos meios de comunicação faz com que a dinâmica evolutiva dos processos produtivos torne-se cada vez mais ágil e tenda a ter resultados mais eficientes no processo de competi-ção, que é cada vez mais acirrado9.

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Podem ser destacadas as seguintes modificações nos processos de produção, a partir deste contexto: acentuado processo de automação fabril, evolução dos processos de trabalho, crescente internacionalização da produção, maior integração das estruturas produtivas nacionais, crescente interação...

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