O Alvará de 5 de outubro de 1795 e a consolidação normativa própria do regime sesmarial brasileiro

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas96-106

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É neste contexto histórico de crescimento da economia interna que é editado por Dona Maria I o Alvará de 5 de outubro de 1795, também conhecido como "Regimento das Sesmarias do Brasil", o qual objetivava pôr fim "aos abusos, irregularidades, e desordens, que tem grassado, então, e vão grassando em todo o estado do Brazil, sobre o melindroso Objecto das suas Sesmarias", reconhecendo a existência de diferentes práticas na aplicação do regime sesmarial em nosso país9. Teoricamente, o Alvará de 5 de outubro de 1795 sig-

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nificou um verdadeiro divisor de águas para o regime sesmarial brasileiro, uniformizando as determinações normativas a respeito da aplicação das sesmarias no Brasil, mandando que "por ele se processarem, e regularem as suas Datas, medições, e demarcações", ordenando aos Governadores e Capitães Gerais, nas suas respectivas capitanias, que processem e regulem as suas dadas de sesmarias observando o determinado no parágrafo sétimo do Alvará de 3 de março de 177010.

A primeira determinação foi para que, nos distritos onde não se pudesse observar e exceder a extensão de uma légua de fundo, que se desse mais do que meia légua, como forma de garantir o maior número de habitantes por região. Também determinou o dito Regimento das Sesmarias que todos aqueles que receberam ou recebessem terras ficavam obrigados a "demarcar as terras, que respeitam às suas Datas no prefixo termo de um ano, e que não poderão tomar posse, nem cultivá-las,

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sem que primeiro satisfaça a esta impreterível obrigação", sob pena de comisso, com a devolução das terras para a Coroa, conforme consta no item III da referida norma. Adiante, no item V do Alvará de 5 de outubro de 1795, Dona Maria I reforça que os Governadores e Capitães Generais devem exijir dos sesmeiros o cumprimento de suas determinações, ressaltando que não devem ser toleradas as irregularidades e mandando aplicar e executar a pena de comisso para aqueles que não procederem conforme suas ordens.11Na prática, como é registrado no estudo de Costa Porto, existiam muitos problemas quanto ao cumprimento da deter-minação de medição e demarcação das divisas das terras dadas em sesmarias. Conforme o referido autor, em muitas cartas observam-se os seguintes problemas: a) "delimitações vagas e imprecisas que os próprios contemporâneos encontravam dificuldades para saber, ao exato, as extremas das terras"; b) "limites onde constavam marcos artificiais, fáceis de desaparecer"; e, c) cartas em que "não havia confrontação nenhuma"12.

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Dona Maria I também tomou a providência de disciplinar quais terras não poderiam ser dadas em sesmarias, ordenando aos Governadores e Capitães que:

  1. "nos Contornos das suas Capitanias, e Vilas, na distância de seis Léguas ao redor delas, não possam dar de Sesmaria a cada um dos seus Moradores mais que meia Légua de terra em quadro, a fim de que haja entre todos os ditos Moradores a igualdade que merecem"13.

  2. as sesmarias "não podem exceder a extensão de uma légua de frente, e outra de fundo, havendo quem as requeira, ou possa junto às Estradas, e Rios navegáveis, se não facultarão daqui em diante mais de meia Légua de frente, dando-se a outra meia, que até agora se lhes permitia, no fundo das mesmas terras"14. Verifica-se pelo respectivo dispositivo que as repartições de sesmarias deveriam observar e respeitar as servidões de passagem. Inclusive, no final do respectivo item consta que, em benefício do interesse público e da coletividade, nas propriedades por onde passam estradas, os sesmeiros ficam obrigados a efetuar o reparo e o conserto das estradas no que tange a sua respectiva testada.15

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  3. as dadas de sesmarias deveriam respeitar as áreas de matas, no entorno das cidades e costas de rios, ficando proibido dar sesmarias nessas áreas como forma de conservar as riquezas florestais dos abusos na sua extração, conforme item IX do Alvará de 5 de outubro de 1795, a seguir transcrito:

    Sendo pública a lassidão, e toleram os cortes das Madeiras nas Matas de todo o Estado do Brasil, e tão irregulares, e nocivos, que em poucos anos nenhuma haverá em sítios cômodos, e tais, que facilitem os seus transportes ao lugares do seu destino, antes pelo contrário que será necessário ir buscar as ditas Madeiras a outros muito mais remotos, que dificultem a sua condução, ou talvez façam impossível que ela se pratique, cujos prejuízos, sendo como são de gravíssimas conseqüências, ainda que ao fim de evitá-las por diversas Ordens (que deverão ficar subsistindo) se achem determinadas as cláusulas, e reservas, com que se costumam passar as Cartas de Sesmarias, e que já nas ditas reservas se compreendam os Paus Reais para Embarcações; contudo mere-cendo este Assunto outras Providências, que firmem mais segura cautela, para que se não abuse da liberdade até agora permitida: Ordeno que daqui em diante nos Portos de Mar, e nos distritos das suas vizinhanças, e costas se reservem internamente aquelas Matas, onde, pela sua boa qualidade, abundância, e melhor comodidade se possam cortar, e extrair as precisas Madeiras, para o Meu Real Serviço, ficando vedados, e proibidos ao futuro todos aqueles mesmos distritos, em cujos Lugares, ou Matas, se...

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