A América Latina. Mercosul

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas256-283

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1. Relações internacionais na América Latina Esboço histórico

Em 1493, o papa Alexandre VI, na qualidade de autoridade internacional, ixou o meridiano a 100 léguas das Ilhas do Cabo Verde — Bula Inter Coetera: as terras a oeste seriam espanholas, e a leste, portuguesas.

Em 1494, o Tratado de Tordesilhas alterou o decreto papal, passando a linha demarcatória de 100 para 370 léguas, o que, na prática, representou ceder o litoral brasileiro aos portugueses.

O novo mundo nasceu, assim, de um Tratado. Entretanto, traumática foi a conquista, embora não se desenvolvesse da mesma forma nas duas Américas — a dos Ingleses e a Latina —, possibilitando, na verdade, a dominação histórica de uma América sobre a outra, o que, de certa forma, até os dias atuais continua, e as relações internacionais entre as Américas ainda se pautam por esse aspecto de submissão e de dominação168 e — por que não dizer — de eterna tentativa de maior aproximação da América inglesa pelas terras da linha do Equador169.

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Outro ponto de traumas históricos e políticos foi a própria Europa, como não poderia deixar de ser, nossa descobridora, uma vez que iniciou a ocupação dessas terras apenas e tão somente como fonte de produtos complementares aos necessários à Metrópole.

A África, por sua vez, deu-nos os escravos, o que imprimiu muitas das características, males e riquezas que possuímos170.

De qualquer modo, de há muito se entendeu que a única forma de fazer frente a um mundo cada vez mais interdependente e de se tornarem os latino-americanos parceiros mais coniáveis e prontos a serem ouvidos é pela união de propósitos.

A América Latina, como outras regiões do mundo, mais ou menos identiicadas por alguns caracteres comuns ou pela simples vizinhança entre os países, também busca a integração regional, de longa data171.

As rápidas transformações do cenário internacional, a partir do desfazimento da União Soviética, reletem nos países sul-americanos, porque o mundo atual tem um quadro econômico quase único, embora se intensiique a regionalização dos mercados.

Nos anos 60, o lorescimento das teses encampadas pela CEPAL172 deu grande impulso à industrialização, para que os países produzissem aquilo que importavam.

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Rubens Antônio Machado divide de forma adequada a evolução do processo de integração da América do Sul: uma fase romântica, que se inicia em ins dos anos 50, passa pelos anos 60 e 70 e termina em meados dos anos 80, e a fase pragmática, que começa em 1985 e vem até os nossos dias173.

Não custa, aqui, resumirmos a lição do embaixador, que acreditamos correta. A fase romântica tem esse nome pelas declarações retóricas de intenções, sem preocupação com a realidade de cada país. É um período caracterizado por grandes linhas políticas de desenvolvimento baseadas no mercado interno e por incipiente abertura das economias para o mercado mundial.

Nessa fase, temos dois tratados, ambos em Montevidéu, o de 1960 (TM-60) e o de 1980 (TM-80). O primeiro criou a ALALC — Associação Latino-Americana de Livre Comércio —, tendo como objetivo a criação de um mercado comum regional a partir da conformação de uma zona de livre comércio, no prazo de doze anos. Sediada em Montevidéu, sobressaíam nessa associação o Brasil e a Argentina, apesar de suas diferenças174, e o México. E o segundo criou a ALADI — Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração, sucessora da ALALC, que, paradoxalmente, coloca a visão comunitária regional em segundo plano e reforça a supremacia dos interesses individuais de cada país-membro.

Muitos fatos ocorreram na vigência desses dois Tratados. A ALALC, formada, de início, por Brasil, Argentina, México, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, não conseguiu superar as diiculdades práticas, ante a natureza multilateral das negociações.

O insucesso fez com que Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru constituíssem um subgrupo regional andino, pelo Acordo de Integração Sub--regional de Cartagena de 1969 (Grupo Andino).

Esse pacto pretendeu criar uma união aduaneira e um mercado comum. Em razão da saída do Chile, em 1976, e da instabilidade de seus membros, o Pacto não conseguiu irmar-se.

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Em julho de 1973 foi criada, com igual objetivo, a Comunidade do Caribe
— CARICOM —, pelas Repúblicas de Barbados, Guiana, Jamaica e Trinidad e Tobago, pelo Tratado de Chaguaramas. Outros Estados aderiram, como Granada, Dominica, Santa Lúcia, Belize e Antígua.

A ALADI teve de enfrentar a crise do petróleo de 1979, a dívida externa com a moratória mexicana de 1982 e o desequilíbrio da balança comercial de seus membros175.

Os países-membros, com a Rodada Regional de Negociações Comerciais, 1985, procuram novamente o processo de integração, sem êxito, sendo que, em 1987, o Grupo Andino cortou os laços com a ALADI, tornando-se um subgrupo regional.

A fase pragmática iniciou-se com uma política mais realista, contatos pessoais de diplomacia presidencial, o governo brasileiro integrando o Consenso de Cartagena (1984), o Grupo de Apoio de Contadora (1985), transformado no Grupo do Rio (1988).

Em 1986 houve o Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil e Argentina.

Em 1988 foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento para um espaço econômico comum entre esses dois países. Em 1990 Argentina e Brasil anteciparam o mercado comum bilateral com a livre circulação de bens e serviços e fatores de produção para dezembro de 1994.

Diante desses fatos, o Uruguai, para não icar para trás, começou a aproximar-se e se inseriu no novo contexto sub-regional, acontecendo o mesmo, logo depois, com o Paraguai.

Em consequência dessa união de propósitos entre os países acima, diversos outros grupos formaram-se na região, buscando o estabelecimento de Zonas de Livre Comércio — o Mercado Comum do Sul; o da Colômbia, México e Venezuela; acordos bilaterais entre Chile e Argentina, México e Venezuela e outros.

A política interna e econômica dos países da América Latina, as enormes diiculdades por que passam, sempre foram, contudo, fatores impeditivos de

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uma integração regional. A existência de regimes autoritários e democráticos, as rivalidades entre alguns países, a atuação de empresas multinacionais e as reações internas com relação a estas são exemplos dessas diiculdades176.

Não há dúvida de que o grande inimigo da integração latino-americana foi, e ainda é, a diferença de regimes e a fragilidade econômica dos países que compõem essa região.

Hão que ser resolvidos os problemas internos de cada Estado para se tentar a solução integradora. Todavia, não entendemos que sejam passos estanques, um após o outro, como se manifestou o economista Eugênio Gudim177, em relação ao Brasil, porque o mundo moderno não espera e as fases econômicas e políticas que ocorreram no transcorrer de séculos na Europa tendem na América Latina a se desenvolver em curto espaço de tempo.

O fenômeno da globalização da economia apressa a evolução socioeconômica dos países sul-americanos por bem ou por mal, sob pena de icarem tais países à margem das relações internacionais.

Não se pode deixar de mencionar nessas tentativas integracionistas o MCCA — Mercado Comum Centro-Americano, que tentou integrar os países da região central, na década de 60. Foi criado pelo Tratado Geral de Integração Econômica Centro-Americana assinado em Manágua em 13 de dezembro de 1960 por Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. Seu

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objetivo principal consiste na concretização de uma união aduaneira e depois um mercado comum, dentro de um prazo de cinco anos.

Como já estudado, para se chegar ao Mercado Comum as etapas das zonas de livre comércio e da união aduaneira devem ser transpostas.

Somente a Comunidade Europeia, dentre as organizações supranacionais, parece que superou quase todas as etapas.

A América Central sempre viveu tutelada por líderes fortes — mal de que, também, não pode fugir a América do Sul —, que, de certa forma, impediu os propósitos integracionistas.

Também os EUA, atraindo um ou outro país para a cooperação econômica, por intermédio da AID — Associação para o Desenvolvimento Internacional —, acabaram por frustrar algumas tentativas, como o Tratado entre El Salvador, Guatemala e Honduras, principalmente pelo forte sentimento anti-comunista.

A extrema pobreza dos países e, por consequência, a falta de empuxe inanceiro externo e interno e — por que não dizer — a expectativa ilusória e otimista da organização, sem uma efetiva análise da realidade regional, foram fatores contrários, não propiciando a integração desejada. Restaram a ideia, sempre renovada, e a certeza dos setores mais avançados de que a cooperação internacional é a única saída.

Em 1961, os ministros da Guerra ou Defesa da Nicarágua, Guatemala e El Salvador criaram o Conselho de Defesa Centro-Americano — CONDECA —, para uma coordenação estratégico-militar.

O CONDECA representou um atraso para a integração social e econômica, porque vedava a livre circulação em nome de razões de segurança nacional e de motivações ideológicas.

Temos, aí, um pequeno retrato de alguns fatos integracionistas e/ou contrários à integração na América Latina e incluindo a América Central, porque não podemos esquecer de que é também composta de países latinos.

Não se pretende, aqui, uma história completa e pormenorizada das relações internacionais na América, porque isto seria impossível num simples curso como este, mas dar uma visão, nem sempre aceita, de que a América Latina faz parte da comunidade internacional.

Embora os tempos tenham mudado, não faz muito se entendia a América Latina a partir da voz americana representada pelos EUA, o que nos...

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