Amianto, meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil do empregador

AutorGuilherme Guimarães Feliciano - Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto
Páginas197-210

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Guilherme Guimarães Feliciano *

Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto **

Introdução

Zelar pelo meio ambiente do trabalho e pela saúde e segurança daqueles que lá se encontram é tarefa necessária, sobretudo quando a atividade econômica desenvolvida utiliza substâncias prejudiciais ao equilíbrio labor-ambiental, como se dá com o amianto. Ainda que comprovadamente nocivo não apenas à saúde dos trabalhadores, mas também aos consumidores e a todo o meio ambiente, o amianto continua sendo utilizado mundialmente em larga escala na produção de diversos itens, tais como telhas, caixas d’água, tecidos, tintas, instrumentos de laboratórios, papelão, dentre outras inúmeras aplicações.

Considerando esse descompasso entre prevenção pela não utilização do amianto e emprego de tal substância de forma irrestrita em diversos tipos de indústria (e. g. construção civil, bélica, aeroespacial, petrolífera, têxtil, naval etc.), este artigo tem como objetivo analisar a responsabilidade civil do empregador pelo meio ambiente do trabalho, especialmente quando se vale do amianto na atividade econômica que empreende. Nesse contexto, pretende-se lançar luzes sobre os perigos do amianto para o meio ambiente do trabalho.

Para tanto, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, este texto foi organizado em três grandes partes: (i) no primeiro item, discorre-se sobre meio ambiente do trabalho a partir de uma abordagem propedêutica, buscando apresentar o conceito de meio ambiente do trabalho adotado pelos autores, bem como os princípios jurídicos que pautam seu estudo e proteção; (ii) no segundo item, debruça-se sobre as mazelas causadas pelo uso do amianto no trabalho, bem como as perspectivas de regulamentação de sua utilização no Brasil, com destaque para a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e para o julgamento, pelo Superior Tribunal Federal (STF),

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sobre a proibição da utilização do amianto no Brasil; (iii) no terceiro item, dedica-se mais diretamente ao estudo da responsabilização civil do empregador em casos de desequilíbrio labor-ambiental em razão da utilização do amianto.

Por fim, encaminhando-se para a conclusão, evidencia-se a importância do cuidado com o meio ambiente do trabalho, especialmente a partir de estratégias de prevenção em face de acidentes e doenças oriundos do exercício laboral.

Meio ambiente do trabalho: abordagem propedêutica

A saúde e segurança dos trabalhadores, seu estudo e tratamento jurídico, não raro, são reduzidos a discussões mesquinhas sobre adicionais de insalubridade e periculosidade.

Contudo, muito além de tal monetização, a proteção do meio ambiente do trabalho e, consequentemente, da saúde e segurança dos trabalhadores, envolve abordagens mais amplas e sistêmicas, que promovam a higidez labor--ambiental em todos os âmbitos e evitem a concreção de todo tipo de risco, seja ele físico (e. g. ruído, vibração, temperaturas extremas, pressões anormais, radiações ionizantes e não ionizantes etc.), químico (e. g. poeiras, névoas, fumos, gases e vapores, etc.), biológico (e .g. bactérias, fungos, helmintos, protozoários e vírus etc.), ergonômico (e. g. esforço físico, levantamento de peso, postura inadequada etc.) ou psicossocial (e. g. assédio moral, imposição e controle excessivo de metas etc.).

Partindo do entendimento de que as questões labor-ambientais são complexas e que, portanto, devem ser compreendidas a partir de uma perspectiva gestáltica, passa-se ao delineamento do que se entende por meio ambiente do trabalho e à análise dos princípios que pautam seu estudo.

2. 1 Meio ambiente do trabalho: apontamentos conceituais

Definir “meio ambiente do trabalho” não é uma missão simples, visto tratar-se de conceito amplo e em constante construção. Assim, neste tópico, serão traçadas algumas linhas conceituais que compõem e balizam a noção de meio ambiente do trabalho, as quais, certamente, evoluirão progressivamente com o avanço das tecnologias e da ciência, inclusive da ciência jurídica.

Primeiro, importante frisar que o meio ambiente do trabalho faz parte do meio ambiente geral, lato sensu considerado e, dessa forma, seus conceitos estão intrinsecamente correlacionados. Dessa forma, para compreender aquele faz-se necessário, antes, assimilar o conceito deste.

Conforme definição legal dada pela lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 1981), meio ambiente é entendido como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Observa-se, contudo, que tal disposição norma-tiva (i) não expressa o caráter gestáltico do meio ambiente, já que o define como um conjunto, isto é, como a soma de elementos e não como um sistema, categoria esta que pressupõe uma necessária relação de interdependência e interconexão entre os elementos coexistentes; (ii) não inclui no conceito apresentado as interações de ordem psicossocial que interferem no meio ambiente. Por tais motivos, entende-se necessário complementar tal definição legal, tornando-a mais holística e adequada às características do meio ambiente.

Assim, o meio ambiente pode ser compreendido como um sistema de elementos que circundam todas as formas de vida, inclusive a humana, impactando e sendo impactado por elas, as quais também são partes integrantes desse sistema. Trata-se, como resume Derani (2008, p. 52), em uma perspectiva antropocêntrica, do “entourage do sujeito”, isto é, o seu entorno, aquilo que o circunda, o meio em que se encontra. Sendo tal visão centrada na vida humana, não seria possível excluir o meio laboral de sua abrangência. Há, sob esse prisma,

uma indissociabilidade ontológica entre o meio ambiente natural e o meio ambiente humano, de modo que o meio ambiente — conceito e entidade — pode ser entendido como “Gestalt” ali em acepção filosófica (significando que a interpretação do objeto modifica ou condiciona a própria experiência com o objeto) e aqui em acepção fenomênica, o meio ambiente não deve ser tomado como soma de elementos a isolar, analisar e dissecar, mas como sistema constituído por unidades autônomas, manifestando uma solidariedade interna e possuindo leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem, não podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto (FELICIANO, 2002, p. 3).

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O meio ambiente, portanto, envolve não apenas as dimensões natural, artificial e cultural, mas também a sua dimensão laboral, conforme dispõe o art. 200, inciso VIII da Constituição Federal, destacando constitucionalmente tal dimensão labor-ambiental.

Segundo, frisa-se que o meio ambiente do trabalho não se resume ao local de trabalho. Para além dos muros da empresa — espacial e material —, o meio ambiente do trabalho abrange também os próprios “instrumentos de trabalho, o modo de execução das tarefas” (MARANHÃO, 2017, p. 27), o clima organizacional, modalidade de pagamento, a maneira como o empregado é tratado pelo empregador e pelos seus pares (MELO, 2013), dentre inúmeros outros fatores — físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, psicossociais — que influenciam sua vida no trabalho.

Com as intensas e rápidas mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, essa dimensão “extramuros” ganha cada vez mais destaque, evidenciando que o meio ambiente do trabalho não se restringe às dependências físicas do empregador, podendo se prolongar para outros espaços, como a própria residência do trabalhador, como se dá com aqueles que prestam trabalho a distância em sua casa (home office).

Por fim, terceiro apontamento, sendo parte do meio ambiente geral, o meio ambiente do trabalho também deve ser protegido, e seu equilíbrio, essencial à qualidade de vida das pessoas, deve ser preservado e promovido (tal como previsto em normas nacionais e internacionais de máxima estatura, art. 7º, inciso XXII e art. 225, caput, da Constituição Federal; art. 18 da Convenção Sociolaboral do Mercosul; Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho, art. 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), de modo a ser “impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho” (OLIVEIRA, 1998, p. 78-79).

2. 2 Princípios orientadores do Direito Ambiental do Trabalho

O Direito Ambiental do Trabalho, um ramo afeto ao Direito Ambiental, é norteado pelos princípios que orientam a proteção do meio ambiente lato sensu considerado. Assim, são princípios fundantes do Direito Ambiental do Trabalho, sem excluir outros secundários que eventualmente sejam tratados na doutrina: (i) o princípio da prevenção, (ii) o princípio da precaução, (iii) o princípio da melhoria contínua, (iv) o princípio da informação-participação e (v) o princípio do poluidor-pagador.

Os princípios da prevenção (i) e da precaução (ii), apesar de semelhantes e corriqueiramente tomados como sinônimos, tecnicamente não se equivalem.

O princípio da prevenção (i) balizou a Declaração de Estocolmo (1972)1 e pressupõe o...

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