Amor a toda prova: a análise da atração sexual genética (genetic sexual attraction - GSA) no direito de família brasileiro

AutorHelio Veiga Jr./Patrícia Borba Marchetto
Páginas297-323

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1. Introdução

A abordagem do presente estudo se remonta à análise de um fenômeno que, aos poucos, aparece no Brasil e no mundo, desafiando a lógica científica e genética, ao mesmo tempo em que promove uma reflexão profunda no que se refere ao relacionamento afetivo e sexual, e suas implicações legais, de pessoas que possuem laços biológicos.

Sabe-se que a afabilidade moderna cedeu espaço aos meandros subjetivos de paixões eloquentes que desafiam a sociedade como um todo a entender determinados tipos de relacionamentos. Em tempos de amores que se revelam da forma mais líquida possível, tornou-se necessário à sociedade e ao Judiciário promover uma compreensão mais aberta e menos moralista aos tipos de relacionamentos que se consubstanciaram em realidade a partir do reconhecimento de direitos iguais entre homem, mulher, heterossexuais e homossexuais.

A monogamia sobrevive no mundo pós-moderno a custos difíceis, o casamento tradicional perdeu espaço para a união estável, mas principalmente para a afabilidade contemporânea entre as pessoas independentemente de seus gêneros. De fato, entre juridicidade positiva e justiciabilidade pós-moderna, o amor optou por descontruir conceitos e validar sentimentos, sem perguntar ao seu protagonista seu sexo, sua vontade, a duração ou a moralidade.

Não obstante, a paternidade ou a maternidade em tempos atuais pode se efetivar de várias formas ou até mesmo deixar de se efetivar, promovendo, a cada passo, um efeito social e jurídico de extrema relevância. Igualmente, a ciência e a medicina evoluíram ao ponto de poder fornecer um serviço de procriação aos protagonistas de qualquer relacionamento moderno que ocorra. Seja em razão da infertilidade biológica ou em razão da impossibilidade de procriação natural entre dois homens ou duas mulheres, a Reprodução Humana Assistida já produz seus efeitos sociais, biológicos, genéticos e jurídicos, surgindo, assim, a partir deste contexto, a Atração Sexual Genética (Genetic Sexual Attraction – GSA) e seus efeitos no direito de família brasileiro.

Em razão da sobreposição do princípio da afetividade sobre qualquer outro princípio para sustentar as bases das relações familiares em termos jurídicos no Brasil, o atual estudo busca analisar relações afetivas entre pessoas vinculadas geneticamente e que por alguma razão passaram a se relacionar afetiva e sexual-mente, como um casal, verificando os possíveis efeitos jurídicos e sociais advindos de um relacionamento entre duas pessoas vinculadas pela genética, mas separadas

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pela maternidade ou paternidade. Em termos claros, o que deveria prevalecer entre amor e proteção genética? Seria a moralidade social e o Direito uma anátema a impedir a vida conjunta de pessoas com vínculos genéticos extremamente próximos? Tais são as questões a serem estudadas e analisadas no presente artigo.

2. Entendendo a atração sexual genética (genetic sexual attraction - GSA)

A Atração Sexual Genética (GSA), como evidenciado pelo próprio nome, trata-se de relação afetiva e sexual entre pessoas com vínculos genéticos extremamente próximos, e.g., irmão e irmã, mãe e filho ou pai e filha, em que tais parentes biológicos, muito embora possuam um DNA em comum, não se conheciam e não possuíam qualquer tipo de relação parental ou familiar até se encontrarem em algum momento em suas vidas como duas pessoas que até então não se conheciam e nem sequer sabiam da proximidade genética que dividem.

No ano de 1979, Barbara Gonyo3, que experimentou o fenômeno da Atração Sexual Genética com seu próprio filho, cunhou o termo Genetic Sexual Attraction4– GSA (Atração Sexual Genética), como explicou em sua obra Katharina Liebhauser:

Gonyo’s reputation as the world’s leading GSA “expert” came about largely as a result of her own experience of strong sexual attraction, when, in 1979 and aged 42, she was reunited with her adult son 26 years after she had given him up for adoption.5Não obstante, torna-se importante perceber que a Atração Sexual Genética se trata de casos que realmente ocorreram com pessoas que de alguma forma

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perderam a ligação familiar ou o contato próximo com o irmão(ã), pai ou mãe, e que anos depois vieram a se encontrar e desenvolveram não o afeto paterno-filial, materno-filial ou fraternal, mas apresentaram comportamento emocional vinculado ao de um casal, existindo afetividade ligada a desejo sexual ou uma espécie de amor carnal entre pai e filha, mãe e filho ou entre irmãos.

Nesse sentido, Katharina Liebhauser, ao falar sobre o tema, adverte que em razão de uma “ligação perdida”, a Atração Sexual Genética poderá ocorrer simplesmente porque as crianças ao nascerem são separadas de suas famílias biológicas e, em seguida, após um lapso temporal, são reunidas.6Uma criança ao nascer, independentemente de sua vontade, conta com uma realidade baseada em dois caminhos possíveis. Após o nascimento, ou a criança permanece com sua família biológica ou é colocada para adoção. Por vezes, a família consanguínea mantém a criança até determinada tenra idade para depois efetivar a entrega da criança a outra família ou a um orfanato que mais tarde cuidará do processo de adoção por outras pessoas.

De fato, como afirma Liebhauser, pessoas adotadas, por vezes, perdem vidas inteiras em busca da conexão original com aquele lugar seguro associado à ideia de família-sobrevivência, permanecendo em uma busca constante do vínculo original que deveria ter tido desde o início com a família biológica, seja com a mãe, pai ou irmãos, e é em razão da ligação perdida ao nascer que pessoas adotadas não conseguem encontrar uma conexão genética.7Eventualmente, tais pessoas chegam a um determinado período em suas vidas em que precisam completar o vínculo familiar ou a conexão genética com suas respectivas mães, pais ou irmãos(ãs), e é exatamente por faltar uma ligação biológica-genética primária na vida de pessoas separadas de seus parentes biológicos ao nascerem que, em algum momento da vida, a ocorrência do reencontro poderia causar uma disfunção sentimental frente aos parentes consanguíneos, fazendo com que, e.g., o amor fraternal em relação a um irmão biológico se transformasse em afabilidade carnal, podendo o mesmo acontecer com a figura paterna ou materna.

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Nesse sentido, sabe-se que encontrar a família biológica é uma necessidade emocional instintiva-primitiva, naturalmente existente no sistema emocional de cada ser humano. Assim, percebe-se a necessidade primordial de se relacionar com aqueles a quem se pertence consanguineamente, ou seja, a família biológica. Essa necessidade é que levará o indivíduo à busca da família biológica, procurando fazer sua conexão moral entre prole e genitor(a) acontecer por meio da busca até que se encontre alguém de sua respectiva espécie genética, ou seja, seu parente consanguíneo.8Desta feita, acredita-se que ao se tolher o indivíduo de ter um contato emocional próprio com seus parentes consanguíneos, para se estabilizar o que se chama de relação paterno-filial entre pais e filhos ou até mesmo entre estes últimos (irmãos), ele ou ela poderá, em um futuro reencontro, após várias décadas de separação, desenvolver um sentimento geneticamente inadequado e socialmente repulsivo para a relação biológica originária de pai e filha, mãe e filho ou irmão e irmã.

De fato, seja por questões subjetivamente morais ou religiosas ou ainda por premissas genéticas e biológicas, a sociedade e a lei, na maioria dos países, não toleram qualquer tipo de relacionamento afetivo-sexual entre pais e filhos ou entre irmãos, não importando serem estes últimos bilaterais ou não, muito embora existam países na Europa, no entanto, que admitiram, indiretamente, efeitos jurídicos de relações incestuosas, como Portugal e Espanha.9Torna-se importante observar que a Atração Sexual Genética (GSA) possui as seguintes características: a) ocorre apenas em alguns reencontros familiares; b) certas pessoas estão mais predispostas ao GSA do que outras; c) a Atração Sexual Genética se manifesta de forma diferente entre pais e filhos e entre irmãos, sendo que a causa de tais características é simplesmente desconhecida. Acima de tudo, a GSA levanta sérias questões sobre quais os fatores que influenciam a atração sexual.10

Nesse sentido torna-se difícil dizer se a Atração Sexual Genética seria de origem social, comportamental, biológica, genética ou psicológica. Entretanto, não

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cabe ao presente estudo descobrir a causa de sua ocorrência, o que seria melhor analisado pela ciência médica e biológica, mas sim estudar os seus efeitos jurídicos e sociais quando esta ocorre.

A Atração Sexual Genética, muito embora ainda seja um raro fenômeno com pouca ocorrência divulgada na mídia, provavelmente por ser um assunto tratado às margens da sociedade como uma disfunção social e emocional, não é amplamente divulgada quando ocorre, principalmente porque a sociedade repudia o incesto, que é a caracterização da GSA.

Como revelado anteriormente, não se sabe a causa geradora da Atração Sexual Genética, entretanto, presume-se que esta ocorre como uma consequência de parentes genéticos extremamente próximos que se encontram apenas na idade adulta, geralmente como consequência da separação precoce, mas não exclusivamente em razão dela. Muito embora esta seja uma consequência rara quando do reencontro de parentes genéticos, o número de relacionamentos afetivo-sexuais entre eles nos últimos anos tem aparentemente aumentado, significando clara-mente que um número maior...

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