ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DE UM SUJEITO DE DIREITO TRANS PELAS SENTENÇAS DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS
Autor | Maria Luiza Moura |
Páginas | 212-238 |
GÊNERO|Niterói|v.18|n.1|212 |2. sem.2017p.212-238
ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DE UM SUJEITO DE DIREITO
TRANS PELAS SENTENÇAS DA CORTE EUROPEIA DE
DIREITOS HUMANOS
Maria Luiza Moura1
Resumo: O artigo analisa a evolução jurisprudencial da Corte Europeia de
Direitos Humanos sobre identidade de gênero trans a fim de verificar se, e
como, ocorreu a construção e a afirmação de um sujeito de direito trans por
meio dos fundamentos veiculados em suas decisões quanto à necessidade
de procedimentos de redesignação sexual e/ou a necessidade de atestados
médicos psicopatologizantes, como requisitos para o direito dessas
pessoas à retificação de nome e menção de sexo no registro. Verificou-
se qu e o atual posicionamento da Corte não está em consonância com a perspectiva
teórica que postula pela despatologização das identidades de gênero trans.
Palavras-chave:transexualidade; Corte Europeia de Direitos Humanos; jurisprudência.
Abstract: This article examines the jurisprudence of the European Court
of Human Rights on gender identity in order to verify the construction
and armation of a trans-subject of law through the decisions of the Echr
concerning the need for sexual reassignment and/or medical certificates
as requirements for the rectification of trans persons registry.The main
conclusion is that the Court positioning is not in line with the theoretical
perspective that postulates by depathologizing the trans gender identities.
Keywords: transsexuality; European Court of Human Rights; jurisprudence.
Introdução
O presente artigo analisa a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos
Humanos (Cedh) em relação a suas decisões sobre identidade de gênero. Em
um primeiro momento é apresentada uma síntese dos dezenove casos sobre
identidade de gênero já analisados pela Corte.
1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo em cotutela de tese com a Universidade de Montreal (Canadá). E-mail: maria.luiza.carvalho@usp.br.
GÊNERO|Niterói|v.18|n.1| 213|2. sem.2017p.212-238
A partir de uma seleção de casos referentes à ausência de um pleno
reconhecimento jurídico, pelos países demandados, da identidade de gênero das
pessoas trans (amostra A) são analisadas a íntegra das decisões de todos aqueles
em que a Corte pronunciou-se especificamente sobre a questão referente
aos requisitos médico-patologizantes impostos pelas jurisdições internas para a
retificação do registro civil de pessoas trans (amostra B), com a finalidade de verificar
em quantos e quais casos houve pronunciamento específico (amostra C) da Corte
quanto à necessidade de: (a) Realizar procedimentos de redesignação sexual, incluída
a prova de esterilidade, como requisito para a retificação registral de pessoas trans;
(b) Apresentar atestados médicos comprovando ser o requerente portador de uma
psicopatologia, como requisito para a retificação registral de pessoas trans.
Pretende-se, analisando a posição da Corte quanto a tais questões, observar:
(i) Se houve modificação em seu entendimento sobre a questão ao longo dos
anos e se essa eventual modificação acompanhou ou não as normativas europeias
sobre reconhecimento jurídico da identidade de gênero das pessoas trans; (ii) Se
existiu alguma problematização pela Corte relativamente ao condicionamento da
retificação registral das pessoas trans a requisitos patologizantes da identidade de
gênero; (iii) E, finalmente, se atualmente pode-se ou não dizer que a Corte adota
um posicionamento em consonância com a perspectiva teórica que postula pela
despatologização das identidades de gênero trans.
Tal análise foi conduzida tendo como marco teórico a perspectiva
despatologizante sobre identidades de gênero trans, bem como está alicerçada,
no que se refere à constituição de um sujeito de direito pleno e autônomo, na
formulação de teóricos do reconhecimento. Já no que se refere à constituição de
um sujeito de direito trans por meio do reconhecimento de suas demandas por
instâncias judiciais, o trabalho apoia-se em autores que trabalham a dimensão da
coprodução entre o gênero e o direito.
A metodologia de pesquisa utilizada é a análise jurisprudencial das
sentenças da Corte em perspectiva qualitativa. São citadas também outras
fontes documentais que refletem a evolução da temática trans no contexto
europeu na última década.
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