Analise do impacto das facetas da inteligencia emocional (traco) e da confianca nos colegas de trabalho no desempenho de tarefa.

AutorRodrigues, Nuno

I Introducao

O valor atribuido a inteligencia emocional (IE) na gestao de pessoas e de sua efetividade no trabalho tem sido intensamente debatido ao longo do ultimo quarto de seculo (Miao, Humphrey & Qian, 2020; Sackett, Lievens, Van Iddekinge & Kuncel, 2017). Recentes avaliacoes meta-analiticas do crescente numero de estudos empiricos sobre a relacao entre IE e importantes variaveis resultado em contexto de trabalho dao motivos para otimismo, mostrando que medidas de IE estao positivamente relacionadas ao desempenho no trabalho e a atitudes importantes no ambiente de trabalho (Miao et al., 2020; Miao, Humphrey & Qian, 2017a; Miao, Humphrey & Qian, 2017b; O'Boyle, Humphrey, Pollack, Hawver & Story, 2010).

Em particular, evidencia das meta-analises tambem revelou que as medidas de autorrelato de IE, com base na definicao de IE de Mayer e Salovey (1997) e compreendendo facetas relativamente similares, produzem uma contribuicao significativa na previsao do desempenho global no trabalho (O'Boyle et al. 2010) e de suas dimensoes, como desempenho na cidadania e comportamentos contraproducentes (Miao et al., 2017a), mesmo quando preditores bem estabelecidos, como a aptidao cognitiva e os cinco grandes fatores da personalidade, tambem sao levados em consideracao.

Apesar dos avancos dessas pesquisas, varias questoes relevantes sobre o impacto da IE no desempenho no trabalho ainda estao sem resposta na literatura. Como alguns autores ja destacaram, a pesquisa anterior focou predominantemente a validade relacionada ao criterio da IE global, deixando inexplorado o caminho pelo qual suas facetas especificas influenciam as componentes comportamentais distintas do desempenho no trabalho (Greenidge, Devonish & Alleyne, 2014; Pekaar, van der Linden, Bakker & Born, 2017). Contudo, o mapeamento empirico dessas interrelacoes, ao nivel das facetas, representa uma etapa necessaria em direcao a um esclarecimento mais refinado de seu impacto nos comportamentos de desempenho no trabalho para a IE, assim como para outros construtos das diferencas individuais, sendo uma pre-condicao para sua futura incorporacao a modelos preditivos integrados de desempenho no trabalho.

O presente estudo visa contribuir para esse objetivo de pesquisa por meio do exame de como as facetas especificas da IE influenciam a dimensao central do desempenho individual de tarefa. Para atingir esse objetivo, ele adota a perspectiva da IE (traco) que concebe a IE (autoeficacia emocional) como um conjunto de disposicoes e percepcoes individuais relacionado a capacidade de um individuo de reconhecer, regular e canalizar emocoes e conhecimento emocional para se adaptar ao ambiente e melhorar o bemestar (Petrides, Mikolajczak, Mavroveli, Sanchez-Ruiz, Furnham, & Perez-Gonzalez, 2016). Especificamente, o estudo atual foca as facetas propostas por Davies, Stankov e Roberts (1998) no escopo de sua revisao abrangente da literatura sobre IE; essas facetas foram tambem estudadas por Wong, Law e colegas (e.g., Law, Wong, & Song, 2004; Wong & Law, 2002). Elas incluem a avaliacao das emocoes proprias (SEA), avaliacao das emocoes dos outros (OEA), uso das emocoes (UOE) e regulacao da emocao (ROE), que sao consistentes com a definicao de IE e com as dimensoes teoricas de Mayer e Salovey (1997).

Alem disso, ele se baseia no modelo de cascata de IE proposto por Joseph e Newman (2010) para conceber as facetas de IE como componentes importantes de um processo sequencial, da percepcao da emocao a regulacao da emocao, atraves do qual a IE afeta o desempenho no trabalho. Essa visao teorica tambem e congruente com o modelo de regulacao da emocao de Gross (1998) e com o modelo de IE de Mayer e Salovey (1997), ja que ela postula que a regulacao da emocao depende de uma percepcao e uma compreensao precisas e previas das emocoes. Enquanto Joseph e Newman (2010) testaram a adequacao do modelo de cascata de IE apenas utilizando as medidas de aptidao de IE, pretendemos examinar se as facetas de IE (traco) tambem podem afetar o desempenho de tarefa de maneira progressiva.

Alem de propor e testar a adequacao desse modelo para explicar a influencia das facetas da IE (traco) no desempenho de tarefa, o estudo atual pretende analisar os mecanismos psicologicos intervenientes atraves dos quais a IE (traco) efetivamente aprimora os comportamentos individuais de desempenho de tarefa. Esse assunto representa um tema de pesquisa relacionado, embora nao desenvolvido, na literatura a respeito dos vinculos da IE e o desempenho no trabalho (Greenidge et al., 2014). Especificamente, abordamos os recentes apelos de Miao et al. (2017a) por mais pesquisa empirica para examinar se as variaveis atitudinais, como a confianca interpessoal, podem representar mediadores importantes dessa relacao. De fato, a confianca interpessoal representa uma variavel relevante para as organizacoes, sendo considerada a base dos relacionamentos interpessoais de qualidade no ambiente de trabalho, especialmente desde que os sistemas organizacionais se tornaram cada vez mais assentes em estruturas de trabalho interdependentes (De Jong, Dirks, & Gillespie, 2016; Tan & Lim, 2009).

De acordo com a definicao interdisciplinar de Rousseau, Sitkin, Burt, & Camerer (1998, p. 395), a confianca interpessoal compreende "um estado psicologico que inclui a intencao de aceitar a vulnerabilidade com base em expectativas positivas das intencoes ou comportamento do outro" e possui varios referentes, isto e, confianca na organizacao, confianca no lider, confianca nos colegas de trabalho. Este estudo se concentra na ultima delas, que pode ser definida como "a disposicao de uma pessoa de ser vulneravel as acoes dos colegas de trabalho cujo comportamento e acoes tal pessoa nao pode controlar" (Tan & Lim, 2009, p. 46). Embora menos explorada na pesquisa, a confianca nos colegas de trabalho e um antecedente importante de outras atitudes positivas no trabalho e de niveis superiores de desempenho (De Jong et al., 2016; Dirks & Ferrin, 2001; Jones & George, 1998)

A luz de pesquisa anterior e da teoria, propomos que funcionarios com alta IE (traco) desenvolverao niveis maiores de confianca em seus colegas de trabalho e, como resultado, obterao niveis maiores de desempenho individual de tarefa. No melhor de nosso conhecimento, a pesquisa anterior nao examinou ainda esse mecanismo psicologico atraves do qual os processos de IE (traco) se traduzem em maior desempenho de tarefa, embora seu exame tenha significado teorico e significancia. De fato, de acordo com o modelo de confianca interpessoal no trabalho de Jones e George (1998), a confianca e em parte determinada pelos humores e emocoes vivenciados durante as interacoes interpessoais. Devido a maior capacidade dos individuos com alta inteligencia emocional de efetivamente perceber e compreender suas proprias emocoes e as emocoes dos outros, assim como de regular as emocoes (Mayer & Salovey, 1997; Mayer, Caruso & Salovey, 2016), eles tendem a vivenciar emocoes positivas e estados afetivos com maior frequencia, inclusive quando estabelecem interacoes sociais. Postula-se que esses fatores emocionais positivos suscitam, por outro lado, percepcoes mais favoraveis dos outros, incluindo dos seus colegas de trabalho, "resultando em uma experiencia mais elevada de confianca em outra pessoa" (Jones & George, 1998, p. 534).

Sendo assim, de acordo com o raciocinio de que a IE contribui para a genese de confianca interpessoal, argumentamos que funcionarios com alta IE (traco) consequentemente se beneficiarao da mesma, por alcancar melhores niveis de desempenho individual de tarefa. De fato, as variaveis da confianca interpessoal, incluindo a confianca nos colegas de trabalho, sao concebidas como antecedentes proximais dos comportamentos de desempenho no trabalho, facilitando-os por motivar niveis mais altos de cooperacao, partilha de informacao e envolvimento no trabalho (Dirks & Ferrin, 2001; Jones & George, 1998). Tais beneficios podem impactar positivamente o cumprimento individual das tarefas e os deveres tecnicos do trabalho, uma vez que, conforme afirmado por LePine, Hanson, Borman e Motowidlo (2000, p. 67), "o desempenho individual de tarefa requer a cooperacao entre os membros da equipe", especialmente nas organizacoes modernas onde o trabalho e frequentemente concebido com base em equipes autonomas ou semiautonomas (Morgeson, Reider, & Campion, 2005).

Levando todos esses aspectos em consideracao, elaboramos um modelo integrado, ao nivel individual de analise, incluindo hipoteses de relacoes sequenciais entre facetas da IE (traco) e o desempenho na tarefa, assim como do efeito mediador proposto da confianca nos colegas de trabalho sobre o vinculo entre regulacao da emocao e esta variavel de desempenho, como explicado posteriormente nas proximas secoes.

Conceitualizacoes de IE e abordagens de medida

Embora as raizes teoricas da IE tenham sido estabelecidas pelas contribuicoes iniciais de Thorndike (1920) no escopo do conceito de inteligencia social, a introducao formal da IE na literatura e atribuida a Salovey e Mayer (1990, p. 189) como "o subconjunto de inteligencia social que envolve a capacidade de monitorar os sentimentos e emocoes do proprio e os dos outros, para discrimina-los e utilizar essa informacao para orientar seu proprio pensamento e acoes". Posteriormente, esses autores centraram esse construto nos processos mentais associados a resolucao de problemas pelos individuos em areas associadas a emocao, referindo-se a IE como "a capacidade de perceber emocoes, acessar e gerar emocoes para auxiliar os pensamentos, para compreender as emocoes e para o conhecimento emocional, e para reflexivamente regular as emocoes visando promover o crescimento emocional e intelectual" (Mayer & Salovey, 1997, p. 5).

Desde entao, a pesquisa relacionada evoluiu atraves de varias conceitualizacoes da IE, que se baseiam em abordagens de medicao nao equivalentes desse construto. Pesquisa meta-analitica recente (Miao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT