Análise do tratamento dado pela reforma trabalhista à duração da jornada de trabalho e ao intervalo intrajornada

AutorJessé Claudio Franco de Alencar
Páginas128-136

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1. Introdução

A chamada reforma trabalhista, positivada pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, teve entre seus objetivos declarados albergar a ideia de “prevalência do negociado sobre o legislado”, sendo de se esperar que a concretização deste postulado seja fortemente sentida na regulação da duração do trabalho. Não é por acaso que os três primeiros incisos do novel art. 611-A da CLT, o qual resguarda a prevalência dos instrumentos coletivos sobre a lei formal, dizem respeito exatamente ao “pacto quanto à jornada de trabalho”, ao banco de horas anual e ao inter-valo intrajornada. Na mesma linha, empresta-se validade às negociações coletivas que disponham diversamente da lei também no que diz respeito à modalidade de registro de ponto, a troca de dia de feriado e à prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes no Ministério do Trabalho.

A par do elastecimento do espectro de autonomia negocial no âmbito do direito coletivo do trabalho, a nova legislação também inovou ao dar validade a manifestações individuais e diretas de vontade dos empregados em pontos sensíveis de seus contratos de trabalho, afastando a necessidade de envolvimento das entidades sindicais profissionais em diversas situações.

No que diz respeito à duração das jornadas de trabalho e à possibilidade de flexibilização destas, salta aos olhos que a reforma trabalhista buscou alterar não apenas os parâmetros infraconstitucionais de regulação, mas, principalmente, e de forma radical, inúmeros entendimentos jurisprudenciais sobre o tema sedimentados ao longo do tempo.

Nesse sentido, restringiram-se as hipóteses de caracterização de tempo à disposição para fins de integração à jornada efetivamente considerada e paga pelos empregadores, foram afrouxados os requisitos para o estabelecimento válido de regime de compensação de jornadas e minoradas as consequências econômicas da violação ao intervalo intrajornada para alimentação e descanso.

Lançamos, nos tópicos seguintes, um primeiro olhar sobre as principais modificações trazidas pela reforma trabalhista sobre o tema.

2. Da duração da jornada de trabalho à luz de algumas inovações trazidas pela Lei n 13.467, de 2017
2.1. Do tempo à disposição (CLT art 4ª, caput, e § 2º)

Conquanto as normas gerais de duração do trabalho estejam albergadas nos arts. 57 a 75 da CLT, convém lembrar que é a cabeça do art. 4º da Consolidação que garante seja considerado “como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.

O alcance deste dispositivo sempre foi objeto de controvérsia, sendo recorrentes as reclamações trabalhistas versando sobre o reconhecimento e pagamento, com respectivo adicional extraordinário, do tempo em que o empregado, embora não estivesse efetivamente trabalhando, se encontrava nas dependências da empresa, antes ou depois do expediente, sendo este tempo usualmente destinado a alimentação, banho e uniformização. O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, aliás, sumulou o entendimento de que “não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc.)1

A Lei n. 13.467, de 2017, no entanto, além de renumerar e fazer um pequeno ajuste de redação no então

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parágrafo único do art. da CLT (que trata da contagem do tempo de serviço do empregado afastado para prestar serviço militar ou por acidente de trabalho), acrescenta um segundo parágrafo àquele artigo para restringir as hipóteses de caracterização de tempo à disposição do empregador, ainda que o empregado esteja dentro do estabelecimento patronal para além da jornada normal. Nesse sentido, estabelece o novo § 2º do art. 4º da CLT que por não se tratar de tempo à disposição do empregador, não será considerado como extraordinário o período em que o empregado, por escolha própria, busca proteção pessoal, em caso de insegurança ou más condições climáticas, bem como permanece nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, tais como de práticas religiosas, descanso, lazer, estudo, alimentação, relacionamento social, higiene pessoal e troca de roupa ou uniforme quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.

O rol de tarefas trazido pela lei é meramente exemplificativo e, por coerência, também deve ser desconsiderado o tempo gasto com quaisquer atividades particulares análogas e desvinculadas do processo produtivo.

Observe-se que se a troca de uniformes se der necessariamente no próprio local de trabalho, seja por deter-minação patronal, por imposição de normas de saúde pública, pela proibição de uso dessas vestimentas fora do ambiente de trabalho, como no caso dos vigilantes (art. 18 da Lei n. 7.102/83) ou por quaisquer outras razões, o tempo gasto no fardamento integrará a jornada do empregado e deverá ser computado como extraordinário caso exceda a carga normal e ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 da CLT.

2.2. Das horas in itinere (CLT art 58, § 2º)

A doutrina entende que as horas in itinere correspondem ao tempo à disposição do empregado, quando a empresa encontra-se fora do perímetro urbano, via de regra, em local de difícil acesso, ou seja, impossível de ser atingido pelo obreiro sem uso de transporte. Por essa razão, as empresas optam pela alternativa de propiciar condução a seus empregados, visando obter mão de obra pontual e assídua. Assim, o tempo gasto pelo empregado no percurso, até o local de trabalho, em veículo fornecido pelo empregador, identifica-se com a hipótese prevista no art. 4º consolidado e autoriza o pagamento pelo tempo gasto no transporte, nos termos da Súmula n. 90, I, do TST2. A partir de 19 de junho de 2001, a matéria passou também a ter tratamento legal.

A Lei n. 10.243 introduziu no art. 58 da CLT o § 2º, que dispunha: “O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.

Já a Lei Complementar n. 123, de 2006, acrescentou um terceiro parágrafo ao art. 58 da CLT para possibilitar as microempresas e empresas de pequeno porte fixar, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração.

Rompendo com o entendimento majoritário assentado há décadas, a reforma trabalhista de 2017 veio extirpar as horas in itinere do texto consolidado, revogando o § 3º e dando a seguinte redação ao § 2º do art. 58: “O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”.

Segundo os idealizadores do novo dispositivo, o regramento anterior “mostrou-se prejudicial ao empregado ao longo do tempo, pois fez com que os empregadores suprimissem esse benefício aos seus empregados3, razão pela qual acreditam que a partir da reforma o benefício voltará a ser fornecido. Com a devida vênia, a concessão do “benefício” muitas das vezes, é imperativo de existência do próprio empreendimento, uma vez que sem a condução patronal seria virtualmente impossível admitir trabalhadores capazes de chegar, de forma pontual e assídua, a local de difícil acesso ou sem transporte público. A alteração legislativa traz, ainda, incongruência ao sistema. Com efeito, além de se afastar da consagrada aplicação do art. 4º da CLT à espécie, o ordenamento jurídico passa a tratar diversamente situações fáticas análogas, pois permanece hígido o art. 294 da CLT, o qual garante aos empregados em minas no subsolo o cômputo do tempo despendido da boca da mina ao local do trabalho e vice--versa para efeito de pagamento do salário. Além disso, como bem lembra BOMFIM, o obreiro já sente o ambiente de trabalho da empresa durante o trajeto, podendo sofrer, por exemplo, punição por justa causa se praticar alguma infração prevista no art. 482 da CLT4.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal vinha sinalizando a possibilidade de que as horas in itinere fos-

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sem objeto de negociação coletiva5, permitindo a adequação da norma às especificidades de cada empreendimento ou categoria, o que poderia servir de estímulo à concessão do transporte, sem importar na genérica e indiscriminada supressão de direito assegurado há décadas ao trabalhador brasileiro.

2.3. Do trabalho em regime de tempo parcial (CLT art 58-A)

Entende-se que um horário de trabalho mais flexível e a possibilidade de emprego em tempo parcial podem incentivar a inserção e a permanência no mercado de...

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