Análise econômica da propriedade

AutorFlávia Santinoni Vera
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley
Páginas199-221
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ANÁLISE ECONÔMICA DA
PROPRIEDADE1
Flávia Santinoni Vera
Mestre e Doutora em Direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Bacharel
em Direto (2000) e em Ciências Econômicas (1986) pela UnB. Especialista em Análise
Econômica do Direito. Pós-doutora pela Universidade de Hamburgo e fellow pelo
International Centre for Economic Research (ICER) em Turim, Itália. É coordenadora
de pesquisa e professora permanente do mestrado do Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP) em Brasília e Analista Legislativo do Senado Federal desde 1985, onde
atua como pesquisadora do Centro de Estudos da Consultoria Legislativa.
Nada aguça tanto a imaginação ou afeta a humanidade como o direito de proprie-
dade ou aquela dominação despótica de um homem que clama a posse dos objetos
externos do mundo, em total exclusão aos outros indivíduos do mundo. E mesmo
assim, alguns se dão o trabalho de considerar a origem e fundação deste direito.
Sir William Blackstone
Sumário: 1. Teoria das negociações (Bargaining Theory) – 2. Da interferência do estado na
propriedade privada – 3. Direito de propriedade no Brasil na Constituição Federal – 4. Função
social da propriedade – 5. Remédios judiciais para a violação de direito de propriedade – 6.
Questões ambientais e o direito de propriedade privado; 6.1. Demarcação de terras indígenas
– 7. Conclusão – 8. Referências bibliográcas.
A análise econômica do direito de propriedade é uma das primeiras áreas objeto
de estudo da disciplina Direito e Economia. É a partir de como é regulado o direito
de propriedade, quase tão antigo no mundo quanto os códigos2, que uma sociedade
reconhece que certo bem pertence a um de seus membros e como def‌ine qual o grau de
liberdade que este membro terá para dispor do bem. Ter a propriedade sobre um bem
é condição anterior e indispensável para o indivíduo poder transacionar este bem ou
contratar com outros. É um direito inerente ao homem, intrínseco à sua identidade.
1. A autora agradece os comentários dos Consultores Legislativo Paulo Springer e Fernando Meneguin do
Centro de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado Federal que tanto contribuíram para a revisão do
capítulo.
2. Os códigos mais antigos conhecidos no mundo, o Código de Ur-NammuH, de 2100 a.C e o famoso Código
de Hamurabi de 1750 a.C., dão ênfase a normas referentes ao roubo, agricultura, criação de gado, danos à
propriedade tanto quanto assassinato, morte e injúria. Por vivermos em um mundo material e as socieda-
des serem agrupamentos de indivíduos estruturados de acordo um certo modo de produção, regras sobre
propriedade são inerentes às normas sociais, mesmo as mais primitivas, e por isso, são tão antigas quanto
os códigos e leis.
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FLÁVIA SANTINONI VERA
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Seguindo este raciocínio é fácil inferir porque o estudo do direito de propriedade
antecede ao estudo do direito de contratos, área que também integra as categorias
essenciais de direito para o estudo das consequências do direito na sociedade e para
desenvolvimento das nações.
Outra forma de pensar os benefícios de se conferir uma propriedade é pensar na
responsabilidade e interesse do proprietário. Uma república de estudantes certamente
será cuidada com menor zelo do que um quarto alugado por um estudante. Quando
cuidamos de algo “nosso”, a def‌inição de responsabilidade é clara e os benefícios
também. Da mesma forma, o uso de bem público, que é de todos e também de nin-
guém particularmente, tem que estar protegido por regras claras e monitoramento,
com sanções para maltrato, não importa o país. Esse comportamento é universal
porque estamos tratando de indivíduos, que buscam, antes de tudo, maximizar o
próprio bem-estar (ou de seus entes mais queridos), não importa a cultura, origem
ou sistema legal. Ter o direito de propriedade sobre um bem permite que a sua cir-
culação na sociedade, desde a aquisição, uso e transferência (como na alienação),
gere uma alocação de recursos mais ef‌iciente seguido de um valor adicionado. Por
consequência, a garantia de propriedade alavanca a geração de emprego e riqueza de
uma nação. Além do incentivo criado aos cidadãos para produzir, eles também farão
o melhor uso do bem, transferindo-o, quando interessante, para uma pessoa que dará
a ele um valor (e uso) maior. Uma alocação mais ef‌iciente dos recursos permite que
todos enriqueçam.3 Por sua vez, o crescimento econômico decorrente é pré-requisito
essencial para qualquer ímpeto do Estado de buscar justiça distributiva e bem-estar
social. Sociedades que garantem mais direito de propriedade privada e que permitem
um uso amplo desse direito são empiricamente mais suscetíveis ao crescimento e
desenvolvimento social e econômico.4
É importante destacar que esta disciplina não tem como objetivo a def‌inição
de direito de propriedade em sentido valorativo, mas o seu efeito para aquela socie-
dade e também a sua conexão com o crescimento econômico. Como a matemática,
busca-se uma visão essencialmente analítica, sem uma preocupação de conf‌irmar
3. Segundo a ef‌iciência de Pareto, aprimorada pela de Kaldor-Hicks, mesmo que uma alocação mais ef‌iciente
de recursos possa prejudicar alguns indivíduos, o ponto crucial é que o ganho de ef‌iciência permite que
quem ganha com a nova alocação compense aqueles que perdem.
4. O Banco Mundial, como todas as instituições internacionais com foco no desenvolvimento, em seu relatório
Doing Business” recomenda regras claras sobre PROPRIEDADE e sobre cumprimento de CONTRATOS
como instrumento de desenvolvimento social e econômico. Paradoxalmente, o combustível que permite
uma nação desenvolver está intrinsecamente relacionado com CONFIANÇA entre os cidadãos, que per-
mite cada um ter o incentivo para produzir (e usufruir disso) e para transacionar com outros (contratos)
no mercado ou oferecendo seus serviços. Assim, como indivíduos têm potenciais diferentes, eles podem
se benef‌iciar da especialização um dos outros. Usufruir dessa divisão de trabalhos é o maior benefício, e
quiçá uma manifestação do instinto de sobrevivência dos humanos, ao buscar uma vida em sociedade.
Uma sociedade que conta com um sistema legal compatível com estes valores de conf‌iança e reputação,
trabalho e respeito ao próximo, presentes em discursos sobre MORAL e ÉTICA, certamente verão ref‌lexos
imediatos aprimoramento do mercado e no bem-estar de seus cidadãos. As pessoas podem até investir em
um país que não inspira segurança, mas certamente exigirão um retorno maior para isso.
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