Analise económica do direito e a regulamentação das sociedades empresárias brasileiras: entre a autonomia de vontade e a estrita legalidade

AutorEduardo Goulart Pimenta
Páginas66-79

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Introdução

Em uma ordem económica baseada na livre iniciativa privada as diferentes modalidades de sociedades empresárias assumem fundamental papel. São elas que agrupam diferentes quantidades de capitais e pessoas com o objetivo de viabilizar e maximizar o exercício dás atividades de produção ou distribuição de bens ou de serviços com intuito lucrativo.

Deste modo torna-se primordial tanto para o economista quanto para o jurista o aprofundamento no estudo das Sociedades Anónimas e das Sociedades Limitadas, principais expoentes do direito societário brasileiro.

Este trabalho foca sua atenção sobre a Sociedade Limitada - sem, porém, deixar de recorrer, em diferentes pontos, à comparação com os preceitos das companhias - e procura descrevê-la à partir de noções eminentemente económicas.

Em um segundo momento o texto volta sua atenção para os dispositivos do Código Civil referentes ao tema para traçar-lhes o papel mais eficiente diante da feição eminentemente privada e contratual desta espécie societária.

1. A eficiência como razão da criação das sociedades de responsabilidade limitada

Entre todas as modalidades de sociedades empresárias hoje disciplinadas pela legislação brasileira a Sociedade Limitada é aquela de origem mais recente e cercada das mais significativas particularidades.

Os tipos societários atuais têm, em regra, a mesma origem de vários dos fundamentais institutos de Direito Empresarial. São historicamente o resultado das práticas reiteradas dos comerciantes medievais que, posteriormente e de forma gradual, alcançaram a legislação positiva à medida

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que se consagraram por sua grande adequação ao tráfico mercantil.1

Assim espécies societárias como a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples e a sociedade em conta de participação remetem ao período histórico em que o ainda incipiente "direito dos comerciantes" era basicamente um conjunto mais ou menos ordenado de usos e costumes adotados à margem da legislação estatal. Eram, em essência, práticas destinadas a atender às necessidades de um mercado em expansão e que, pela correspondência aos interesses dos agentes económicos, ganharam a legislação positiva.

Tais constatações se aplicam mesmo às sociedades por ações, hoje de extrema complexidade e valia. A Companhia Holandesa das índias Orientais, instituída em 1602, apresenta-se como o primeiro exemplo genuíno desta espécie associativa na evolução histórica do Direito Empresarial e também representa o desdobramento de anteriores modalidades de agrupamentos consuetudinariamente empregados por agentes económicos que pretendiam empreender juntos.2

A origem das Sociedades Limitadas, porém, segue um caminho inverso. Se, como demonstrado, as outras espécies de sociedades foram inicialmente concebidas pelas práticas do incipiente mercado medieval e apenas posteriormente reguladas pela legislação, as Sociedades Limitadas partiram, por assim dizer, da legislação para o mercado.

Conforme concordam a maioria dos estudiosos este modelo societário foi, antes de tudo, uma criação efetivada por intermédio de uma legislação específica. Não se afigura, portanto, como um instituto desenvolvido no campo das relações comer-ciais. Trata-se de um modelo societário criado em um contexto histórico determinado e por meio de normas gerais e abstra-tas com o intuito de atender, antes de mais nada, à eficiência do Direito.

A Sociedade Limitada como hoje a conhecemos foi instituída pela lei alemã de 1892, de iniciativa do deputado Oechel-haueuser.3 A Alemanha vivia, à época, forte crise económica e havia então grande interesse e necessidade de se estabelecer incentivos àqueles que pudessem se dedicar à atividade empresarial.

Faltava, porém, um modelo de sociedade adequado aos empreendedores de pequeno e médio porte. As Sociedades Anónimas não lhes atendia dados a extremada formalidade e rigor da legislação, certamente mais voltada às grandes aglomerações de acionistas.

Também as demais sociedades então conhecidas não eram economicamente eficientes, pois, se por um lado eram disciplinadas por uma legislação menos onerosa, por outro exigiam a presença de ao menos um integrante disposto a assumir a responsabilidade pessoal e ilimitada pelos débitos vinculados ao exercício da atividade empresarial.

Faltava, então, um modelo societário que fundisse o que houvesse de mais adequado em cada uma das espécies até então conhecidas, ou seja: uma sociedade que fosse tão simples de se constituir como as sociedades com sócios de responsabilida-

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de ilimitada e que também garantisse a todos os seus integrantes o que até então era privilégio exclusivamente dos aciònistas: a efetiva separação entre o património pessoal dos sócios e os débitos contraídos em nome da pessoa jurídica.

"De fato, na segunda metade do século passado, sèntia-se na Alemanha que os tipos de sociedade existentes não atendiam aos anseios e preocupações de grande faixa de comerciantes, que não sendo portadores de vultosos capitais, nem querendo correr os riscos da responsabilidade ilimitada, não podiam ou não lhes convinha, adotar a fornia de' sociedade anónima, de constituição difícil, dependente de autorização, dispendiosa e extremamente burocratizada. O ideal seria então um tipo social que, embora limitando a responsabilidade dos sócios, tal como na anónima, desta diferiria,- no entanto, na vedação da cessi-bilidade das quotas sociais a estranhos, na forma de constituição mais simplificada e na direção pessoal dos negócios sociais."4

O sucesso da então recém instituída sociedade de responsabilidade limitada (Gesellschaft rriit Beschrãnkter Haftung, ou simplesmente GmbH) alemã foi tão rápido e de proporções tão significativas que provocou a quase imediata adesão de outros ordenamentos à nova espécie societária. É assim que já em 1906 temos a edição da legislação austríaca, em 1911 a legislação portuguesa e já no ano seguinte, por iniciativa de Herculano Marcos Inglês de Souza,5 o Brasil se movimentava no sentido de consagrá-la em sua legislação positiva, o que, porém, só veio a ocorrer em 1919 com a edição do Decreto-lei n. 3.708.

O hoje tão empregado instituto da Sociedade Limitada resulta de uma preocupação eminentemente económica, qual seja a de estabelecer o adequado incentivo para os pequenos e médios empreendedores. É talvez um dós mais felizes exemplos de; institutos jurídicos desenvolvidos com o direto objetivo de atender à maximização da riqueza.

A importância das Sociedades Limitadas (até 2002 legalmente denominadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada) em nosso país é inegável, uma vez que representa, segundo as estatísticas do Departamento Nacional de Registro de Comércio no período de 1985 a 2005, 48,23% do total de empresários do país e 98,93% das sociedades empresárias aqui constituídas.6

2. O contrato de sociedade e seu caráter relacional

O art. 981 do Código Civil brasileiro define o contrato de sociedade como o acordo de vontades pelo qual duas ou mais pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para a realização de atividade económica com ò objetivo de partilhar entre si os resultados monetários do empreendimento.

A essência das sociedades em geral -e da Sociedade Limitada em particular -está, portanto, no fato de que representa um instrumento jurídico destinado a agrupar diferentes pessoas interessadas em se dedicar conjuntamente e de forma organizada ao exercício de uma atividade de cunho económico, notadamente de caráter empresarial.

Ainda quanto ao objeto do contrato de sociedade é correto lembrar que embora o

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parágrafo único do próprio art. 981 do Código Civil brasileiro admita o emprego desta modalidade contratual para a efetivação de apenas um ou mais negócios determinados (como se vê nas chamadas sociedades de propósito específico) resta inegável que, em regra, o vínculo entre os sócios se funda na intenção de realizar atividades de caráter contínuo e duradouro. "A atividade económica empresarial é um fazer especial, porque implica produzir para mercados de forma continuada, não esporádica ou episódica".7

Vale lembrar ainda, em complemento, que a sociedade é um dos melhores exemplos daquelas situações em que os partícipes de um mesmo ato têm na mútua colaboração a melhor escolha para a maximização de seus próprios interesses.

Cada sócio tem mais a ganhar se elé e os demais integrantes da sociedade se dispõem a seguir seus deveres legais e contratuais e a cooperar cóm o exercício do objeto social. Tal afirmação sustenta-se especialmente em modalidade societárias nas quais, como na Sociedade Limitada, assume-se que o dever de colaboração do sócio implica em uma obrigação positiva, um efetivo agir no sentido da consecução do objeto social.8

O contrato de sociedade impõe-se como uma situação social em que a maximização dos interesses de um dos agentes económicos envolvidos depende também das escolhas e atos empreendidos pelos demais partícipes. A maximização dos ganhos da sociedade - e, por consequência, de cada um dos sócios - está na cooperação de todos os contratantes.

É, portanto, uma situação apta a ser submetida aos modelos económicos ligados à Teoria dos Jogos. Segundo Rachel Sztajn os "(...) contratos constituem modelos de cooperação para benefício mútuo, daí por que aplicações da teoria dos jogos...

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