Análise sobre a formação dos alunos do 'I Curso de Especialização em Direitos Humanos para Educadores do Ensino Fundamental e Médio' para lidar com o bullying nas escolas

AutorLeonardo Fagundes de Moura
Páginas529-556

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Apresentação

"Análise sobre a formação dos alunos do I Curso de Especialização em Direitos Humanos para Educadores do Ensino Fundamental e Médio, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, para lidar com o Bullying nas escolas", é o objeto do presente estudo. Consistindo em uma pesquisa de campo de natureza qualitativa, teve como objetivo investigar a qualidade da formação desses profissionais no que se refere ao conhecimento e à capacidade para lidar com o problema de Bullying nas escolas. Para coleta de dados, foi escolhido como instrumento de pesquisa o questionário, voltado para dez educadores/alunos de tal curso que, no momento, encontrava-se em fase final de formação. Para análise e discussão dos dados, os questionários foram organizados em categorias. Os resultados obtidos com essa pesquisa mostraram que o bullying não é um fenômeno exclusivo de alguns países e que pode ser encontrado em todas as escolas do mundo. As diversas formas sob a qual o bullying pode se manifestar, os atores e as consequências tanto para quem pratica quanto para quem sofre com esse tipo de violência, também foram apresentados. Neste trabalho defende-se, ainda, que a principal forma para se combater o Bullying é a conscientização, cujo cenário principal é a escola, e os atores os profissionais envolvidos na educação. Estão em jogo nessa luta épica,

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os bens mais preciosos da humanidade: a solidariedade, o respeito às diferenças, a tolerância, a cooperação, a justiça, a dignidade, a honestidade, a amizade e o amor ao próximo.

1 Introdução

A violência é cada vez mais fenômeno social que atinge governos e populações, tanto global quanto localmente, no público e no privado, estando seu conceito em constante mutação, uma vez que várias atitudes e comportamentos passaram a ser reconhecidos como formas de violência.

Devido à generalização do fenômeno da violência, não existem mais grupos sociais protegidos, diferentemente de outros momentos, ainda que alguns tenham mais condições de buscar proteção institucional e individual. Isto é, a violência não mais se restringe a determinados nichos sociais, raciais, econômicos e/ou geográficos, entretanto, ela pode se acentuar por gênero, idade, etnia e classe social, independentemente se como vítimas ou como agentes.

Sabe-se que a violência é um problema com consequências muito graves, tanto psicológicas quanto social, em especial para crianças em fase de desenvolvimento, ainda mais no convívio escolar.

Infelizmente, muitas vezes o ambiente externo é reproduzido nas escolas, fazendo com que as instituições deixem de ser ambientes seguros e se transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo.

A violência escolar está relacionada a todo o tipo de comportamento agressivo e antissocial, inclusive os conflitos interpessoais, vandalismo, atos criminosos etc. Muitas dessas atitudes derivam de fatores que podem estar além da capacidade e competências das entidades de ensino, porém muitas podem ser resolvidas no próprio ambiente escolar.

Essas relações nocivas dentro da escola são atualmente estudadas e conhecidas pelo termo inglês Bullying, quando alguém faz ou diz algo negativo de forma sistemática para ter poder sobre outra pessoa. E essa agressividade nas escolas é um problema que vem crescendo a cada dia. O Bullying, de acordo com o Programa de Combate a Intimidação Sistêmica1, pode ser definido como:

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[...] todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes.

A preocupação do presente estudo foi verificar se os especialistas em Direitos Humanos, formados pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, estão qualificados para enfrentarem o problema do Bullying nas escolas em que atuam, procurando uma solução para resolver este problema que vem, crescentemente, atormentando muitas pessoas envolvidas.

Para tal, levantou-se a qualidade da formação dos alunos do "I Curso de Especialização em Direitos Humanos para Educadores do Ensino Fundamental e Médio" no que se refere ao conhecimento e à capacidade para lidar com o problema de Bullying nas escolas, buscando verificar e compreender o conhecimento desses futuros especialistas sobre a questão do Bullying, identificando pontos relevantes e lacunas na formação destes, além de levantar subsídios que possam colaborar para a superação do problema do Bullying.

2 A violência nas escolas

Segundo Carraro2, aquilo que chamamos violência escolar é fonte de angústia social, que faz com que se pense que estamos caminhando a passos largos para uma decaída civilizatória sem retorno. São exemplos disso a percepção de que há perda da inocência das crianças e jovens, que a escola não é mais um lugar protegido onde se possa deixar os filhos, que os professores e funcionários são desrespeitados e agredidos verbal e fisicamente, e que há possibilidade de que o fenômeno não se restrinja apenas à escola, mas que ele se espalhe por toda a sociedade, caso não seja controlado a tempo.

As pessoas costumam identificar a violência escolar como fenômeno relativamente novo (algo que teria surgido nos anos 80 e se desenvolvido nos anos 90). Alguns mesmo chegam a demarcar a redemocratização como o princípio do fim da autoridade escolar e a consequente degeneração do comportamento dos alunos.

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Diferentemente, a violência escolar não é algo novo. A literatura registra casos desde o século XIX; o cinema trata o tema desde, pelo menos, a década de 50. O que se pode dizer, contudo, é que a natureza da violência e a forma como a sociedade enxerga os atos violentos mudam com o tempo. É preciso, então, não perder a dimensão histórica da análise dos fenômenos. A partir dos anos 90, as pesquisas apontam mudanças no padrão da violência observada nas escolas públicas. Além dos atos tradicionais de vandalismo, percebe-se o aumento das agressões interpessoais, sobretudo entre o público estudantil; as agressões verbais sendo as mais frequentes, e também agressões a professores com frequência que já não podem ser desconsideradas.

Como tentativa de diminuição dessa violência escolar, o pesquisador americano Peter Lucas3registrou que nos EUA, na cidade de Boston, a reivindicação pela instalação de detectores de metais na entrada das escolas chegou a atingir prioridade mais alta do que o aumento salarial na pauta do sindicato dos professores. Já na França, em escolas situadas em "bairros difíceis", foi instituída a figura de jovens mediadores, que não possuem uma função específica nem poder de sanção, mas que precisam estar disponíveis 39 horas semanais na escola para atuarem quando necessários na mediação de conflitos.

3 O que pesquisas sobre o tema violência nas escolas têm revelado?

Bernard Charlot4cita como os pesquisadores franceses estabeleceram diferenças entre a violência (que fere a lei), a transgressão (que fere o regimento da instituição escolar) e a incivilidade (que fere as regras da boa convivência). Esta categorização da violência escolar tem o efeito positivo de colocar ordem nas ideias e hierarquizar os fenômenos, evitando que tudo seja computado como algo que contribui da mesma forma, intensidade e consequência para um quadro de violência. A busca por delimitar os fenômenos também tem como efeito positivo criar condições para atuar com precisão sobre as causas e contribuir para diminuir a angústia pessoal e institucional de que tudo aquilo que não se coaduna com as regras é vetor construtor da violência. Desta forma, torna-se possível distinguir indisciplina, mau comportamento e violência propriamente dita.

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Debarbieux5, fazendo levantamento das pesquisas sobre violência nas escolas francesas, afirma que elas têm revelado a presença cada vez maior da violência verbal ou da "falta de respeito" nas relações entre os participantes da dinâmica escolar. As principais queixas de alunos e professores franceses enfocam mais a "falta de respeito", as incivilidades, do que agressões físicas.

Segundo Abramovay e Rua6, as incivilidades contra pessoas podem tomar a forma de intimidações físicas (empurrões, escarros) e verbais (injúrias, xingamentos e ameaças).

As incivilidades são os embates cotidianos, as divergências por vezes não discutidas e não negociadas que se expressam em forma de "agressões menores", pois vêm com uma roupagem que choca menos que uma agressão física, por exemplo. São essas "agressões menores" que acabam minando o clima do ambiente escolar. "A incivilidade permite pensar as micro violências que, se acumulando, tornam inabitável o mundo dos homens", diz Debarbieux7.

Pensando a realidade brasileira, nota-se que as estatísticas geralmente retratam a condição da escola pública realçando muito mais as violências físicas ou contra o patrimônio da escola do que as violências que se estabelecem cotidianamente nas relações interpessoais. Embora haja um discurso pedagógico do que é a violência, abordando todos os aspectos envolvidos, formando assim uma classe de discurso "politicamente correto", percebe-se uma fraca discussão entre professores, pedagogos e diretoria, dos casos de violências que efetivamente estão presentes na escola. Por vezes, como cita Abramovay e Rua8, as agressões verbais são consideradas...

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