Anexo I

AutorAntonio Buono Neto/Elaine Arbex Buono
Ocupação do AutorMédico Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica e Medicina do trabalho pela AMB, ex-Presidente da Comissão de Perícias Médicas da ANAMT ex-Presidente da Sociedade Paulista de Medicina do Trabalho, Perito Judicial/Médica Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica e Medicina do trabalho pela AMB, ex-Membro da Comissão de Perícias ...
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Seção I Atualização clínica dos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho - DORT
1. Introdução

Os Distúrbios do Sistema Osteomuscular Relacionados ao Trabalho têm-se constituído um grande problema da saúde pública em muitos dos países industrializados.

A terminologia “Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho” tem sido preferida por alguns autores a outras, tais como Lesões por Traumas Cumulativos - LTC, Lesões por Esforços Repetitivos - LER, Doença Cervicobraquial Ocupacional - DCO e Síndrome de Sobrecarga Ocupacional - SSO, por evitar que na própria denominação já se apontem causas definidas (como por exemplo, “cumulativo” nas LTC e “repetitivo” nas LER) e os efeitos (como por exemplo, “lesões” nas LTC e LER).

Apesar da adoção de nova terminologia - DORT - para fins de atualização desta norma, o uso do termo LER nesta seção justifica-se, para se manter a referência bibliográfica.

As LER representam um grupo heterogêneo de quadros clínicos, alguns deles bem definidos como tenossinovite, sinovite ou epicondilite e outros mais difusos.

O estigma criado em torno da LER contribui para que o paciente tenha receio em recorrer à assistência médica, a não ser quando já se encontra com dificuldade de manter o ritmo de trabalho. Somado a esta situação, o paciente enfrenta o afastamento do trabalho, o que significa geralmente perda econômica e afastamento do círculo que lhe é habitual e no qual tem um papel definido socialmente.

Encontrar um tratamento que seja adequado é mais um dos desafios que acaba enfrentando. Infelizmente, a grande maioria da rede de tratamento, pública ou privada, ainda está despreparada para receber esse paciente. O mercado, que obedece à lei da quantidade e não da qualidade, geralmente oferece profissionais não-qualificados, sem informações sobre a fisiopatologia da LER, usando aparelhagem ineficaz, e sem visão e prática interdisciplinares necessárias no caso.

No Brasil, há uma epidemia de queixas de LER. Estatísticas dos serviços de saúde públicos e privados, e em especial os de saúde do trabalhador, mostram que em todo o País as LER ocupam posição de destaque entre a demanda. Este fato e a incapacidade para o trabalho por tempo prolongado exigem da parte dos profissionais de segurança, saúde, ergonomia e produção, sindicatos e empresas seriedade na abordagem dos diversos aspectos envolvidos, tanto na ocorrência e agravamento do quadro, como na possibilidade de diagnóstico precoce, tratamen to e reabilitação adequados.

2. Conceito

Entendemos Lesões por Esforços Repetitivos - LER como uma “síndrome clínica”, caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações objetivas e que se

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manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superio res em decorrência do trabalho.

O termo LER é genérico, e o médico deve sempre procurar determinar o diagnóstico específico. Como se refere a diversas patologias distintas, torna-se difícil estabelecer o tempo necessário para uma lesão persistente passar a ser considerada como crônica. Além disso, até a mesma patologia pode se instalar e evoluir de forma diferente, dependendo dos fatores etiológicos.

Com todas essas limitações, o que se pode dizer é que as lesões causadas por esforços repetitivos são patologias, manifestações ou síndromes patológicas que se instalam insidiosamente em determinados segmentos do corpo, em consequência de trabalho realizado de forma inadequada. Assim, o nexo é parte indissociável do diagnóstico que se fundamenta numa boa anamnese ocupacional e em relatórios de profissional que conhece a situação de trabalho, permitindo a correlação do quadro clínico com a atividade ocupacional efetivamente desempenhada pelo trabalhador, donde a proposta da nova terminologia Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho - DORT.

3. Aspectos epidemiológicos

Com o advento da Revolução Industrial, quadros clínicos decorrentes de sobrecarga estática e dinâmica do sistema osteomuscular tornaram-se mais numerosos. No entanto, apenas a partir da segunda metade do século, esses quadros osteomuscula res adquiriram expressão em número e relevância social, com a racionalização e inovação técnica na indústria, atingindo particularmente perfuradores de cartão. Esses autores explicam a disseminação da prevalência das LER pelo aumento da carga do trabalho contínuo resultante do uso inadequado de sistemas de esteiras; aumento do trabalho manual que requer movimento dos dedos, bem como movimentos repetitivos dos membros superiores; inadequação dos mobiliários; controle estrito do trabalho pela gerência e diminuição de pausas e tempo livre.

Entre outros países que viveram epidemias de LER, estão a Inglaterra, os países escandinavos, os Estados Unidos e a Austrália.

A ocorrência das LER em grande número de pessoas em diferentes países provocou uma mudança no conceito tradicional de que o trabalho pesado, envolvendo esforço físico, é mais desgastante que o trabalho leve, com determinado esforço mental, e sobrecarga dos membros superiores, e relativo gasto de energia.

Há que se lembrar de que, ao contrário de previsões feitas na década de 80, a incidência de LER vem aumentando nos países industrializados, nos quais as características da organização do trabalho de forma geral privilegiam o paradigma da alta produtividade e qualidade do produto em detrimento da preservação do trabalhador, devido à inflexibilidade e alta intensidade de ritmo, grande quantidade e alta velocidade de movimentos repetitivos, falta de autocontrole sobre o modo e ritmo de trabalho, mobiliário e equipamentos ergonomicamente inadequados.

As Lesões por Esforços Repetitivos no Brasil foram primeiramente descritas como tenossinovite ocupacional. Foram apresentados, no XII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho - 1973, casos de tenossinovite ocupacional em lavadeiras, limpadoras, engomadeiras, recomendando-se que fossem observadas pausas de trabalho daqueles que operam intensamente com as mãos.

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A partir de 1985, surgem publicações e debates sobre a associação entre tenossinovite e o trabalho de digitação, que resultaram na publicação da Portaria n. 4.062, em 6 de agosto de 1987, pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, reconhecendo a tenossinovite como doença do trabalho. Nesta época, as Comunicações de Acidentes do Trabalho - CAT’s de tenossinovites registradas no INSS concentravam-se na função de digitadores.

Posteriormente, observou-se no Brasil o surgimento de casos em diferentes ocupações exercendo atividade de risco. Por exemplo, em 1991 o Núcleo de Saúde do Trabalhador INSS/SUS/MG registrou casos de Lesões por Esforços Repetitivos nas seguintes funções: digitador, controlador de qualidade, embalador, enfitadeiro, montador de chicote, montador de tubos de imagem, operador de máquinas, operador de terminais de computador, auxiliar de administração, auxiliar de contabilidade, operador de telex, datilógrafo, pedreiro, secretário, técnico administrativo, telefonista, auxiliar de cozinha e copeiro, eletricista, escriturário, operador de caixa, recepcionista, faxineiro, ajudante de laboratório, viradeiro e vulcanizador.

4. Fatores de risco

O desenvolvimento das Lesões por Esforços Repetitivos é multicausal, sendo importante analisar os fatores de risco envolvidos direta ou indiretamente. A expressão fator de risco designa, de maneira geral, os fatores do trabalho relacionados com as LER. Os fatores foram estabelecidos, na maior parte dos casos, por meio de observações empíricas e depois confirmados com estudos epidemiológicos.

Os fatores de risco não são independentes. Na prática, há a interação destes fatores nos locais de trabalho. Na identificação dos fatores de risco, deve-se integrar as diversas informações. Sobre o plano conceitual, “os mecanismos de lesão dos casos de LER são considerados um acúmulo de influências que ultrapassam a capacidade de adaptação de um tecido, mesmo se o funcionamento fisiológico deste é mantido parcialmente”.

Na caracterização da exposição aos fatores de risco, alguns elementos são importantes, dentre outros:

  1. a região anatômica exposta aos fatores de risco;

  2. a intensidade dos fatores de risco;

  3. a organização temporal da atividade (por exemplo: a duração do ciclo de trabalho, a distribuição das pausas ou a estrutura de horários);

  4. o tempo de exposição aos fatores de risco.

    Os grupos de fatores de risco das LER podem ser elencados como:

  5. ...

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