Anexo V - Petição inicial da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho postulando o controle de jornada para motoristas

AutorAndré Franco De Oliveira Passos/Edésio Passos/Sandro Lunard Nicoladeli
Páginas330-346

Page 330

EXMO(A) JUIZ(A) DO TRABALHO DA ___ VARA DO TRABALHO DE RONDONÓPOLIS/MT

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO
— OFÍCIO DE RONDONÓPOLIS, com endereço na Rua Itrio Correa da Costa, 937, Cidade Salmen, Rondonópolis, Mato Grosso, por seus Procuradores do Trabalho infra assinados, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com espeque nos arts. 127, caput e 129, III, da Carta Magna; arts. 6º, VII, d, 83, I e II e 84, II da Lei Complementar Federal n. 75/93; arts. 5º, § 6º e 21 da Lei n. 7.347/85; arts. 566, II, 632 e 645 do CPC e, arts. 876 usque 883, da CLT, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

Em face dos seguintes réus:

1) SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGA NO ESTADO DE MATO GROSSO — SINDMAT (1º réu), inscrito no CNPJ n. 24.671.588/0001-73, com sede na Rua A, Quadra 4 — Casa 11 — Jardim Burity, Cuiabá/MT, CEP 78.090-480;

2) CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE — CNT (2ª ré), inscrita no CNPJ n. 00.721.183/0001-34, com sede na SAUS Quadra 1, Bloco J, Edifício CNT — 13º andar, Entrada 10/20 — Brasília/DF, CEP: 70.070-010;

3) AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES — ANTT (3ª ré), inscrita no CNPJ n. 04.898.488/0001-77, com sede no Setor Bancário Norte (SBN), Quadra 2, Bloco C, Brasília/DF — CEP 70.040-020.

O que faz com base nas razões fáticas e jurídicas a seguir aduzidas:

I — DOS FATOS

O Ministério Público do Trabalho, por seu Ofício em Rondonópolis-MT, tem sido destinatário de numerosas denúncias envolvendo, entre outras infrações trabalhistas, a extrapolação de jornada de trabalho no segmento de transporte rodoviário de cargas.

As mencionadas denúncias deram origem aos seguintes procedimentos investigatórios: Autos de Mediação n. 002/2007; Representação n. 53/2007, Inquérito Civil n. 282/04 e os Procedimentos Preparatórios de Inquérito Civil n. 19/2007, 14/2007, 50/2007, 51/2007, 54/2007, 61/2006, 83/2005 e 110/2005.

Não obstante a questão seja fartamente demonstrada pelos depoimentos colhidos no âmbito do Ministério Público do Trabalho, decidiu-se pela realização de pesquisas clínicas e sociais diretamente com os motoristas nas rodovias federais de Mato Grosso, isto com o objetivo de colher informações científicas e estatísticas que pudessem traçar os exatos contornos do problema enfrentado.

A primeira pesquisa foi realizada no dia 23 de maio de 2007, no posto da Polícia Rodoviária Federal localizado em Rondonópolis, na BR 364, saída para Cuiabá-MT, uma equipe formada por membros do Ministério Público do Trabalho, Fiscalização do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal, realizou a coleta de urina de 104 (cento e quatro) motoristas e recolheu o questionário preenchido por 122 (cento e vinte e dois) profissionais (relatório conclusivo, autorizações de coleta, resultados dos exames e questionários insertos no anexo III).

Mesmo com um índice de recusa de fornecimento de amostra de urina equivalente a 14,75% (o que denota a subestimação dos resultados), os resultados, conforme demonstrado no relatório conclusivo da diligência (anexo III), demonstraram a enorme gravidade da situação.

Quanto ao consumo de cocaína, o resultado foi surpreendente, pois 51% dos testados apresentaram resquícios da droga, sendo, pois suspeitos do uso e 3% estavam em estado de alucinação, totalmente desprovidos de qualquer condição física para estar no volante de um veículo.

Page 331

Quanto à análise da anfetamina (popular “rebite”), houve a constatação de 8% de positividade clínica.

Considerando as duas drogas em conjunto (anfetamina e cocaína), os testes demonstraram que a positividade chegou a 10%.

Entretanto, considerando que 42% dos suspeitos de uso de cocaína, em resposta ao questionário, admitiram o uso da droga, é possível inferir a confirmação do uso de drogas para, pelo menos, 21 (vinte e um) dos suspeitos.

Fazendo essa inferência no universo total, concluiu-se que 30% dos motoristas entrevistados na primeira operação fazem uso de drogas.

Entretanto, Excelência, o Ministério Público do Trabalho chama a atenção para o seguinte fato revelado nas pesquisas: o uso de drogas é um artifício utilizado para suportar as longas jornadas de trabalho impostas pelas empresas de transporte.

Os números da primeira pesquisa demonstraram que 99% dos motoristas trabalham mais de 9 horas por dia, ou seja, acima do limite diário constitucionalmente definido.

No universo total de motoristas entrevistados, 40% trabalha entre 13 e 16 horas por dia e 31% trabalha mais de 16 horas por dia.

Entre os motoristas que admitiram o uso de drogas, o percentual dos que trabalham mais de 16 horas por dia sobe para 46%.

Portanto, o uso de drogas não é uma opção para os motoristas, mas sim uma imposição para que consigam cumprir uma jornada desumana.

Nem mesmo no período da Revolução Industrial se viu uma exploração tão acentuada do ser humano.

IMPORTANTE RESSALTAR: a excesso abusivo de jornada está diretamente vinculado à relação de emprego.

Ou seja, ainda que indiretamente, são os patrões quem impõem a execução de jornadas absolutamente inadequadas aos limites biológicos e sociais do ser humano.

Os resultados demonstraram essa conclusão de modo irrefutável, pois mesmo no grupo de empregados não comissionados, 96% deles trabalham mais de 9 horas por dia, sendo que destes, 26% trabalham mais de 16 horas diariamente.

Outro dado que evidencia essa conclusão é a revelação de que nenhum motorista autônomo trabalha mais de 16 horas, sendo que 33% deles informaram que trabalham, no máximo, 12 horas por dia.

Portanto, a sobrejornada abusiva é inerente à condição de subordinação dos motoristas empregados.

Não se pode olvidar, porém, que também os autônomos estão trabalhando além do razoável, pois 100% deles declararam que trabalham 9 ou mais horas por dia, sendo que 33% trabalha entre 13 e 16 horas diariamente.

Por essa razão, o Ministério Público do Trabalho vem a juízo pleitear a restrição da sobrejornada não apenas para os empregados motoristas, mas também para os motoristas autônomos.

Buscando demonstrar que a pesquisa realizada em Rondonópolis reflete a realidade média do que ocorre em todo o Estado do Mato Grosso, nova pesquisa foi realizada no dia 28 de agosto de 2007, no posto da Polícia Rodoviária Federal, na BR 163, próximo a Diamantino-MT.

Conforme tabulação comparativa entre a primeira e a segunda pesquisa, cujos questionários e resultados de exames desta encontram-se no anexo IV, os números da segunda pesquisa confirmaram e enfatizaram tudo o que foi constatado na primeira pesquisa.

Cabe destacar, porém, a positividade clínica do uso de coca-ína QUINTUPLICOU, passou de 3% para 15%!

Isto se deve à queda no índice de recusa de fornecimento da urina que, acredita-se, ocorreu pela difusão na sociedade, de que o objetivo do Ministério Público do Trabalho era buscar meios de efetivar o controle de jornada dos motoristas rodoviários de carga.

Cumpre salientar que o Ministério Público do Trabalho, buscou, à exaustão, oportunizar aos sindicatos a possibilidade de construírem uma regulamentação mais adequada às especificidades do segmento, atendeu ao pedido do Sindicato Laboral e deu início ao processo de mediação coletiva, atuando, entre junho e julho de 2007, na condição de media-dor no processo de negociação da Convenção Coletiva para vigorar a partir de 2007.

Todavia, durante os trabalhos ficou claro o desinteresse das partes em abordarem a regulamentação da jornada de trabalho, o que levou o Ministério Público do Trabalho a deixar o procedimento (atas insertas no anexo V).

Ante a recalcitrância dos sindicatos em disporem sobre a regulamentação da jornada de trabalho, o Ministério Público expediu, em 25 de julho de 2007, Notificação Recomendatória (anexo VI) determinando às agremiações laboral e patronal que, entre outros assuntos, fosse regulamentada a limitação e a forma de controle da jornada de trabalho dos motoristas.

Não obstante isso, conforme comprova o instrumento cole-tivo anexo (anexo VII), os sindicatos firmaram convenção coletiva que, ao invés de regulamentar o controle da jornada, estabeleceu, nos §§ 3º e 4º da sua cláusula 5º, dispositivos que visam, claramente, dificultar o controle de jornada, buscando afastar o uso do tacógrafo e do rastreador de satélite como instrumentos hábeis a comprovar a jornada de trabalho dos motoristas.

Este fato deu origem à execução extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta n. 009/2007 (anexo II), no qual o sindicato laboral dos motoristas se comprometeu a não firmar cláusulas com esse conteúdo e finalidade.

Em face da pronta reação do Ministério Público do Trabalho, as mencionadas disposições coletivas foram devidamente denunciadas pelas partes, conforme comprova o termo aditivo da convenção coletiva (anexo VIII).

Merece destaque, também, o reconhecimento pela classe patronal de que a atuação dinâmica de trabalho implementada no transporte rodoviário de cargas impõe o uso de drogas.

Page 332

Destarte, em 21.8.2007, uma comissão de empresários do ramo de transporte de carga, oriundos de Cuiabá e Rondonópolis, representados pelo SINDMAT (1º réu), reuniu-se com o Ministério Público do Trabalho na sede do SEST/SENAT de Rondonópolis, para debater a anunciada pretensão do Ministério Público em restringir a prestação de serviços dos motoristas empregados e autônomos em determinado período do dia. Pois bem, durante a citada reunião o Sr. Antônio Carlos Feibez, dirigente da transportadora BERGAMASCHI, assim se manifestou, conforme comprova o registro da ata (anexo IX):

O Sr. Antônio Carlos Feibez, também da Bergamachi, lembrou que os embarcadores BUNGE e ADM exigem que cargas carregadas em Rondonópolis sejam entregues em três dias nos portos do nordeste. Que para cumprir essa meta os motoristas fazem uso de “rebite” (grifei).

Na mesma reunião, chamou a atenção o fato de que algumas empresas transportadoras já adotam, por conta própria, a restrição de tráfego das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT