Ângulo pragmático: análise dos julgados no STJ e STF

AutorRicardo Anderle
Ocupação do AutorDoutor em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas197-236
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ÂNGULO PRAGMÁTICO: ANÁLISE DOS
JULGADOS NO STJ E STF
Por mais que um referencial teórico concebido pelo cien-
tista do direito possa mostrar-se logicamente consistente,
hígido e coerente, a partir do momento em que é proposto
como ferramenta útil à resolução de problemas jurídicos reais
torna-se importante o exame da forma como se dá a sua apli-
cação prática, sobretudo pelo Poder Judiciário, o intérprete
autêntico do ordenamento jurídico.
Observamos que as limitações do intelecto – sejam as na-
turais, de ordem cognitiva, sejam as circunstanciais, de ordem
prática – impõem-se de tal modo, como elemento onipresen-
te no constante processo de intercomunicação entre a teoria
(doutrina) e a prática, que a postura de indiferença em face
desse elemento em nada contribui para aprimorar a ciência
do direito. Acerca do tema, Paulo de Barros Carvalho lem-
bra as lições de Pontes de Miranda: “Não há diferença entre
teoria e prática, mas aquilo que existe é o conhecimento do
objeto: ou se conhece o objeto ou não se conhece o objeto”.485
485. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da in-
cidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 5.
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RICARDO ANDERLE
Dado ser a norma jurídica produto de um esforço inte-
lectual, e não produto direto da manifestação do legislador no
ato de edição do suporte físico da norma, impõe-se observar
que o conteúdo das normas jurídicas gerais e abstratas a ser
delimitado pelo intérprete, dentro daquele espaço semântico
consensualmente admitido pela linguagem, há de ostentar
moldes replicáveis genericamente, de modo a serem aplica-
dos sobre indistintas e inúmeras relações jurídicas, com al-
gum teor satisfatório de precisão, por injunção da segurança
jurídica.
Afinal, se o construtivismo lógico-semântico permite-nos
assumir, por mais rigoroso que seja o esforço hermenêutico,
a existência de significados diversos sobre um mesmo signo,
e a existência de diversas proposições normativas sobre um
mesmo enunciado prescritivo, cremos que o vetor da segu-
rança jurídica, na sua feição de sobreprincípio da certeza do
direito, deve nortear a atividade de interpretação dos textos
normativos.
Com essa afirmação, estamos apenas admitindo as conse-
quências da indiscutível relevância do princípio em questão:
“A certeza do direito é algo que se situa na própria raiz do
dever-ser, é ínsita ao deôntico, sendo incompatível imaginá-
-lo sem determinação específica”.486 É essencial, portanto, por
força do sobreprincípio da segurança jurídica, que as proposi-
ções normativas delimitadas pelo intérprete contenham, sem-
pre que possível, determinações específicas.
Em virtude disso, entendemos que não poderíamos igno-
rar nesta obra a análise do aspecto pragmático – ângulo que
investiga a forma como intérpretes atribuem valores aos sig-
nos dispostos no ordenamento jurídico –, acerca dos conflitos
de competência.
486. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 2. ed.
São Paulo: Noeses, 2009, p. 276.
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CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE O ISS, ICMS E IPI
Observamos, desde logo, que, se a jurisprudência produ-
zida pelos tribunais superiores não labora em prol da segu-
rança jurídica nesse assunto, no sentido de pacificar a aplica-
ção dos critérios de resolução dos conflitos de competência,
há uma grande probabilidade de tal circunstância originar-se
do problema da vagueza ou da ambiguidade que semantica-
mente recaem sobre os critérios elaborados, tanto pelos tribu-
nais, como pela ciência do direito.
Daí a nossa preocupação em incorrer em uma investiga-
ção da jurisprudência produzida pelo STJ e STF em relação
aos litígios deflagrados em torno dos conflitos de competên-
cia estabelecidos entre o ISS e o ICMS e entre o ISS e o IPI.
O objetivo imediato da pesquisa é identificar os argumentos
utilizados por esses tribunais e compará-los entre si e com os
critérios doutrinários evidenciados no capítulo anterior.
Pretendemos avaliar o cenário jurisprudencial sob a óti-
ca da segurança jurídica, procedendo à observação das ativi-
dades econômicas com maior índice de litigiosidade.487 Nossa
análise parte dos julgamentos desde os primeiros registros
encontrados (ano de 1969 no STF e 1989 no STJ) até o mês de
setembro de 2015, em um total de 781 decisões (vide Apêndice
do livro).
4.1 Metodologia
O trabalho que se propõe a investigar, com foros de cien-
tificidade, a jurisprudência dos tribunais, deve-se fundar em
metodologia específica, razão pela qual apresentamos a se-
guir a sistemática empreendida para perseguir os objetivos
propostos neste capítulo:
487. Fornecimento de alimentos e bebidas em bares e restaurantes, licença ou ces-
são de uso de sistemas e programas de computador, fornecimento de medicamentos
manipulados, composição gráfica, gravação e distribuição de filmes e vídeos, bene-
ficiamento e afins e construção civil.

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