O ano do direito público em 2009: Jurisdição administrativa, Mídia e internacionalização do direito

AutorSiddharta Legale Ferreira; Elisa C. Oliveira; Allãn Sinclair; Marcus Vinícius Bacelar Romano; Rachel Veríssimo; Caio Leal
Páginas128-170

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I Nota prévia

O contexto deste anuário1 é a consolidação dos estudos de casos na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense2-3-4-5-6-7. Desde 2007, existem projetos de monitoria, intitulados “Observatórios de Jurisprudência”, como, por exemplo, o “Observatório de Jurisprudência do STF”, coordenado pelo professor Cláudio Pereira de Souza Neto. Em 2009, projetos assim se multiplicaram, chegando a contar com o “Observatório de Legislação, Doutrina e Jurisprudência do Mercosul, coordenado pelo professor Eduardo Val, tendo sido, inclusive, promovido um ciclo de palestras sobre a “Jurisprudencialização do Direito” pela Revista de Direitos dos Monitores da UFF no mesmo ano. Em 2010, foi lançado o primeiro edital para o mestrado profissionalizante em Jurisdição administrativa, que possui a Mídia como uma de suas vertentes.

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Por tudo isso, monitores e alunos se uniram com intuito de resumir e descrever os mais notáveis casos de 2009, cujos principais destaques envolveram a relação com a mídia e a internacionalização do direito. Isso ocorreu, especialmente, em razão do interesse em compreender e analisar a intensa judicialização da vida e da política8. Diante de um contexto em que o papel da jurisprudência na construção do direito é realçado, de fato, torna-se mais relevante o estudo de casos concretos9.

Outra instituição que ganhou particular relevo nas últimas décadas no Brasil foi a Mídia. Cada vez mais, nota-se o aprofundamento do diálogo entre a Mídia e o Poder Judiciário, constatando-se assim uma midiatização do direito, bem como uma judicialização da mídia. Nesse contexto, serão selecionados e apresentados, a seguir, brevemente os principais julgados de 2009 para o direito público. O corte temático atribuído à seleção considera dois pontos da jurisdição administrativa – aquela que se refere a causas de direito público ou de interesse da administração10.

Em primeiro lugar, dedica-se especial atenção a casos de maior repercussão na mídia ou para a mídia. Em segundo lugar, o enfoque recai na aproximação entre o plano nacional e o internacional que tem ocorrido de forma mais acentuada por conta da internacionalização do direito. O fato de o segundo grupo de casos possuir como diretriz a temática da internacionalização pauta-se em três fundamentos. Institucionalmente, os professores da casa possuem essa inclinação. O professor de Direito Internacional Público, Eduardo Val, tem debatido vivamente as questões relacionas ao Mercosul. O professor de Direito Constitucional, Gustavo Sampaio, tem apontado a importância do diálogo entre o direito internacional e o constitucional. O professor de Teoria do Direito, Alexandre Veronese, temPage 130 uma contribuição relevante para o conceito de direito em rede, paradigma útil em tempos de internacionalização11. A professora de Direito de Família, Fabiana D´Andrea, possui uma habilidade especial para conectar sua disciplina com o direito internacional privado, matéria que também já lecionou na nesta faculdade. O professor de Direito Internacional Privado, Ricardo Perlingeiro, tem se destacado no meio jurídico em temas relacionados à cooperação jurídica internacional. Por fim, a professora de Direitos Humanos e de Direito Penal, Mônica Paraguassu, é particularmente sensível ao tema12.

Do ponto de vista teórico, além da sensibilidade acadêmica dos professores da casa, o tema tem adquirido projeção contemporânea no Brasil e no Mundo. Não se trata de uma tendência meramente local da Faculdade de Direito da UFF, sendo assim constatadas manifestações de âmbito nacional e global. Em Portugal, a obra de Canotilho se inclinou nesse sentido13. Na Alemanha, Peter Häberle fala em Estado constitucional cooperativo14 e Ingolf Pernice15 em constitucionalismo multilevel. No Brasil, existem estudos dos professores Celso Albuquerque de Mello16, Flávia Piovesan17 e Marcelo Neves18, de modo que é perceptível a aceleração da passagem do neoconstitucionalismo para um constitucionalismo internacionalizado.

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Em outras palavras, 2009 foi o ano da crise e da globalização, como demonstram a realização de Conferências Internacionais, a criação de Planos de Ação de ordem internacional, dentre estes, a meta penal com a ONU19 e a reunião das Cortes constitucionais do Mercosul20, sendo, desta forma, ampliado o intercâmbio de precedentes de uma Corte para outra21.

A internacionalização do direito, assim como a relação entre Mídia e Judiciário, são temas atuais e de grande relevância, merecendo assim uma análise mais aprofundada. Por fim, a última justificativa para escolha da referida temática se fundamenta na própria jurisprudência brasileira a qual tem realmente buscado ou simplesmente sido compelida a admitir tal aproximação.

Estimular novos caminhos e descobrir novas potencialidades é a tarefa deste anuário. Contextualizada e justificada a estruturação dos grupos de casos, ficam claros, nessa nota prévia, os critérios que conduziram à escolha dos julgados mais emblemáticos de 2009 para o direito público.

II Jurisdição administrativa, Mídia e democracia

A liberdade de expressão é extremamente importante para o Estado democrático de direito. As diversas propostas de democracia deliberativa, quais sejam, procedimental22,Page 132 substantiva e cooperativa23 consideram-na uma imprescindível pré-condição para uma democracia bem estruturada. Sem cidadãos aptos a manifestarem-se na esfera pública de forma livre e igual, não há deliberação, nem democracia. Adquire particular relevo, nesse contexto, o papel do Judiciário, em especial da jurisdição constitucional, na defesa desses pressupostos da deliberação no espaço público. Não bastam eleições periódicas. É necessário também o discurso do maior número de agentes de forma livre, com respeito às liberdades de expressão, informação e associação.

É de se esperar que, diante disso, a cooperação e a tensão entre o Judiciário e a Mídia fiquem em evidência. Se para o Judiciário é importante vigiar as condições para a cooperação na deliberação democrática, é verdade que ele deve ser seletivamente permeável ao diálogo com a mídia. De forma direta, uma opinião pública ativa e uma mídia plural também são imprescindíveis para a jurisdição administrativa desempenhar, de forma adequada, um Estado democrático de direito. Do contrário, os “guardiões de promessas”24 não são vigiados. À pergunta quem guarda os guardiões, responde-se com os pré-interpretes de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição25, composta por uma mídia plural na qual atuam por professores, jornalistas, redatores e etc.

O contexto contemporâneo é mais complexo do que de costume. O Estado, o que não exclui o Poder Judiciário, pode ser o amigo imprescindível da liberdade de expressão, mas também pode ser arquiinimigo26. Assim também é a mídia. Diante da falha de uma dela, deve haver críticas e sugestões da outra. Por outro lado, os acertos devem ser mantidos, divulgados e difundidos. O diálogo e a influência recíproca são benéficos para proteção dos direitos fundamentais e para o autogoverno popular27. Com essas premissas, são descritos e observados os casos de 2009.

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a) ADPF da Lei de imprensa

A Lei nº 5.250 de 1967 foi alvo da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, cujo julgamento foi pela procedência28. Os principais argumentos mobilizados, a partir do voto do Relator, o Ministro Ayres Britto, foram os seguintes: (i) A extração da relação entre os direitos da própria Constituição; (ii) Insuscetibilidade de restrição à liberdade; (iii) Vedação de Lei estatuária sobre a imprensa; (iv) A natureza das normas de imprensa seria de eficácia plena ou irregulamentáveis; (v) As finalidades político-ideológicas subjacentes à lei; (vi) Vedação de crimes diferenciados para jornalistas e o cidadão comum.

Em sentido contrário, houve quem votasse tanto pela improcedência total, quanto pela parcial. Pela total improcedência, votou o Ministro Marco Aurélio, segundo o qual julgar que a lei não teria sido recepcionada significaria derrubá-la “de cambulhada”. No seu entender, uma Lei de Imprensa que, ainda que aprovada durante o regime autoritário, perdurou durante 20 anos da nova Constituição não deveria ser julgada inconstitucional. Sua substituição deveria ficar a cargo do legislador.

Pela procedência parcial, votaram os Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie e, de certo modo, também o Ministro Gilmar Mendes. Os dois primeiros entenderam que os artigos 20, 21 e 22 da Lei de imprensa, que abordam figuras penais possuem penas levemente maiores que relativas à calúnia, injúria e difamação, previstas no Código penal. Resultado: no âmbito da comunicação pública e social, são compatíveis com a Constituição. O Ministro Gilmar Mendes, ora Presidente do STF, mostrou-se preocupado especificamente com o direito de resposta. A não recepção da lei deixaria, segundo o Ministro, um vazio normativo já que, apesar de constitucionalmente previsto, muitas regras específicas sobre o direito de resposta estão previstas nessa lei. Sugeriu a manutenção que não passou.

A posição do relator, que impede a restrição aos direitos fundamentais, adota uma teoria libertária da liberdade de expressão. Defende-se um mercado livre de idéias, desprovido de interferências do legislador. Apostou no Judiciário para resolver as controvérsias semPage 134...

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