Os anos de formação na grande metrópole

AutorFrancisco De Sales Gaudêncio/Hernani Maia Costa
Páginas105-165
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OS ANOS DE FORMAÇÃO NA GRANDE
METRÓPOLE
São Paulo nos anos quarenta
Seguindo o ritmo das décadas anteriores, a cidade de São
Paulo dos anos quarenta, conheceria signif‌icativas transformações
que iriam mudar em def‌initivo suas antigas feições. Apresentava
uma população que andava por volta dos 1.500.000 de habitan-
tes, bem mais que o dobro dos 580.000 dos anos vinte. A antiga
vila de Piratininga estava a caminho de se tornar uma moderna
metrópole e o respectivo processo que se acentuaria da década se-
guinte, tinha, no cosmopolitismo e no progresso, as expressões de
uma cidade em franco crescimento, marcada agora pela diversida-
de de suas funções e atividades econômicas. Em meados de cin-
quenta, a terra da garoa, como ainda era conhecida, ganhou o me-
recido slogan: “São Paulo é a cidade que mais cresce no mundo”.
A crescente industrialização era uma realidade, e seguindo
o padrão de décadas anteriores, o território a ela reservado era
ainda o das várzeas dos rios Tietê, Tamanduateí e, em menor es-
cala, do rio Pinheiros. De uma maneira geral, a localização das in-
dústrias de então era determinada pelas estradas de ferro que se
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estenderam aproveitando os vales. O aumento do número de imi-
grantes e o af‌luxo dos grandes contingentes de migrantes, cres-
centes na década de 1930, promoveram o crescimento de bairros
operários como o Brás, a Mooca, a Bela Vista, o Belenzinho, a Lapa
e a Vila Leopoldina entre outros tantos, com suas habitações tipi-
camente populares: casas simples, baixas e modestas, na maioria
das vezes geminadas. Na sua área central, ao mesmo tempo que se
verif‌icava a rápido deslocamento do Triângulo Histórico – o cen-
tro velho – para o Centro Novo, abrangendo o novo Viaduto do
Chá, a rua Barão de Itapetininga, a Avenida Ipiranga e a Praça da
República, São Paulo conhecia também um processo acelerado de
verticalização. Os grandes edifícios e as modernas galerias, além
de oferecerem novos espaços de moradia em modernos aparta-
mentos, destinavam-se sobretudo aos prof‌issionais liberais, dis-
pondo para isso de grandes salas para a instalação de escritórios,
enquanto suas áreas térreas eram ocupadas por estabelecimentos
comerciais.
Na área compreendida entre a Avenida Paulista, Brigadeiro
Luís Antônio, Avenida Brasil e Avenida Rebouças surgiriam os
bairros-jardins, ou simplesmente os Jardins, que acabariam por
se constituir em uma das regiões mais nobres da cidade. O Jardim
América, o primeiro deles, vinha sendo planejado e executado
desde 1915, pela Companhia City of São Paulo, uma grande em-
presa imobiliária londrina, seguindo o modelo das modernas ci-
dades-jardins, característico da urbanização inglesa na passagem
do século XIX para o século XX. Moradias amplas e confortá-
veis, com áreas ajardinadas e muros baixos, o traçado das ruas
pontuado por praças e espaços públicos arborizados seriam as
marcas que distinguiam o moderno bairro paulistano, e que em
muito contribuíram para atrair uma nova burguesia paulistana,
ávida por morar bem ao estilo europeu. O sucesso desse projeto
imobiliário da Cia. City estimulou outros empreendimentos, se-
guindo-se então, o Jardim Paulista, o Jardim Europa e o Jardim
Paulistano. As restrições às atividades industriais e comerciais, a
construção de igrejas e a instalação de clubes sociais, além da
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abertura de uma nova avenida – a Nove de Julho – no f‌inal dos
anos 30, ligando a região ao centro da cidade, completavam o
elenco de atrativos que naturalmente trariam os futuros mora-
dores. Af‌inal, como apregoavam os panf‌letos que anunciavam os
modernos lançamentos imobiliários daqueles anos, o ar livre do
campo e todo conforto da cidade só seriam encontrados reunidos
nos Jardins, o bairro mais nobre da capital.
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Foi nessa cidade que se metamorfoseava, e mais especif‌ica-
mente no Jardim Paulista, que Paulo de Barros Carvalho veio ao
mundo, em 15 de dezembro de 1938. Na época do seu nascimen-
to, a família Barros Carvalho morava na rua Augusta, mudando
depois para uma casa na Alameda Lorena, onde ele viveria os seus
primeiros anos. Dessa casa, porém, e até pela tenra idade, não
guarda nenhuma lembrança.
Ele próprio reconhece o quanto é difícil falar de si mesmo
quando se trata de recordar coisas de um passado distante. Isso,
quando as recordações são vagas, povoadas por f‌iguras um pouco
apagadas pelo tempo e cujos nomes, difíceis de serem lembrados,
desf‌ilam silenciosamente pela memória. Recordações que levam a
uma São Paulo desse início dos anos quarenta, muito diferente da
atual, e mais especif‌icamente, a uma casa da Rua Peixoto Gomide,
2022, quase na esquina com a Rua Estados Unidos, apenas há
alguns passos do Jardim América, onde ele passou sua infância
e parte da adolescência. A São Paulo de então, mesmo já osten-
tando ares de uma metrópole, ainda conservava, de certa forma,
o jeito típico de uma cidade calma e amena. Nas ruas, pouco mo-
vimentadas do bairro eram muitos os espaços vazios e da avenida
Brigadeiro Luiz Antônio, um dos limites dos Jardins, era possí-
vel ver a cobertura vegetal dos matagais do Ibirapuera, onde as
crianças iam caçar com estilingues ou brincar com suas bicicletas,
depois de atravessar a avenida ainda parcialmente calçada com
paralelepípedos; o Parque do Ibirapuera, como se conhece hoje,

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