Anotações sobre o direito comparado

AutorEdilson Pereira Nobre Júnior
CargoProfessor Titular da Faculdade de Direito do Recife
Páginas96-111
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
çã
o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. ANOTAÇÕES SOBRE O DIREITO COMPARADO . Revista Acadêmica da Faculdade de
Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadê mica, p. 96-111. Nov. 2021. ISSN
2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/art icle/view/252571>
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ANOTAÇÕES SOBRE O DIREITO COMPARADO
NOTES ON THE COMPARATIVE LAW
Edilson Pereira Nobre Júnior
RESUMO
O presente texto se caracteriza pela exposição de noções relativas ao estudo do direito
comparado. Aborda sua importância, evolução histórica, natureza, funções, técnicas e direitos a
comparar, entre outros aspectos.
Palavras-chaves: Direito comparado; Ciência. Método; Funções; Famílias jurídicas.
ABSTRACT
This text is characterized by the exposition of notions related to the study of comparative
law. It addresses its importance, historical evolution, nature, functions, techniques and rights to be
compared, among other aspects.
Keywords: Comparative law; Science; Method. Functions; Legal families.
“O direito comparado é uma école de vérité que intensifica e enriquece a “oferta de
soluções” (Zitelmann)
1
.
1 POR QUE COMPARAR?
A compreensão de um fenômeno, qualquer que seja, pressupõe o seu destaque dos demais,
para que com estes possa ser confrontado. Daí resultam distinções e semelhanças com as
características que lhes distanciam e que lhes são comuns.
Nesse diapasão, Beviláqua
2
traçou a síntese segundo a qual a percepção da diferença e da
O presente artigo se destina à edição comemorativa de cento e trinta anos da Revista Acadêmica da Faculdade de
Direito do Recife. A escolha do tema sucedeu em face do prestígio que, nessa instituição, teve e continua tendo o
estudo do direito comparado, a partir das lições de Clóvis Beviláqua, Antônio de Andrade Bezerra e Ivo Dantas,
cujas contribuições doutrinárias se encontram a ilustrar vários exemplares deste periódico. Essa singularidade é
objeto tanto de reconhecimento internacional quanto interno. Demonstração disso se vê em Constantinesco (Tratado
de direito comparado. Introdução ao direito comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 145-146. Tradução de
Maria Cristina de Cicco), ao se referir à importância da contribuição de Beviláqua para o ensin o de legislação
comparada, o que foi ratificado por Haroldo Valadão (O estudo e o ensino do direito comparado no Brasil: séculos
XIX e XX. Revista de Informação Legislativa, n. 30, v. 8, p. 9-10, abril-junho de 1971), o qual se reportou igualmente
referindo-se à de Antônio de Andrade Bezerra. Recentemente, Ana Lúcia de Lyra Tavares (O ensino do direito
comparado no Brasil contemporâneo. Direito, Estado e Sociedade, n. 29, p. 74, dezembro de 2006) destaca a
atualidade de Ivo Dantas na continuidade de tais iniciativas.
 Professor Titular da Faculdade de Dir eito do Recife. Pós-Doutoramento pelo Instituto Jurídico da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra. Desembargador do Tribunal Regional Federal da Quinta Região.
1
“El derecho comparado es una école de vérité que intensifica y enriquece la “oferta de soluciones”. Passagem referida
por Adrián Mancera Cota (Consideraciones durante el pr oceso comparativo. Boletín Mexicano de Derecho
Comparado, ano 41, n. 121, p. 218, jan./abr. 2008), a partir de transcrição de Zweigert, Konrad y Kötz (Introdución
al derecho comparado. 3. ed. México, 2002. p. 17. Tradução para o espanhol por Arturo Aparicio Vázquez).
2
Applicação do methodo comparativo ao estudo do direito. Revista Acadêmica , v. 1, n. 1, p. 89, 1891.
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
çã
o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. ANOTAÇÕES SOBRE O DIREITO COMPARADO . Revista Acadêmica da Faculdade de
Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadê mica, p. 96-111. Nov. 2021. ISSN
2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/art icle/view/252571>
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semelhança constituem duas operações fundamentais da inteligência humana. E com o Direito não
se tem uma exceção. Daí falar-se de direito comparado ou comparação jurídica.
Percebe-se de Constantinesco
3
que, ciência ou método, o direito comparado
4
constitui o
resultado da sintonia de dois fenômenos principais. O primeiro é a ampliação do horizonte histórico
e científico, que, então, já no século XIX, não pode se limitar à Europa, ignorando outros povos,
culturas e civilizações
5
. O segundo reside na radical e veloz transformação do mundo no qual
habitamos, o qual vem sendo unificado cada vez mais, de modo que a vida econômica, política,
jurídica e cultural vai superando a barreira das fronteiras nacionais
6
.
Semelhante a percepção de Jorge de Miranda
7
, ao notar que as causas gerais do
desenvolvimento do direito comparado na contemporaneidade estão ligadas a duas ordens de
fatores, quais sejam o desenvolvimento da própria ciência jurídica e o incremento das relações
internacionais e da circulação das pessoas e bens.
Aduz que, à proporção que a ciência jurídica vai auferindo maior consciência da sua
dimensão, abrindo-se para métodos cada vez mais exigentes, bem como procurando conceitos mais
apurados, inclina-se a extravasar das fronteiras e a perseguir o que se passa noutros países.
Por sua vez, Graciela Medina
8
, a pretexto de realçar, na atualidade, a importância do estudo
do direito comparado, expõe que os estudantes dos cursos jurídicos, quando transformados em
advogados, terão a necessidade de se deparar, para o exercício de seu labor, com uma profusão de
sistemas jurídicos, chegando a se tornar insuficiente o só conhecimento do modelo nacional.
Além disso, a inexorável frequência e intensidade com as quais se vão multiplicando as
relações comerciais internacionais ampliam diz a autora o próprio âmbito da comparação que
não pode se restringir aos sistemas da Europa continental e do common law. Prova disso está na
circunstância de que inúmeras questões transnacionais e internacionais hão de encontrar a sua
solução ao nível jurídico regional.
Rematando, afirma que a rasison d’être do ensino do direito comparado reside em que o
jurista do século XXI se acha inserto num mundo global, com comunicações cada vez mais velozes
e eficientes, de sorte que tais estudos permitirão àquele resolver os conflitos que lhe são postos
pela dinâmica social com soluções adotadas noutros lugares, uma vez as tensões conflitivas
estarem, a cada dia, tornando-se mais homogêneas.
Isso sem contar que aos operadores jurídicos estão disponíveis o conhecimento dos
julgados dos tribunais estrangeiros, ao instante no qual proferidos, bem assim a legislação
3
Ibid., p. 8.
4
Constantinesco na nota de rodapé 1 (ibid., p. 4) lança uma explicação terminológica, reservando a expressão “Direito
comparado” p ara as situações nas quais se refere à ciência autônoma, enquanto que “método co mparativo” será
utilizada quando se visualizar apenas o método de comparação. Quando, no trato da matéria, se disser respeito à
disciplina jurídica autô noma, optar-se-á por “ciência dos Direitos comparados”. Não seguiremos tal orientação . A
ausência de uma maior habilidade para discorrer sobre o tema nos faz com que utilizemos tanto a expressão método,
com ou sem adjetivação, ou direito comparado, grafando o primeiro vocábulo com minúscula, tal como praticamos
com os diversos ramos jurídicos. A opção pela navegação à vista da costa se nos afigura a melhor medida, pois reduz
as consequências adversas em caso de um naufrágio.
5
Nesse aspecto, diz o autor: “Na realidade, porém, é o direito comparado que mais contribui para ampliar o horizonte
das ciências jurídicas nacionais e para conhecer e compreender algo do Direito dos outros povos” (ibid ., 22).
6
O raciocínio é favorecido com a ob servação de Rodríguez Galán (El método en el derecho co mparado. In:
ABERASTURY, Pedro (coord.). Estudios de derecho comparado. 1. ed. Buenos Aires: EUDEBA, 2 016. p. 164.),
de não se apresentar casual que, em deter minados momentos da história de uma civilização, surjam em diferentes
nações inquietudes jurídicas comuns. A semelhança de problemas diz é consequência de o fato das civilizações
marcharem inspiradas por idênticos fundamentos filosóficos que se re fletem em todas as manifestações da
cosmovisão que as promovem. O entendimento se refor ça à medida que se intensifica o processo globalizante, o
qual acarreta uma homogeneidade cultural.
7
Sobre o direito constitucional comparado. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 55, p. 248-249,
abr./jun. 2006.
8
La enseñanza del Derecho Comparado. In: ABERASTURY, Pedro (coord.). Estudios de derecho comparado . 1. ed.
Buenos Aires: EUDEBA, 2016. p. 33-36.

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