Luto e melancolia em Anti-Cristo: um olhar clínico sobre as confissões do realizador

AutorMaria Virginia Filomena Cremasco, Iara Pichioni Thielen
CargoProfessora Adjunta III do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná - Psicóloga, Doutora em Ciências Humanas (UFSC-2002)
Páginas32-49
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 32-49, jan/jun. 2010
Luto e melancolia em Anti-Cristo: um olhar clínico sobre as
confissões do realizador
Mourning and Melancholy in Anti-Christ: a clinical approach on the
confessions of director
Maria Virginia Filomena Cremasco1
Iara Pichioni Thielen2
RESUMO
Este artigo se propõe a realizar um diálogo entre o cinema e a psicanálise sobre os
temas do luto e da melancolia. O filme Anti-Cristo (2009) de Vars Von Trier e seus
depoimentos sobre a depressão que vivenciou antes de sua realização são os
materiais ilustrativos que servem de suporte para a realização de uma leitura clínica
que focaliza as diversas facetas do sofrimento humano no luto e na melancolia.
Elementos simbólicos do filme se entrelaçam com a subjetividade de seu realizador
construindo um diálogo interdisciplinar que aborda o trauma do sofrimento psíquico
do luto para a psicanálise em suas interfaces de realidade e ficção.
Palavras-chave: Melancolia. Luto. Trauma. Depressão. Psicanálise.
ABSTRACT
This article intends to conduct a dialogue between cinema and psychoanalysis on the
themes of mourning and melancholy. The film Anti-Christ (2009) of Vars Von Trier
and his testimonials about his depression experienced before the movie‟s realization
are illustrative materials that support the implementation of a clinic reading that
focuses the various facets of human suffering present in the mourning and the
melancholy. Symbolic movie‟s elements interact with the director‟s subjectivity
building an interdisciplinary dialogue that addresses the trauma of psychological
suffering for the psychoanalysis and its reality and fiction interfaces.
Key-words: Melancholy. Mourning. Trauma. Depression. Psychoanalysis,
1 Professora Adjunta III do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná e membro
da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. virginiacremasco@ufpr.br
2 Psicóloga, Doutora em Ciências Humanas (UFSC-2002), Professora do Departamento de Psicologia
da Universidade Federal do Paraná, Coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da UFPR.
iara.thielen@gmail.com
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 32-49, jan/jun. 2010
No lançamento do filme Anti-Cristo no Festival de Cannes em 2009, Lars Von
Trier faz um convite para o público: “eu gostaria de convidá-los a lançar um olhar
furtivo atrás da cortina, um olhar sobre o universo sombrio de minha imaginação:
sobre a natureza de meus medos, a natureza de Anti-Cristo”.
Um filme sobre os medos e a imaginação sombria de seu realizador nos faz
questionamentos: a especificidade dos conteúdos subjetivos de um indivíduo numa
grande tela de projeção pública. Uma „evasão da privacidade‟ emotiva do autor que
permitiria ao público suas próprias projeções?
Nosso objetivo é para além de um „olhar furtivo atrás das cortinas‟ como o
realizador nos convida, inclinarmo-nos também sobre isso que aparece em seus
depoimentos como seu sofrimento, material a partir do qual o filme foi realizado:
“Geralmente eu me sinto calmo e satisfeito, mas não dessa vez. Eu não tenho medo
de fazer filmes, eu não tenho medo de declarar uma coisa e de ser julgado em
seguida. Dessa vez, eu tinha simplesmente medo de estar lá. Isso implica uma certa
claustrofobia de mostrar uma grande realização como essa e de ser o centro dela
e eu fui um centro consideravelmente pobre nesse filme, em relação aos outros. Eu
sentia que me faltava prazer, alegria.”
Todos os depoimentos de Von Trier que aqui são citados foram retirados de
entrevistas que ele realizou a Knud Romer (2009) por ocasião do lançamento do
filme no Festival de Cannes e que foram publicadas na ocasião por Danish Film
Institute. As traduções foram realizadas livremente pelas autoras.
o temos o intuito de esgotar significados ou interpretações possíveis sobre
o filme, sua importância para o realizador ou para o público. O que nos impulsiona a
desenvolver esse diálogo entre cinema e psicanálise é a possibilidade que Von Trier
nos abre ao expor como o filme foi engendrado a partir de seus próprios materiais
psíquicos e emocionais e seu depoimento nos possibilita um olhar clínico,
metodologia que seguiremos para desenvolver nossas idéias.
É necessário entender o termo clínico em sua etimologia que se origina de
klinè em grego, o leito. A technè clinikè era a arte de se inclinar em direção ao
doente, ou seja, um cuidado que se faz próximo ao sujeito afetado, atingido pelo
sofrimento (pathos).

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