Antinomia e dever de coerência: identificação e técnica de resolução da incoerência enunciativa no direito

AutorCristiano Araújo Luzes
Páginas281-308
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ANTINOMIA E DEVER DE COERÊNCIA:
IDENTIFICAÇÃO E TÉCNICA DE RESOLUÇÃO
DA INCOERÊNCIA ENUNCIATIVA NO DIREITO
Cristiano Araújo Luzes1
1. Identificação do conflito normativo
Em que consiste propriamente um conflito normativo?
Conflitos normativos não são apenas contradições. Podem ser,
em certo sentido de contradição, mas não apenas isso. Uma
contradição se expressa pela enunciação de dois estados de
coisas em que um representa a negação do outro. A título de
exemplo, as proposições “A é B” e “A é não-B” são contradi-
tórias porque ambas não podem ser ao mesmo tempo verda-
deiras. A verdade de uma exclui a da outra. Isso porque opera
a lei lógica da não-contradição, i.e., uma coisa não pode ser e
não ser ao mesmo tempo. Essa lei lógica, contudo, vale para os
enunciados descritivos, não vale para no plano do dever-ser2.
1. Doutorando pela PUC-SP, mestre pela UFPE e especialista pelo IBET. Advogado
e professor de direito.
2. Como diz Lourival Vilanova, “carece de sentido próprio dizer de uma norma que
é verdadeira ou falsa, consoante a conformidade ou desconformidade da conduta
efetiva com a norma. Não se lhe aplica, acrescentemos, nem o critério da
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
No âmbito normativo esse tipo de contradição não se dá, pois
as normas não possuem validade em função de uma corres-
pondência à identidade do objeto enunciado, mas em função
do valor ou desvalor que se atribui à proposição normativa, a
partir da competência de fala da autoridade3. Isso se dá porque
inexiste qualquer razão lógica que torne por si só inválida a
proposição de uma autoridade pelo fato de ser contraposta à
decisão de outra autoridade, e nada pode prevenir que as au-
toridades emitam proposições incoerentes4. Como afirma Vila-
nova, “o que é logicamente impossível, a validade conjunta de
normas contraditórias, é empiricamente existente5.
Se da mera contradição sintática não é possível concluir
pela existência de um conflito normativo, visto que dessa con-
tradição por si só não se infere a invalidade da norma, nem a
prevalência de uma sobre outra, então um caminho viável será
a pragmática da comunicação jurídica. É certo que num sis-
tema dinâmico, como é o direito positivo, possam existir duas
normas contraditórias entre si, contudo isso não significa que
possam ser aplicadas simultaneamente. É que “a mesma con-
duta não pode estar simultaneamente normada em oposição
verificação empírica dos enunciados descritivos de realidades, nem o critério lógico
da consistência dos enunciados formais” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas
e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2010, p. 165).
3. As antinomias não podem ser conflitos lógicos. Elas implicam contraditorieda-
des, porque estabelecem diretivas que não podem ser ao mesmo tempo cumpridas,
mas isso não implica a invalidade de uma proposição normativa. O fato de ser im-
possível cumprir prescrições de condutas opostas não infirma a norma, pois sua
validade, no sistema dinâmico, advém da autoridade e procedimento de quem as
emite, não das leis lógicas. Como diz Lourival Vilanova, “se o sistema de Direito po-
sitivo fosse sistema científico, necessariamente seguiria a lei lógica de não-contradi-
ção. Mas não é sistema científico” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sis-
tema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2010, p. 156). É fato que o intérprete
pode fazer uso de uma lei lógica, como a lei da não-contradição, para estabelecer
uma harmonia, mas isso estará no campo da metalinguagem, da descrição das pro-
posições, não afetará a validade mesma das proposições prescritivas.
4. NAVARRO, Pablo; RODRÍGUEZ, Jorge. Deontic Logic and Legal Systems. New
York: Cambridge University Press, 2014, p. 176.
5. VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São
Paulo: Noeses, 2010, p. 168.

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