Antropocentrismo e refugiados ambientais

AutorCláudia Maria da Costa Gonalves, Márcio Seligmann Silva, Rodrigo Barbalho Desterro e Silva, Thiago Allisson Cardoso de Jesus
Páginas222-241
ANTROPOCENTRISMO E REFUGIADOS AMBIENTAIS
Cláudia Maria da Costa Gonçalves1
Márcio Seligmann-Silva2
Rodrigo Barbalho Desterro e Silva3
Thiago Alisson Cardoso de Jesus4
Resumo
Apresenta-se uma reflexão crítica sobre os caminhos da técnica com destaque para a sua relação com uma economia
capitalista que vê na natureza apenas uma fonte de lucro. Analisam-se as relações entre a teoria da sociedade do risco, a
formação dos refugiados ambientais e as históricas violências estruturais que demarcam o Brasil Contemporâneo. Por outro
lado, a realidade da fauna brasileira e o cenário de violação causado pelo ser humano como uma força geológica prejudicial
à preservação dos animais não humanos, têm sido fator que contribui para o agravamento da situação ambiental. Discutem-
se as contradições do contrato político quando se trata da proteção dos animais não humanos.
Palavras-chave: Técnica. Sociedade de risco. Refugiados. Contrato político.
ANTHROPOCENTRISM AND ENVIROMENTAL REFUGEES
Abstract
A critical reflection on the paths of technique is presented, highlighting its relationship with a capitalist economy that sees in
nature only a source of profit. The relations between the risk of society theory, t he formation of environmental refugees and
the historical structural violence that demarcate Contemporary Brazil are analyzed. On the other hand, the reality of Brazilian
fauna and the scenario of violation caused by humans as a deleterious geological force to the preservation of non-human
animals has been a contributing factor to the worsening of the environmental situation. Contradictions of the political contract
are discussed when it comes to the protection of non-human animals.
Keywords: Technique. Risk Society. Refugees. Political contract.
Artigo recebido em: 11/11/2019. Aprovado em: 30/01/2020
1 Doutora em Políticas Públicas.Professora Associada da Universidade Federal do Maranhão. Procuradora do Estado do
Maranhão. E-mail: claudiacg@uol.com.br
2 Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada. Professor titular de Teoria Literária na UNICAMP e Pesquisador do
CNPq, Universidade Estadual de Campinas. Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada. E-mail:
marcioseligmann@icloud.com
3 Mestrando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Professor na Faculdade Florence.
E-mail: rdesterro@gmail.com
4 Advogado. Doutor em Políticas Públicas.Professor Adjunto I, Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Universidade
CEUMA. Doutor em Políticas Públicas. E-mail: t_allisson@hotmail.com
Cláudia Maria da Costa Gonçalves, Márcio Seligmann-Silva, Thiago Alisson Cardoso de Jesus e Rodrigo Barbalho Desterro
e Silva
222
1 INTRODUÇÃO
A história da técnica, de certo modo, confunde-se com a história da humanidade.
Tornamo-nos humanos na medida em que nos separamos da natureza: ao menos esse é o nosso mito
originário “ocidental”. Prometeu pr esenteou a humanidade com o fogo, ou seja, com o saber técnico, e
foi castigado por isso. Zeus não o perdoou por tornar os humanos inteligentes como os deuses.
na modernidade ocidental, no final do século XVIII e, sobretudo no século XIX, a estrutura
estatal do poder assentou-se nas configurações do contrato político. Esse movimento foi veiculado através
de constituições, em geral, herdeiras dos paradigmas liberais burgueses do mesmo período. Portanto, o
conceito desse contrato esteve, por muito tempo, inteiramente alicerçado no tripé: liberdade; igualdade e
fraternidade. Eis, contudo, a crítica de Santos (1999, p. 34):
Como qualquer outro contrato, o contrato social assenta em critérios de inclusão que,
portanto, são também critérios de exclusão. São três os critérios principais. O primeiro é que
o contrato social inclui apenas os indivíduos e suas associações. A natureza é excluída do
contrato, e é significativo a este respeito que o que está antes ou fora dele se designe por
estado de natureza. A única natureza que conta é a humana, e mesmo esta conta apenas
para ser domesticada pelas leis do Estado e pelas regras de convivência da sociedade civil.
Toda outra natureza ou é ameaça ou é recurso. O segundo critério é o da cidadania
territorialmente fundada. Só os cidadãos integram o contrato social. Todos os outros sejam
eles mulheres, estrangeiros, imigrantes, minorias (e, às vezes, maiorias) étnicas são dele
excluídos. Vivem no estado de natureza mesmo quando vivem na casa dos cidadãos. Por
último, o terceiro critério é o do comércio público dos interesses. Só os interesses
exprimíveis na sociedade civil são objeto de contrato. Estão, portanto, fora dele a vida
privada, os interesses pessoais de que é feita a intimidade e o espaço doméstico.
Em síntese, o citado contrato, mesmo substituindo os paradigmas dos súditos e reis tão
defendidos por Maquiavel (2000) por governos e cidadãos, não ultrapassou o agigantamento dos
poderes políticos, econômicos e sociais. Muitas dessas experiências, em pleno s éculo XXI, ainda estão
banhadas por uma espécie de “servidão voluntária” – expressão de La Boétie (2017) que conduz
àquilo que Dejours (2006) denominou normopatia1, ou seja, perda da capacidade de sentir, julgar e
agir.
Da abstrata mitologia grega ao imaginário tecnológico do século XXI, as injustiças sociais
mostram suas faces diante de um mundo de concentração de poder e riquezas. Nesse contexto, os
refugiados ambientais e os desequilíbrios ecológicos, tais quais o poema de Castro Alves - Ahasverus
e o gênio - trazem à tona o sacrifício a que são cruelmente submetidas tantas vidas. Por conseg uinte,
discutir-se-ão, adiante, algumas questões concernentes a esses refugiados ambientais, seus dilemas e
a baixa proteção da vida, em um tempo que já é de curto tempo.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT