Apanhado e Observação dos Fatos

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas271-279

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As circunstâncias qualificam os fatos e estes dão vida aos textos normativos.

1. A hidra das incertezas

Como uma hidra, quanto mais avança a instrução processual, quanto mais prova se colhe, mais a dúvida se multiplica. Em cada pronunciamento dos advogados, nova interpretação surge dos fatos. As soluções com base na prova surgem porque se faz inicialmente um juízo prévio sobre a verdadeira versão, e sob a inspiração desse juízo prévio se conduz à prova ou sua interpretação.

Inúmeros compêndios e tratados ensinam a interpretar o Direito a partir da norma jurídica, como se os fatos chegassem ao pretório prontos e acabados para serem enquadrados. Engano!

Com efeito, já advertia Augustín Gordillo que o Direito não nasce das normas, o Direito nasce dos fatos. Antes de tudo, o juiz precisa avaliar os fatos. É aqui que se demora sua angústia, que a prova tem razão de ser. A propósito adverte Nietzsche que não há fatos, mas versão dos fatos.

No Direito do Trabalho, os fatos gozam de grande idoneidade, em virtude de vários fatores, como o princípio da primazia da realidade, a total oralidade do processo, a ilimitada possibilidade de prova testemunhal.

Dentro da teoria tridimensional do direito, de Miguel Reale, o fato compõe a essência do direito, juntamente com o valor e a norma. Dessa forma, interpretar o direito é muito mais do que interpretar o enunciado normativo. A observação do fato requer mais argúcia, conhecimento sociológico, psicológico, experiência do que os demais aspectos do direito.

Os fatos não são neutros, pois ganham a valoração do meio e do momento. Seu grau de importância decorre de sua imersão axiológica. Já o texto da norma é neutro e estático. O fato, axiologicamente apreciado, é que é dinâmico, imprimindo

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dinâmica ao texto da norma que lhe é correlato. Por outra vertente, só o que ocorre no mundo dos fatos pode ser justificado objetivamente. O problema que se estabelece é o de saber qual a verdade dos fatos, pois Nietzche observa que não há fatos, mas a versão deles.

Rabenhorst escreve sobre A Normatividade dos Fatos, onde ele dialoga entre os juízos de valor e os juízos de realidade, concluindo que o fosso que os separa está mal fundamentado163.

Sobre o fato jurídico, se alojam as reais dúvidas, as quais têm de ser dirimidas, embora com o emprego de presunções e juízos dedutivos. É na análise do fato que o juiz coça a cabeça, lê e relê documentos e depoimentos; por fim, tira suas conclusões, nunca com 100% de segurança, perante si próprio.

Os fatos é que ditam o conteúdo da norma que sobressai do texto. O texto é inerte, nunca se altera, mas os fatos imprimem dinâmica em seu sentido.

Em cada peça do processo, em cada fase, em cada pronunciamento das partes, algo novo surge, dando coloração diferente aos fatos. O autor expõe sua versão na peça inicial; o réu vem com outra versão; em cada prova colhida, os fatos tomam outra feição. Em um processo, o mesmo fato pode ser interpretado de centenas de maneiras, todas lógicas, aceitáveis. Pelo menos de três maneiras a prova testemunhal desfigura os fatos:

  1. a mesma testemunha se contradiz;

  2. as testemunhas arroladas por uma das partes discrepam entre si;

  3. as arroladas por uma parte chocam-se com as da outra.

Interessante notar que os fatos não surgem isoladamente. O fato central da quizila já teve causa numa sucessão de outros fatos, remotos ou imediatos. O verdadeiro labor judiciário, especialmente em matéria trabalhista, consiste na identificação dos fatos. Aqui o julgador põe em prática tudo o que aprendeu de Direito, Sociologia, Psicologia, Filosofia, Religião, Literatura, Política, experiência, sensibilidade emocional. Enfim, o verdadeiro Direito se faz na intrincada caminhada pelos fatos.

Todo fato jurídico é um fato social. O inverso não é verdadeiro. Aliás, o próprio Direito atuando no meio social constitui um fato social, primeiramente no momento de sua concretização, isto é, quando o Ordenamento Jurídico incide sobre um fato valorado para formar o direito-relação. A esse fato valorado chamamos direito-fato. Em segundo plano, consideramos fato social a própria existência e efetiva atuação do Direito na coletividade, seja no momento de esta criar o Direito, seja no momento de este influir naquela.

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2. O que é fato jurídico?

De um modo simplório, fato jurídico é todo fato que tenha consequência jurídica. O fato pode ser natural ou voluntário. O voluntário é decorrente de ação humana e se subdivide em atos jurídicos lícitos e ilícitos. Nessa ordem, o nascimento, a morte, uma enchente desabrigadora de populações humanas, um terre-moto demolidor constituem fato jurídico natural; a compra, a venda, a deflagração de greve, a demolição de uma edificação, o ato de matar um veículo, a prática de delito constituem atos jurídicos voluntários.

Assim, constitui fato jurídico todo acontecimento capaz de provocar o nascimento, a modificação, a transferência, ou a extinção de uma relação jurídica. Se um açude arromba, sem a interferência da vontade humana, acarretará uma série de consequências jurídicas: diminuição do valor da propriedade onde se situa, causando destruição de plantações e moradias, morte de animais e até de pessoas etc.; a colisão de dois veículos tem implicações jurídicas entre os...

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