Aplicabilidade das normas de saúde e segurança laborais na administração pública e atuação do ministério público do trabalho

AutorAlessandro Santos de Miranda
CargoProcurador do Trabalho da PRT 10ª Região ? Brasília/DF, aprovado no VIII Concurso (1999)
Páginas297-318

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Introdução

A defesa do meio ambiente incorporou-se definitivamente como uma das principais reivindicações dos movimentos sociais no Brasil e no mundo moderno. A Constituição Federal Brasileira trata do conceito de meio

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ambiente considerando seus aspectos físico ou natural, artificial, cultural e laboral, cabendo ao Ministério Público do Trabalho zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais referentes ao último.

Desta forma, tem-se que o meio ambiente laboral é o conjunto de condições existentes no local de trabalho relativas à qualidade de vida do trabalhador ou, ainda, ao conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce as atividades profissionais.

De conformidade com Senise Lisboa1, "o meio ambiente do trabalho é passível de proteção, objetivando a obtenção de condições apropriadas ou adequadas para o desenvolvimento da atividade realizada no local, tutelando-se pela personalidade humana do empregado e dos que se utilizam do recinto de labor, ainda que transitoriamente".

Prossegue, ainda, o autor: "justifica-se a proteção ou a tutela transindi-vidual em função do prejuízo que o meio ambiente de trabalho pode vir a proporcionar aos indivíduos em geral. Primeiramente, porque o trabalhador é considerado a parte vulnerável nas relações trabalhistas em geral e sua integridade física, psíquica e moral deve ser velada, assim como os seus direitos patrimoniais. Em segundo lugar, porque a proteção pode-se dar em prol de uma categoria inteira de trabalhadores. Outro motivo: a proteção deve se estender aos que transitoriamente passam pelas instalações da empresa. Enfim, percebe-se claramente o caráter social do interesse a ser amparado, ao se proteger o meio ambiente de trabalho."

Assim, tem-se que a proteção ao meio ambiente do trabalho é, portanto, um direito social com interesse transindividual ou coletivo.

Seguindo este entendimento, a Constituição de 1988 representou um marco do ponto de vista da legislação que ampara os trabalhadores, pois definiu a saúde, a segurança e a higiene laborais como direitos sociais e garantias fundamentais indisponíveis de todos os trabalhadores urbanos e rurais (arts. 6e e 7e, inciso XXII). Ressalte-se que a Carta Magna trata de trabalhadores, e não de empregados. Do mesmo modo, constitui obrigação dos empregadores, independente da natureza jurídica da relação trabalhista, adotar as medidas necessárias com o fim de reduzir e eliminar os riscos inerentes ao trabalho pela aplicação das normas de saúde, higiene e segurança.

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Diante da importância da proteção da saúde e segurança de todos os trabalhadores e do interesse e da obrigação do Estado de ampará-los, tem--se que o meio ambiente laboral extrapola, na prática, a aparente conotação individual. Torna-se, então, imperiosa a defesa de direitos difusos a um meio ambiente de trabalho saudável, hígido e seguro. Por corolário, o trabalho seguro não é apenas um princípio, mas sim uma obrigação concreta dos empregadores.

Ainda, como garantias fundamentais que são, as normas de proteção do meio ambiente laboral possuem aplicação imediata por força do contido no § 1e do art. 5e constitucional. Ademais, o § 2e deste ordenamento jurídico dispõe que os direitos e garantias delineados na Carta Magna não são excludentes de outros que decorrem do regime e dos princípios adotados no país, bem como dos tratados e convenções internacionais devidamente ratificados, os quais também gozam de aplicabilidade instantânea e geram direitos por força daquele dispositivo constitucional.

A doutrina e a jurisprudência já se consolidaram quanto à plena aplicação das normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego aos celetistas. O mesmo ocorre com relação a outras normas que tratam da saúde e segurança do trabalhador. Os próprios textos das normas regulamentadoras fazem referência ao fato de que suas disposições são de observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos entes da Administração direta e indireta, desde que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, conforme disposto no item 1.1 da Norma Regulamentadora n. 1 do Ministério do Trabalho.

Em contrapartida, o direito de grande parte dos servidores públicos das diferentes áreas das esferas federal, estadual, municipal e distrital à proteção do meio ambiente laboral seguro, hígido e saudável encontra resistência por parte de alguns órgãos, inclusive da própria Administração Pública. Os estatutários seguem sofrendo pela falta ou escassez de legislação específica que atente para a melhoria dos ambientes de trabalho.

A violação e o descaso com as normas de segurança, higiene e saúde no serviço público colocam em risco a vida, a saúde e as integridades física e psíquica dos trabalhadores. O cenário tem gerado graves casos de adoe-cimento destes profissionais, que cada vez mais aumentam as estatísticas de afastamentos do trabalho por motivos de adoecimento ocupacional. Frise--se que os trabalhadores são parte integrante do referido meio ambiente, haja vista que sua força de trabalho, principalmente na esfera do Poder Público, é o principal meio de produção à disposição do administrador.

Assim, o sucateamento do serviço público reflete diretamente na saúde dos trabalhadores. Estes convivem com a falta ou precariedade de

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infraestrutura, o engessamento da carreira, a morosidade pelo excesso de procedimentos burocráticos e a redução das garantias salariais e de aposentadoria. Aludidos fatores, tão presentes no serviço público, não permitem a adequada gestão dos trabalhadores. Ainda, a monotonia de determinadas funções, a falta de perspectivas de crescimento profissional e a sobrecarga quantitativa de trabalho em alguns órgãos administrativos contribuem para a potencialização das ocorrências de adoecimentos e afastamentos.

Acrescentem-se à problemática as dificuldades orçamentárias e de gestão para adquirir mobiliário adequado e equipamentos de proteção alegadas pelos administradores e as constantes alterações dos dirigentes, o que dificulta o estabelecimento e a implantação de políticas internas de gestão habituais, de médio ou de longo prazo voltadas para a qualidade de vida do servidor.

Ainda, coexistem a falta de informação sobre a situação da saúde dos trabalhadores nos diversos setores da Administração Pública e a carência de um diagnóstico completo compreendendo: o quantitativo de trabalhadores; a distribuição dos mesmos por atividade desenvolvida; o perfil epidemiológico; a identificação e avaliação dos riscos para a saúde presentes nos ambientes laborais; o planejamento e a organização das atividades; o acompanhamento da saúde dos trabalhadores em relação ao desempenho das suas tarefas profissionais, entre outros.

Faz-se necessária, também, a elaboração de estatísticas das principais causas das concessões das licenças médicas, com indicação da Classificação Internacional de Doenças (CID) para avaliação e eliminação dos riscos à saúde ocasionados pela profissão.

Deve-se, consequentemente, evoluir na implantação de uma das diretrizes da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador que é a de ampliar as ações de prevenção de acidentes e doenças profissionais para o setor público. É imprescindível que sejam avaliadas as representações sociais do servidor sobre sua saúde e as práticas laborais por ele desenvolvidas objetivando contribuir para a adoção de políticas de promoção e proteção de sua saúde e segurança.

Fundamentos para aplicação das normas de saúde e segurança aos entes da administração pública

Na proteção ao meio ambiente prevista na Constituição Federal insere-se também o meio ambiente do trabalho, pois "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

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essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", além de competir ao sistema único de saúde "colaborar na proteção ao meio ambiente, nele compreendido o do trabalho" (arts. 225 e 200, inciso VIII, respectivamente).

Além disso, a Carta Magna estabelece expressamente como direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, "a saúde, o trabalho, (...) a segurança, a previdência social (...)" e a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (arts. 6e e 7e, inciso XXII).

Desta forma, os serviços da Administração Pública necessitam de políticas que contemplem a assistência integral à saúde de seus trabalhadores, compreendendo a vigilância dos ambientes e processos laborais, sistemas de informação, assistência com garantia de exames de admissão e periódicos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e comissões de saúde por local de trabalho.

Deve-se organizar as atividades de forma a conhecer a magnitude dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, identificando os fatores de risco dos processos e ambientes laborais, estabelecendo medidas para a eliminação ou controle dos mesmos e garantindo a assistência à saúde dos servidores. Também devem ser valorizadas atuações preventivas buscando reduzir e eliminar os danos às integridades física, psíquica e moral dos servidores e a promoção de formas decentes de trabalho, garantindo, desta forma, a dignidade do trabalhador, primordialmente quanto às boas condições higiênicas, de saúde e de segurança no ambiente laboral.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos2 preconiza, em seu art. XXIII, que "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de...

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