Aplicação da Lei Penal (Arts. 1º a 12)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas119-171
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Arts. 1º a 12
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1. Anterioridade e legalidade
Previsão legal: art. 1º do Código Penal e inciso
) Princípio da anterioridade. Não há crime
sem lei anterior que o de na; não há pena sem prévia
imposição legal.
Suprimindo-se essas duas palavras que estão
em itálico (anterior e prévia),  cará o outro princípio.
2º) Princípio da legalidade (ou de reserva legal).
Não há crime sem lei que o de na; não há pena sem
cominação legal.
CURIOSIDADE INTERESSANTE
Ferrajoli nos faz recordar que na Alemanha
nazista
“Uma lei de 28 de junho de 1935 substituiu o velho
art. 2º do Código Penal de 1871, que enunciava o
princípio de legalidade penal, pela seguinte norma:
‘será punido quem pratique um fato que a lei de-
clare punível ou que seja merecedor de punição,
segundo o conceito fundamental de uma lei penal e
segundo o são sentimento do povo. Se, opondo-se
ao fato, não houver qualquer lei penal de imediata
aplicabilidade, o fato punir-se-á sobre a base da-
quela lei penal cujo conceito fundamental melhor
se ajuste a ele’. Também foi negado, explicitamente,
o princípio da legalidade no direito soviético dos anos
seguintes à Revolução. O Código da República Russa
de 1922 – inovando em relação à instrução penal de
1918, segundo a qual era ‘considerado delito a ação
que no momento da sua realização era proibida
pela lei sob ameaça de pena’ – enunciou no art. 6º
uma noção de delito puramente material: é delito toda
‘ação ou omissão socialmente perigosa, que ame-
ace as bases do ordenamento soviético e a ordem
jurídica estabelecida pelo regime dos operários e
camponeses para o período de transição em prol
da realização do comunismo’” (Direito e razão, 309).
•Posição dominantedoSTJ: O princípio da nullum
crimen, nulla poena sine praevia lege, inscrito no
art. 5º, XXXIX, da Carta Magna, e no art. 1º do Código
Penal, consubstancia uma das colunas centrais do
Direito Penal dos países democráticos, não se admi-
tindo qualquer tolerância sob o argumento de que
o fato imputado ao denunciado pode eventualmen-
te ser enquadrado em outra regra penal. (STJ –
RHC 8.171-CE – 6ª T, p. 153)
Winfried Hassemer lecionava que:
“O legislador deve formular suas normas com tanta
precisão quanto seja possível (mandado de certeza:
lex certa); o legislador e o Juiz penal não podem aplicar
as leis em forma retroativa em prejuízo do afetado
(proibição de retroatividade: lex praevia); o Juiz pen al
deve contar com uma lei escrita para condenar ou
agravar penas (proibição do direito consuetudinário:
lex scripta) e não pode aplicar o direito penal em forma
analógica em prejuízo do afetado (proibição de analogia:
lex stricta)”. 77
Paulo César Busato ensina:
“Só pode ser corretamente compreendido em sua impor-
tância e extensão quando observado em todas as suas
dimensões, como garantia inviolável do cidadão frente
ao exercício punitivo do Estado. Ou seja, não basta
considerar o princípio da legalidade um instrumento
jurídico, relacionado apenas com a norma posta, como
um  ltro jurídico do direito positivo. É preciso ir além e
enxergar o contexto histórico de seu desenvolvimento
e tudo o que se pretendeu alcançar por meio da sua
a rmação. Visto assim, entra em evidência, antes de
tudo, a sua dimensão política, que signi ca o predo-
mínio do Poder Legislativo como órgão que representa
a vontade geral frente aos outros Poderes do Estado,
77 (HASSEMER, Winfried. Crítica al derecho penal de hoy, p.
21-22, tradução livre).
Capítulo 2
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para, a seguir, merecer consideração sua dimensão
técnica, que expressa a forma de como devem os legis-
ladores formular as normas penais. O princípio de
legalidade, tanto em sua dimensão política como técnic a
constitui uma garantia indiscutível do cidadão frente ao
poder punitivo estatal”. 78
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE
Por força da tradição do princípio, vem-se usando
a palavra crime em vez de infração penal, que seria
o gênero, da qual são extraídas as espécies crime e
contravenção penal. Entretanto, é posição tranquila
a leitura extensiva do conceito de crime para abranger
também a contravenção, submetida igualmente aos
princípios da reserva legal e da anterioridade.
EXEMPLO PRÁTICO 1
Exemplo do primeiro princípio. “A” cometeu um
fato no mês de março 2008. Em março de 2009, este
fato passou a ser definido como crime. “A” será
penalizado?
Resposta: Não. Porque, pelo princípio da anteri o-
ridade, não existe crime sem lei anterior que dena
este fato como delito; no exemplo, a lei é posterior
ao fato.
EXEMPLO PRÁTICO 2
Exemplo do segundo princípio. Um Juiz editou
uma portaria, armando que quem fosse apanhado
andando pela rua após 24h pagaria uma pena de 1
(um) a 2 (dois) anos de detenção. Não existe pos-
sibilidade jurídica de alguém pagar por esse crime,
pois portaria não é lei; e não existe crime sem lei
que o dena.
1.1. Considerações sobre o princípio da lega-
lidade
O princípio da legalidade pressupõe o Estado de
direito. É por meio da Constituição que se processa
o controle formal da legalidade. Todavia, a lei não
se impõe per se. Carl Schmidt mostra como Hitler
serviu-se da legalidade como arma mais poderosa
na constituição do totalitarismo, anotando divergência
antitética entre a legalidade e a legitimidade.
78 BUSATO, Paulo César. Direito penal – parte geral, p. 33/34.
1.2. Princípio da legalidade e medida de
segurança
Tanto a Constituição quanto o Código Penal refe-
rem-se à pena, omitindo- se no tocante à medida de
segurança, que é um tipo de sanção com nalidade
essencialmente terapêutica. Heleno Fragoso entende
que o princípio da legalidade não prevalece em relação
às medidas de segurança que orientam a Parte Geral
do CP.79 Entretanto, a maioria dos autores admite
que, após a Reforma Penal de 1984, essas medi das
também estão sujeitas ao princípio da reserva legal.
Esse é o entendimento que ressalta de uma adequada
interpretação dos princípios fundamentais estudados
no Capítulo 1.
É também posição de: Noronha, Pierangeli,
Zaffaroni, Nucci, Mirabete, Alberto Silva Franco,
Paulo José da Costa Júnior, Delmanto e Heleno
Cláudio Fragoso, entre outros.
Além disso, é preciso não esquecer que a medida
de segurança pode consistir na internação do indivíduo
em hospital de custódia e, nesse caso, é a liberdade
individual, mesmo que para ns de tratamento, que
estará sendo cerceada. Isso torna aconselhável o
respeito ao princípio da legalidade e da anterioridade
da lei, também no caso de aplicação da medida de
segurança.
1.3. Importância do princípio da legalidade
A maioria dos penalistas defende o princípio da
legalidade de modo incondicional, considerando-o
como um dos pilares básicos do moderno Direito
Penal. Bettiol considera-o um dogma a ser defendido,
“enquanto ainda pudermos crer na dignidade huma-
na”. Fragoso entende que se trata de um princípio
indispensável para a construção de uma verdadeira
atividade punitiva de natureza jurídica, “e não como
puro regime de força”.
1.4. Lei escrita e o princípio da legalidade
Para os sistemas jurídicos de Direito escrito,
como é o caso do nosso, a exigência de lei anterior ao
crime e à pena signica necessariamente lei escrit a,
editada em conformidade ao processo legislativo
79 Op. cit., p. 94. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito
Penal – Parte Geral, p. 62).
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estabelecido na Constituição Federal (veja art. 59 da
CF). Por isso, a doutrina80 entende que o princípio
da legalidade pressupõe a existência da lei escrita,
o que signica que ninguém poderá ser punido ou
ter sua situação criminalmente agravada com base
nos costumes, na analogia in malam partem ou na
moral do povo, vigente em determinado momento
histórico.
Por isso, o princípio da legalidade impõe esta
segunda garantia: nullum crimen, nulla poena sine
lege scripta.
1.5. A lei penal certa
Finalmente, o princípio da legalidade completa-s e
com a garantia de que a Lei Penal deve ser clara e
objetiva (Princípio da Taxatividade), quanto ao con-
teúdo da proibição contida em seu texto normativo.
Como fonte formal exclusiva do Direito Penal, torna-se
exigência democrática que a lei repressiva seja formu-
lada com toda a clareza e objetividade, quanto às
hipóteses em abstrato e genéricas, por ela alcançadas.
A Lei Penal não pode ser vaga e imprecisa em sua
função de denir os tipos penais incriminadores, sob
pena de não deni-los e, em assim procedendo,
afrontar o princípio da legalidade. Conforme assinalou
Maurício Antônio Lopes:
A função de garantia individual exercida pelo
princípio da legalidade estaria seriamente compro-
metida se as normas que definem os crimes não
dispusessem de clareza denotativa na signicação
de seus elementos, inteligível para todos os cidadãos.
A imprecisão e a incerteza na linguagem jurídico-
-penal incriminadora ferem a regra da taxatividade
ou da certeza da Lei Penal, cuja observância é
consequência do compromisso político-jurídico com
o princípio geral da legalidade nullum crimen, nulla
poena lege certa.81
80 LOPES, Maurício Antônio. Op. cit., p. 107; TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal,
p. 25.
81 No sentido do texto: BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte
Geral. Tomo 1, p. 187; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit.,
p. 47; CERNICCHIARO, Luis Vicente. Estrutura do Direito
Penal, p. 193 e 194; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal
– Parte Geral, p. 25; NORONHA, Magalhães. Direito Penal
– Parte Geral, p. 51; SOLER, Sebastian. Derecho Penal
Argentino. Vol. 1, 5 v., p. 124.
1.6. Conteúdo material do princípio da
legalidade
Ensina Alberto Silva Franco82 que:
No Estado Democrático de Direito, o simples respeito
formal ao princípio da legalidade não é suciente. Há,
na realidade, ínsito nesse princípio, uma dimensão de
conteúdo que não pode ser menosprezada nem mantida
num plano secundário. O Direito Penal não pode ser
destinado, numa sociedade democrática e pluralista,
nem à proteção de bens desimportantes, de coisas de
nonada, de bagatelas, nem à imposição de convicções
éticas ou morais ou de uma certa e definida moral
ocial, nem à punição de atitudes internas, de opções
pessoais, de posturas diferentes.
1.7. O fundamento cientíco do princípio
da legalidade
O fundamento científico foi formulado pela
primeira vez por Feuerbach, xando os três princípios:
a) nulla poena sine lege;
b) nulla poena sine crimine;
c) nullum crimen sine poena legali.
Tais princípios estão intimamente ligados à teoria
da coação psíquica, defendida pelo insigne penalista.
As máximas seriam:
a) a existência de uma pena supõe uma lei anterior;
b) a existência de uma pena está condicionada pela
existência de uma ação punível;
c) o ato legalmente ameaçado está condicionado
por uma pena legal.
Hoje, o princípio da legalidade tem seu conteúdo
nas seguintes formas:
a) nullum crimen sine lege previa;
b) nullum crimen sine lege certa;
c) nulla poena sine judicio.
O princípio nullum crimen sine lege deve ser
considerado sob três aspectos:
a) da exclusividade;
b) da irretroatividade;
c) da proibição da analogia in malam partem.
82 FRANCO. Alberto Silva. Código Penal, p. 24.
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