A Aplicação do art. 1.013 do Código de Processo Civil de 2015 ao Processo do Trabalho

AutorBen-Hur Silveira Claus
Ocupação do AutorCoordenador
Páginas123-136

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Ver Nota1

1. Introdução

O artigo que deu origem a este decorreu da inconformidade de ter tido, há alguns anos, uma decisão reformada, com a determinação de ampliar o julgamento com o intuito de evitar a supressão de instância. Entendia já na época que a então ambígua redação do § 3a do art. 515 do CPC, introduzido pela Lei n. 10.352/2001, era suficientemente clara ao determinar ao órgão julgador do recurso que procedesse no imediato julgamento da matéria sujeita a recurso, ainda que sepultada a questão sem a apreciação do mérito.

O presente artigo é uma revisita à matéria, alguns anos mais maduro e diante de uma nova redação, agora mais clara, da regra anteriormente estudada e com uma redação ampliada.

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2. A razoável duração do processo

A duração razoável do processo é, ou deveria ser, um anseio de toda e qualquer nação que se pretenda civilizada. Rui Barbosa em sua Oração aos Moços pontifica:

[...] justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no património, honra e liberdade.

Assim a alteração introduzida pelo dispositivo em evidência certamente se insere neste contexto, com inegável pretensão de imprimir ao processo maior rapidez.

O que, em todo caso, podemos perceber é que o legislador reafirmou no Novo CPC a sua intenção em agilizar o julgamento do processo, com a edição agora de um artigo inteiro no mesmo sentido que havíamos interpretado então.

Este dispositivo, tendo em conta as peculiaridades das demandas decorrentes das relações de trabalho, permite que se entreveja a possibilidade de uma aplicação ainda mais ampla, que tem sido negligenciada, nada obstante tenha fundamento constitucional.

Por outro lado o seu desatendimento poderá acarretar, inclusive, consequências nocivas à própria integridade do processo, na medida em que poderá conduzir à nulidade da decisão que, deixando de apreciar de imediato as questões de fundo, determinar o retorno dos autos à instância de origem.

Não deixa de ser interessante a circunstância de que, por se tratar de uma questão processual, sem muito atrativo para as partes, não ser tal tema suscitado sob o ponto de vista da teoria das nulidades. Ou seja a parte prejudicada, quer quando a regra é aplicada com o julgamento imediato pela turma, quer quando não o é, com o retorno dos autos à primeira instância, dificilmente apresenta recurso específico, impedindo que se crie jurisprudência sobre o tema. E nas poucas vezes em que este tema foi a julgamento, o foi a partir da provocação de juizes de primeira instância, quando então se perdeu a oportunidade de se fazer uma apreciação sob o ponto de vista jurídico para abordá-la sob a ótica hierárquica e disciplinar como se pode ver, por exemplo, dos verbetes que seguem:

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. Não há falar em conflito de competência entre Tribunal Regional do Trabalho e Vara do Trabalho a ele vinculada. Inteligência da Súmula n. 420 do C. TST. Não conhecimento, por incabível. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região. Recurso Ordinário 0020891-98.2016.5.04.0663. Relatora: Rosane Serafini Casa Nova. 2017b). Acórdão unânime.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Estabelecida a divergência entre Juízos de instâncias diversas, não caracteriza a suscitada figura do conflito negativo de competência. Incidentes os termos da Súmula n. 420 do TST. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região. Conflito de Competência 0020794-35.2015.5.04.0663. Relator: Emilio Papaléo Zin. 2017a).

Em relação a este último, entretanto, merece especial atenção o voto divergente da Desembargadora íris Lima de Moraes, verbis:

Vénia do voto condutor, pondero que ausente definição legal expressa sobre qual a via processual própria para solucionar o tema, considero que o conflito negativo é o caminho processual próprio, em prestígio da razoável duração dos processos, da simplicidade, da razoabilidade e da eficiência. Não adoto a orientação jurisprudencial expressa na Súmula n. 420 do TST, cuja redação é anterior à edição do atual Código de Processo Civil. Fosse vin-culante sua aplicação, caberia lhe dar interpretação consentânea à ordem jurídica atual. Isso considerado e, em face dos termos do § 3a do art. 1.013 do CPC, disciplinando que, estando o processo em condições de imediato julgamento, constitui dever do Tribunal decidir desde logo o mérito quando ocorrerem as hipóteses previstas em seus quatro incisos e § 4a, tenho por certo que não cabe o reenvio dos autos ao juízo originário. Já sob a égide do CPC de 1973, tal solução era aceita a partir do que disciplinava o art. 513, § 3a, do antigo Código, matéria brilhantemente sinterizada em voto REsp 874.507/SC, da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão. Com a entrada em vigor do atual CPC, smj, eventuais dúvidas ficaram superadas, não se justificando mais a devolução de autos ao fundamento tão só de supressão de instância. Isso ocorre em face da clara opção legislativa que redundou na redação do art. 1.013, §§ 3a e 4a, de aplicação ao processo do trabalho, porque em simetria com o princípio da razoável duração do processo previsto no art.

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5a, inciso LXXVIII, da Constituição, conforme orienta, a propósito, a Instrução Normativa n. 39/2016 do E. TST e a Súmula n. 393 daquela Corte. Ou seja, há que se recorrer, na hipótese, à fórmula já existente, no caso, o conflito negativo para encaminhar solução que mais se coaduna com os princípios antes referidos, todos eles inspiradores na IN n. 39/2016 e Súmula n. 393 do TST, sob pena de se esvaziar o conteúdo da norma processual em exame, a pretexto de que não há instrumento jurídico para questionar o seu descumprimento.

Isso posto, conheço do conflito negativo para determinar à Quinta Turma o julgamento do recurso na forma disciplinada pelo artigo 1.013, § 3a, do Código de Processo Civil.

Outro conhecido defensor da tese da causa madura, o Desembargador Ricardo Fraga, no entanto, no caso em tela optou pela questão processual, consistente na inviabilidade de se conhecer a existência de conflito entre dois órgãos do mesmo Regional.

3. Faculdade ou determinação legal?

Esta discussão teve relevância quando, em dúbia redação, o § 3a do art. 515 do Código de Processo Civil estabelecia:

Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (BRASIL, 1973)

Uma das objeções que se tendia, portanto, a fazer à imediata e automática aplicação de tal dispositivo ao procedimento ordinário dizia respeito ao vocábulo "pode" utilizado pelo legislador. Tinha-se, diante de tal redação, e não sem fundamento, invocado a interpretação de que tal alteração legislativa consistiria em uma mera autorização, ou permissão para que o julgador de segundo grau, assim querendo, apreciasse o mérito da controvérsia, ainda não examinado na instância de origem.

Já na época manifestamos a nossa divergência em relação a tal interpretação. O dispositivo ao estabelecer que "o tribunal pode", longe de estabelecer uma opção ao julgador previu uma determinação.

Ou seja a substituição semântica que melhor se adequaria à expressão seria "tem o dever de" e não "tem a faculdade de".

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Até mesmo porque, se assim não fosse, se estaria estabelecendo um rito condicional admitindo-se que o órgão julgador de segundo grau teria a escolha entre julgar desde logo ou remeter o feito ao juízo de origem, solução que repudiaria a qualquer intérprete de mediana inteligência.

Neste sentido Estêvão Mallet (2002, p. 88) se pronunciara referindo:

[...] a obtenção do maior rendimento com a atividade processual, ideia que, em correspondência com o princípio da economia processual, inspira a norma [...], não pode ficar na dependência da vontade do julgador. Constitui, pelo contrário, objetivo a ser perseguido permanentemente, sem prejuízo das garantias conferidas aos litigantes. E tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça já realçou ser o julgamento antecipado da lide providência de caráter obrigatório e não facultativo.

Por fim, no processo do trabalho é ainda mais evidente o caráter imperativo do julgamento imediato do mérito, quando presentes os pressupostos mencionados no § 3a do art. 515, diante da obrigação imposta ao juízo pelo art. 765 da CLT.

Aliás neste caso seria também aplicável, sem necessidade de ajustes, o que estabelecido no art. 1.014 do CPC, quanto a ser atribuição do juízo ad quem e não do a quo a apreciação das "demais questões e pretensões de mérito".

Desnecessário dizer que com o Código de 2015 o que era nebuloso se aclarou suficientemente no momento em que o legislador substituiu pela expressão "deve" o que até então era um mero "pode", não se podendo mais invocar o argumento de "faculdade" do julgador.

4. Sentença com resolução do mérito

Outro dos obstáculos interpretativos que se teria que ultrapassar para demonstrar a adequação do antigo § 3a do art. 515 do CPC ao procedimento trabalhista dizia respeito, exatamente, ao fato de que a norma referia à autorização para o julgamento no caso de o feito ter sido extinto sem a resolução do mérito.

Entretanto, esta objeção não resistia a uma mera argumentação lógica. Se o legislador entendeu que se poderia dispensar o retorno dos autos para a apreciação da questão de fundo (mérito), nas ocasiões em que esta sequer fora examinada, com muito maior razão se...

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