Aplicação do Direito e a Criação da Jurisprudência pelos Tribunais Trabalhistas

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas64-73

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Art. 8º (...)

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (NR)

1. Aplicação do Direito comum ao Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho, segundo a doutrina, nasceu para garantir a melhoria da condição social do trabalhador, nivelando as desigualdades entre o capital e o trabalho e, acima de tudo, consagrar a dignidade da pessoa humana do trabalhador, bem como ressaltar os valores sociais do trabalho, como fundamentos para uma sociedade justa e solidária.

Devem ser destacadas as seguintes características do Direito do Trabalho à época do seu surgimento: a) hipossuficiência da classe trabalhadora; b) forte inter-venção do Estado na regulamentação dos direitos trabalhistas, por meio de legislação rígida; c) necessidade de melhoria da condição social do trabalhador.

A doutrina não é uniforme quanto à definição do Direito do Trabalho. Alguns autores priorizam o critério subjetivo, que enfatiza os sujeitos aos quais se aplicam o Direito do Trabalho; outros priorizam o critério objetivo, que destaca as matérias às quais se dedica o Direito Laboral. Há ainda as definições mistas, majoritárias na doutrina, que mesclam os critérios subjetivo e objetivo.

Na clássica definição mista de Octavio Bueno Magano74, o Direito do Trabalho, conceitua-se “como o conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à

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relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais”.

Como destaca Magano, a referência à melhoria da condição social do trabalhador indica o fundamento do Direito do Trabalho, o fim para o qual convergem suas normas e instituições.

Amauri Mascaro Nascimento75 conceitua o Direito do Trabalho “como o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade”.

Em nossa visão, o Direito do Trabalho conceitua-se como o conjunto de princípios, normas e instituições que regem a relação de emprego e as relações de trabalho a elas equiparadas, tendo por finalidade fixar os direitos do trabalhador, para garantia de sua dignidade e melhoria de sua condição social.

Os princípios são as regras gerais e abstratas dos quais derivam as normas. Normas são regras positivadas. Instituições, são as entidades e pessoas que podem criar as normas trabalhistas, como os Sindicatos e empresas.

O Direito do Trabalho tem a missão de equilibrar a relação capital x trabalho, protegendo a dignidade da pessoa humana do trabalhador, por meio de um rol básico e mínimo de direitos, para garantia de sua cidadania.

A finalidade última do Direito do Trabalho é a melhoria da condição social do trabalhador, por meio de regras protetivas a fim de compensar as desigualdades materiais que tem em face do empregador.

Para que uma ciência seja considerada autônoma são necessários os seguintes requisitos: a) ter princípios próprios; b) um objeto de estudo específico; c) legislação própria, e d) significativo número de estudos doutrinários a respeito.

O Direito do Trabalho é considerado uma ciência autônoma, pois possui princípios próprios que o diferencia do Direito Civil, tem um objeto próprio de estudo, que é a relação de trabalho e os direitos do trabalhador, tem significativo número de estudos doutrinários a respeito (autonomia científica) e uma legislação própria (Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Extravagante).

A doutrina, acertadamente, na sua composição majoritária, fixou entendimento no sentido de que o Direito do Trabalho, efetivamente, pertence ao ramo do Direito Privado, pois ele é destinado a regular a relação de emprego que se dá entre particulares. Embora grande parte das normas que regem a relação de emprego sejam de ordem pública (arts. e 444, da CLT), este fato não é suficiente para alterar natureza jurídica privada do Direito do Trabalho.

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A alteração do art. 8º, da CLT provoca mudança na sistemática de aplicação do direito comum, com ênfase ao direito civil, no campo do direito do trabalho. Houve supressão do requisito da compatibilidade como barreira de contenção para aplicação do direito comum a relações trabalhistas, bastando o requisito da omissão.

De nossa parte, a alteração não é oportuna, pois o Direito do Trabalho é ramo autônomo da ciência jurídica e tem sua principiologia própria, como eixo central o princípio da proteção ao trabalhador. Já o direito comum, parte do princípio da igualdade de partes que figuram em determinada relação jurídica.

A alteração do parágrafo primeiro do art. 8º, da CLT deve ser compatibilizada com os princípios, regras e singularidades do Direito do Trabalho. Se norma civilista confilitar com a trabalhista, mesmo havendo omissão da CLT, ela não deverá ser aplicável.

2. Da limitação da interpretação da lei pelos tribunais trabalhistas

O § 2º, do art. 8º, da CLT visou a restringir o alcance da jurisprudência trabalhista, vedando que o Judiciário, por meio de interpretação, aplicação ou integração do direito, restrinja ou crie direito não previsto em lei. Trata-se de regra que não encontra similar em outros ramos do direito ou do Judiciário.

O Código de Processo Civil de 2015 contém dispositivo muito melhor que o da CLT previsto no art. 926, que assim dispõe:

“Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”

De nossa parte, o § 2º do art. 8º, da CLT é manifestamente inconstitucional, por impedir a livre interpretação e aplicação do direito pelos Tribunais Trabalhistas, inibir a eficácia dos direitos fundamentais, bem como dos princípios constitucionais. Além disso, impede a evolução da jurisprudência e restringe o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF).

Em épocas marcadas por grandes codificações, seguindo o sistema romano--germânico de legislação escrita e rígida, o juiz, praticamente, não podia interpretar a lei, somente podendo aplicá-la, subsumindo os fatos ao prévio catálogo de lei. O juiz era apenas a voz e a boca da lei (bouche de la loi). Tornou-se clássica a frase in claris cessat interpretatio do Código Civil francês.

Na visão de Montesquieu, os juízes eram seres inanimados, que não podiam moderar nem a sua força (a Lei) nem o seu rigor. O juiz nada criaria, apenas aplicaria o direito (já previamente elaborado pelo legislador) ao caso concreto. O catálogo de todas...

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