Aplicativos de relacionamento (dating apps) e os impactos jurídicos da predição algorítmica de compatibilidades (matches)

AutorFilipe Medon
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas659-674
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APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO
(DATING APPS) E OS IMPACTOS JURÍDICOS
DA PREDIÇÃO ALGORÍTMICA
DE COMPATIBILIDADES (MATCHES)
Filipe Medon
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Substituto de Direito Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e de cursos de Pós-Graduação do Instituto New Law, CEPED-UERJ, EMERJ e do
Curso Trevo. Membro da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ
e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Coordenador
Executivo e membro fundador do Laboratório de Direito e Inteligência Articial da UERJ
(LabDIA). Advogado e pesquisador. Autor do livro “Inteligência Articial e Responsa-
bilidade civil: autonomia, riscos e solidariedade”, lançado pela Editora JusPodivm em
2020. Instagram: @lipe.medon
Sumário: 1. Notas introdutórias: o amor se virtualizou e se tornou líquido. 2. O nome dela
é Jenifer: eu só a encontrei por causa do algoritmo do Tinder. 3. O papel das plataformas em
face das discriminações. 4. Síntese conclusiva. 5. Referências.
“O nome dela é Jenifer
Eu encontrei ela no Tinder
Não é minha namorada
Mas poderia ser.
(“Jenifer” - Gabriel Diniz)
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: O AMOR SE VIRTUALIZOU E SE TORNOU
LÍQUIDO
A canção “Jenifer”, que se tornou um hit na voz do falecido cantor Gabriel Diniz,
serve para ilustrar um dado da realidade contemporânea: as pessoas se conhecem e se
relacionam cada vez mais pela Internet, sobretudo por meio de aplicativos de relaciona-
mento: os chamados dating apps. Os pretendentes trocam mensagens, fotos (sensuais ou
não), marcam encontros, se relacionam sexualmente, “f‌icam”, namoram e até se casam.
Vez ou outra os encontros acabam nas páginas policiais e na imprensa, seja por excessos
criminosos, seja por conta de golpes virtuais.
Não se trata, porém, de uma novidade. As salas de bate-papo são as mães dos apli-
cativos de relacionamento e estão presentes no imaginário coletivo há pelo menos duas
décadas. No entanto, a tecnologia rudimentar utilizada para aproximar as pessoas evoluiu
consideravelmente para os aplicativos contemporâneos, que, para o seu funcionamento,
se valem de algoritmos de Inteligência Artif‌icial que determinam predições, facilitando os
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FILIPE MEDON
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chamados matches entre os usuários. Por outro lado, a opacidade de tais algoritmos e dos
f‌iltros utilizados para determinar as preferências dos usuários pode acabar conduzindo
a resultados discriminatórios, como se verá.
Importa considerar que se a utilização massiva desses aplicativos já era uma realidade
antes da pandemia de Covid-19, esta tornou ainda mais clara a digitalização e virtuali-
zação do amor. Em razão da necessidade de se adotar medidas de distanciamento social,
a quarentena mostrou como é possível reduzir a presença física em muitas atividades,
que passaram a ser realizadas integral ou preponderantemente à distância: telemedicina,
shows, lives, palestras, congressos, reuniões e, principalmente, o chamado home off‌ice.
Nesse sentido, muitos escritórios de advocacia e sociedades empresárias perceberam
a economia gerada pelo trabalho remoto, vindo a adotá-lo como regra após o f‌im da
pandemia.
E o mesmo processo se deu com os relacionamentos íntimos. Para se ter uma dimen-
são deste fenômeno durante a quarentena, segundo levantamento realizado pelo Tinder
(um dos aplicativos mais populares), o número de conversas na plataforma aumentou,
em média, 25% se comparado ao período pré-isolamento. Além disso, as conversas f‌i-
caram 20% mais longas. Outra pesquisa, realizada pelo aplicativo Happn, apontou que
mais da metade de seus usuários brasileiros acredita que a circunstância da pandemia
permitiu conversar por mais tempo no aplicativo. Além disso, 68% dos entrevistados
pelo Happn “acreditam que o cenário pode, inclusive, aumentar o vínculo afetivo entre
os pares formados, já que, para 75% destes, há uma possibilidade maior de aprofundar
a conversa e aproveitar a situação para conhecer melhor o outro.”1
De fato, se por questões de saúde pública no início da quarentena não era possível
aglomerar, a menos que se encontrasse um amor – de máscara – na f‌ila do pão, na farmácia,
no hospital ou no supermercado, a formação de novos casais estaria comprometida se não
fossem os aplicativos de relacionamento. E o que se viu na mídia durante esse período foi
uma série de relatos de pessoas que acabaram se conhecendo virtualmente, mantiveram
longas conversas e decidiram até mesmo “furar” a quarentena para se encontrar.
Para aplacar e reduzir a solidão, os aplicativos viabilizaram que pessoas isoladas
pudessem encontrar companhia para passar suas noites conversando e até mesmo
praticando o tão falado “sexo virtual”. Em momentos de instabilidade emocional, o
apoio encontrado num aparente desconhecido pode fortalecer de tal maneira o vínculo
formado na Internet, que muitas pessoas entraram solteiras na quarentena e, graças aos
aplicativos de relacionamento, sairão com um amor. E nada disso teria sido possível sem
este recurso tecnológico.
As razões que levam uma pessoa a um aplicativo de relacionamento são as mais
variadas e incontáveis.2 Pense-se, a título meramente exemplif‌icativo, nas seguintes: o
1. Conversas em apps de paquera aumentam durante a quarentena. R7, 08 abr. 2020. Disponível em: https://noticias.
r7.com/tecnologia-e-ciencia/conversas-em-apps-de-paquera-aumentam-durante-a-quarentena-08042020. Acesso
em: 30 set. 2020.
2. Para saber mais, sugere-se: BRYANT, Katherine; SHELDON, Pavica. Cyber Dating in the Age of Mobile Apps:
Understanding Motives, Attitudes, and Characteristics of Users. American Communication Journal, v. 19, n. 2,
jun./ago. 2017.
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