Apontamentos jurídicos da viabilidade do ensino sobre diversidade de gênero nas escolas brasileiras

AutorGustavo Câmara Corte Real
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Cumberland School of Law, Samford University, EUA
Páginas533-550
APONTAMENTOS JURÍDICOS
DA VIABILIDADE DO ENSINO
SOBRE DIVERSIDADE DE GÊNERO
NAS ESCOLAS BRASILEIRAS
Gustavo Câmara Corte Real
Mestre em Direito pela Cumberland School of Law, Samford University, EUA. Juiz
de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Professor de Sociologia
Jurídica na Faculdade da Ecologia e Saúde Humana, Minas Gerais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de gênero. 3. O gênero performativo de Judith Butler. 4.
A questão do reconhecimento adequado de gênero como um direito humano e fundamental.
5. Direito à inclusão integral no ensino da diversidade. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil hoje é considerado um dos países com a legislação mais avançada no mundo
no tocante à defesa de direitos do público classif‌icado como “minorias”. Por força de
uma decisão tomada em 2011 pela unanimidade dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, foi garantida a isonomia nas relações conjugais entre casais heteroafetivos e
pares homoafetivos, reconhecendo a união contínua, pública e duradoura entre pessoas
do mesmo sexo como entidade familiar plena. Em 2013 o Conselho Nacional de Justiça
determinou que todos os cartórios do país procedessem com o devido registro desses
casamentos e uniões civis. Desde 2016 é reconhecido o direito ao uso do nome social por
travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. O estado brasileiro
vem promovendo, há mais de uma década, diversos programas direcionados ao combate
à violência e discriminação fundadas na diversidade de gênero (Brasil sem Homofobia,
lançado pelo governo federal em 2004, criação do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação no ano seguinte, dentre outros).
Não obstante a existência de sólida legislação com o desígnio de acolher e prote-
ger essa inomogeneidade de constituição de gênero, o mesmo Brasil é considerado um
dos países com os piores índices de violência contra mulheres, gays e, especialmente,
transexuais. Nesta última esfera respondendo, inclusive, por mais da metade das mortes
violentas em todo o mundo. Essa dissensão comprova que não basta alterar o direito.
O maior enfrentamento está nas ideias. Principalmente como elas contribuíram para a
formação de uma sociedade tão desigual, nitidamente de cunho heteronormativa, que
tanto discrimina e agride os que são diferentes.
A possibilidade de incluir o tema da diversidade de gênero nas escolas representa um
sopro de esperança na tentativa de construir uma sociedade mais igualitária, que aprenda
EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 533EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 533 07/03/2021 11:16:0807/03/2021 11:16:08
GUSTAVO CÂMARA CORTE REAL
534
a crescer e conviver com as diferenças presentes e atuantes no corpo social. Inicialmente
será apresentada a temática do gênero, com todos os seus desdobramentos e conceitos,
sendo demonstrada uma possível releitura da def‌inição tradicional do termo. Em um
segundo momento, justif‌icado o direito ao reconhecimento da própria diversidade como
um direito humano e tutelado. Por f‌im, a praticabilidade de introdução desse assunto nas
grades curriculares no ensino face ao que dispõe a legislação vigente, destacando-se os
inúmeros tratados internacionais abordando o tema, já incorporados ao direito brasileiro.
2. CONCEITO DE GÊNERO
A discussão sobre a existência de outras formas de concepção de gênero, diversas
da def‌inição meramente biológica (binária), talvez seja um dos temas com maior dif‌icul-
dade de interlocução entre acadêmicos e a sociedade. Uma tentativa de inclusão dessa
temática nas escolas brasileiras, por parte do Ministério da Educação em 2016,1 desper-
tou uma cisão profunda no discurso social e, consequentemente, uma leva expressiva
de desinformação e absoluto desconhecimento sobre o que se def‌ine como sendo sexo,
gênero e identidade sexual.
O sexo seria uma classif‌icação meramente biológica, embasada na formação física
do indivíduo (cromossomos, órgãos sexuais, hormônios, dentre outros fatores). Apesar
da manifesta predominância de existência de dois conjuntos de características sexuais
(homem e mulher), eles não são mutuamente exclusivos, existindo pessoas com ambos
caracteres. De qualquer forma, a def‌inição de sexo indica, dentro do campo científ‌ico-
-biológico, a existência de espécimes machos e fêmeas.
Ocorre que tal def‌inição é exígua para justif‌icar e compreender os diferentes papéis
sociais atribuídos aos homens e mulheres na sociedade. Chega-se, assim, ao conceito de
gênero. A Organização Mundial da Saúde – OMS def‌ine gênero como sendo o conjunto de
características que integram e diferenciam o que se considera como masculino e feminino:
O gênero é usado para descrever as características de mulheres e homens que são socialmente constru-
ídos, enquanto o sexo se refere àqueles que são biologicamente determinados. As pessoas nascem do
sexo feminino ou masculino, mas aprendem a ser meninas e meninos que se transformam em mulheres
e homens. Esse comportamento aprendido compõe a identidade de gênero e determina os papéis de
gênero. (OMS, 2017).
Já a identidade de gênero corresponde à experiência subjetiva de uma pessoa. Ela é
independente do sexo biológico. Seria a percepção de si mesmo e do outro. Como eu me
vejo e como gostaria de ser visto e reconhecido (MIKKOLA, 2017). Tem relação com a
questão afetiva de cada pessoa, de orientação sobre como essa manifestação de gênero
se relaciona com os demais.
O conceito de gênero foi desenvolvido pelas ciências sociais, no intuito de ques-
tionar a predominância dessa noção determinista/biológica, excluindo por completo
1. “MEC repudia tentativas de cerceamento dos princípios e f‌ins da educação brasileira”. Disponível em: [http://portal.
mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/35841-nota-publica-sobre-tentativas-de-cerceamento-dos-princi-
pios-e-f‌ins-da-educacao-brasileira]. Acesso em: 07.05.2019.
EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 534EBOOK DIREITO GENERO E VULNERABILIDADE_2ed.indb 534 07/03/2021 11:16:0807/03/2021 11:16:08

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT