Aportes filosóficos e jurídicos sobre o trabalho cyberizado

AutorProf. Dr. Cláudio Jannotti da Rocha; Profa. Dra. Lorena Vasconcelos Porto; Graduanda Helena Emerick Abaurre
CargoCláudio Jannotti da Rocha é Professor Adjunto do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorando em Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). ...
Páginas141-174
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APORTES FILOSÓFICOS E JURÍDICOS SOBRE O TRABALHO
CYBERIZADO
LEGAL AND PHILOSOPHIC CONSIDERATIONS ON CYBERIZED
LABOUR
Cláudio Jannotti da Rocha
1
Helena Emerick Abaurre
2
Lorena Vasconcelos Porto
3
RESUMO: Com o advento da Quarta Revolução Industrial, a convergência entre as tecnologias físicas, digitais e
biológicas enseja a criação de novo s modelos de negócios que rompem com a lógica unidirecional das práticas
Business 2 Business e Business 2 Consumer. -se lugar à sharing economy, na qual o compartilhamento de bens,
serviços e de mão de obra é a regra, sendo que esta última enseja a apresentação da gig economy ao mundo do
trabalho. Por meio da elevada introdução de plataformas no dia-a-dia obreiro e consumerista, testemunha-se a
virtualização social e a cyberização laboral, sobretudo, do crowdwork e do trabalh o on-demand, esse último
conhecido por uberização. É justamente esse contex to, que vem desafiando o Direito e o Processo do Trabalho,
que se elenca como problemática nuclear do presente artigo: como o trabalho cyberizado pode ser tutelado pelo
ordenamento juslaboral brasileiro? Para responder a tal questionamento, utiliza-se a metodologia qualitativa, na
perspectiva dedutiva, consubstanciada na pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial em bases sobretudo
internacionais. A hipótese a ser testada será a de que o Direit o do Trabalho pode responder às obscuras tentativas
de fragmentação do labor que permeia as modalidades do crowdwork e do trabalho on-demand, porquanto
presentes os elementos fáticos-jurídicos do vínculo empregatício, ainda que sob novas roupagens, como
demonstram a dependência econômica e a subordinação algorítmica.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho; Crowdwork; Quarta Revolução Industrial; Trabalho on-demand.
Dependência.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da quarta revolução industrial. 2.1. Do crowdwork. 2.2. Do trabalho on-demand.
3. Da fragmentação da relação de emprego cyberizada. 4. Do direito fr ente à cyberização do trabalho. 4.1. Da
leitura da cyberização do trabalho pela justiça obreira ao redor do mundo. 5. Da presença dos elementos da relação
Artigo recebido em 02/02/2021
Artigo aprovado em 13/02/2021
1
Cláudio Jannotti da Rocha é Professor Adjunto do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-Doutorando em Direito da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Douto r e Mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC Minas). Coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e
críticas (UFES-CNPq). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2379-2488.
2
Helena Emerick Abaurre é graduanda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisadora dos
Grupos de Pesquisa Labirinto da Codificação do Direito Processual Civil Internacional (UFES-CNPq) e Trabalho,
Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES-CNPq). Integrante do Programa de Iniciação Científica
da UFES, na modalidade voluntária: https://orcid.org/0000-0002-7427-9855
3
Lorena Vasconcelos Porto é Procuradora do Trabalho. Doutora em Autonomia Individual e Autonomia Coletiva
pela Universidade de Roma “Tor Vergata”. Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (PUC MINAS). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de
Roma “Tor Vergata”. Professora Convidada do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de
Colombia, em Bogotá, e da Pós -Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pesquisadora. Autora de livros e artigos publicad os no Brasil e no Exterior.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3532-1176.
RDRST, Brasília, Volume 5, n. 3, 2020, p 140-173, SET-DEZ/2020
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de emprego no crowdwork e no trabalho on-demand. 5.1. Da caracterização do vínculo empregatício pela
subordinação jurídica e pela dependência econômica. 6. Considerações fin ais. 7. Referências bibliográficas.
ABSTRACT: With the advent of the Fourth Industrial Revolution, the convergence between physical, digital and
biological technologies leads to the creation of new business models that break distinguish from the unidirectional
logic of Business 2 Business and Busin ess 2 Consumer practices. The sharin g economy takes place, whereby the
sharing of goods, services and labour is the rule, the latter allo wing the presentation of the gig economy to the
world of work. Through the high introduction of platforms in the consumers’ and workers’ routines, social
virtualization and labour cyberization are witnessed in the facets, above all, of crowdwork and work on-demand
via apps, the latter known as uberization. It is precisely in view of this context that it is assigned as the core issue
of the present paper: how can cyberized work be protected by the Brazilian legal system? To answer this question,
qualitative methodology is employed from a deductive perspective, embodied in bibliographic, documentary and
jurisprudential research on mainly international bases. The hypothesis to be tested is that Labour Law can respond
to the obscur e attempts to fragment labour holding the light of the employment relationship that illuminates the
modalities of crowdwork and work on-demand via apps, since there are still present the factual and legal elements
of the employment relationship, albeit under n ew guises, as economic dependence and algorithmic subordination
stand out.
KEYWORDS: Labour Law. Crowdwork. Fourth Industrial Revolution. Work on-demand; Dependence.
SUMMARY: 1. Introduction. 2. The fourth industrial revolution. 2.1. The crowdwork. 2.2. On-demand work. 3.
The fragmentation of the cyberized employment relationship. 4. From the right to the cyberization of work. 4.1.
From reading the cyberization of work by worker justice around the world. 5. The elements presence of the
employment relationship in crowdwork and on-demand work. 5.1. The characterization of the employment bond
through legal subordination and economic dependence. 6. Final consideratio ns. 7. Bibliographic references.
1 INTRODUÇÃO
A teoria aristotélica nos ensina que o homem é, por sua natureza, ser social que necessita
da interação com seus pares para atingir a sua plenitude e felicidade.
4
O ser humano, portanto,
em sua carência inata, está em constante mudança e evolução conforme interage com a
natureza, os objetos e as pessoas ao seu redor. Diferentemente da antiga civilização grega,
quando a “liberdade dos antigos” proporcionava a interação social na Ágora, a partir da lógica
do capitalismo, na contemporaneidade do século XXI, as interações se concretizam por meio
do consumo. Não raro um bem ou serviço é adquirido em razão do potencial que representa de
inclusão em um nicho social do que pela utilidade do produto em si, lógica pela qual os verbos
ser e ter se confundem e se expressam de maneira nebulosa.
O crowdwork e o trabalho on-demand compõem a gig economy, popularmente
conhecida no Brasil como “economia do bico” e alimentada, dinamizada e consolidada pela
sharing economy.
5
Na sociedade hipermoderna, a satisfação humana alcançada por meio do
4
ARISTÓTELES. Política. São Paulo, SP: Martin Claret, 2007.
5
Economia do compartilhamento, nos moldes lecionados por Tom Slee, no livro “Uberização: a nova onda do
trabalho precarizado” ou Economia Comp artilhada, sob a ótica de Arun Sundara jan na obra “Economia
compartilhada: o fim do emprego e o capitalismo de multidão”. Valerio De Stefano, por sua vez, evidencia que o
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consumo é a mola propulsora da gig economy, preenchida pela relação binária entre o uso e a
demanda. A economia é baseada em serviços cada vez mais personalizados, diferenciados e
variados, em busca de uma maior adequação da produção às especificidades desejadas pela
clientela. Se antes bastava produzir para vender, hoje em dia é necessário que o produto seja
parecido com o cliente, sendo possível que ele mesmo o personalize. O cliente precisa se
reconhecer no produto e, a partir da compra, pertencer a determinado nicho de amizade, afinal,
consumir é pertencer a um grupo.
O ritmo em que as tecnologias são desenvolvidas e absorvidas nas modalidades do labor
humano é desenfreado na mesma medida em que o consumo o é. Dizem que quando um produto
é lançado, já se tem outro planejado e guardado. É a prática consumerista que dita o caminhar
da economia, assim como um maestro de uma orquestra sinfônica. Entretanto, para que seja
tocada a sinfonia, é necessário que o Direito do Trabalho também acompanhe as mudanças e o
ritmo da música, afinal ele é um de seus protagonistas. No presente artigo, destaca-se como o
modo de consumo atual se materializa nas formas contratuais de trabalho cyberizado
ascendentes no bojo da Quarta Revolução Industrial. Existe o paralelismo entre um e outro,
tem-se entre eles também uma interdependência.
A cyberização laboral ganha espaço em circunstância peculiar de tempo e espaço em
que o mundo do trabalho é impactado por uma série de fatores interconectados pela utilização
da mão de obra de invisíveis e excluídos sociais. A conditio sine qua non para o
desenvolvimento da gig economy é a busca pelo hope labour junto às plataformas digitais. É
justamente por essa razão que a Quarta Revolução Industrial desafia a elasticidade da cobertura
da tutela juslaboral, assim como do tecido social, desregulamentando alicerces até então
constituídos, inclusive o econômico, porquanto atinge a distribuição de renda, a melhoria da
condição socioeconômica das pessoas e a circulação de bens e valores.
É sabido que a relação de emprego - tipificada nos artigos 2º e 3º da Consolidação das
Leis do Trabalho de 1943 - é a chave de acesso às garantias previstas aos trabalhadores pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, à luz do marco téorico da lição de Emmanuel
Dockès, verificamos que o trabalho cyberizado deve estar amplamente sujeito ao Direito do
trabalho on-demand por meio de aplicativos, na verdade, não é parte da sharing economy, pois enquanto que esta
implica um compartilhamento de bens sem o objetivo de lucro pelas partes envolvidas, aquele é utilizado pelas
empresas detentoras das plataformas digitais para ex trair a mais-valia da exploração do trabalho com finalidade
lucrativa. In Palestra proferida pelo Professo r Valerio De Stefano no Simpósio Futuro do Trabalho: os Efeitos da
Revolução Digital na Sociedade, realizado pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em
Recife/PE, no dia 05.09.2019.

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