Aposentadoria e o contrato de trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas243-250

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1. A condição de aposentado à luz da clt

Um dos direitos fundamentais do homem é o direito ao trabalho. É desta forma que está consagrado na DUDH de 1948, e que se repete no art. 6º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), ratificado pelo Brasil (Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992).

No Direito interno brasileiro, a Constituição de 1988 garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, dentre os direitos fundamentais (art. 5º, XIII), enquanto o art. 7º enumera os direitos dos trabalhadores. Os trinta e quatro incisos do art. 7º, contudo, não são numerus clausus, senão um elenco mínimo de garantias, além de outros que visem à melhoria de sua (do trabalhador) condição social (caput), inclusive a aposentadoria (XXIV), sem possuir condição excludente do direito maior (o de trabalhar).

A condição do trabalhor que, sponte sua, resolve gozar do benefício da aposentadoria e, simultaneamente, permanecer trabalhando, foi tema de amplo debate doutrinário e de demoradas divergências jurisprudenciais, tendo chegado a um consenso quando o STF julgou a ADIn n. 1.721-3/DF1.

Cuidava essa ADIN da declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 453 da CLT, incluído pela Lei n. 9.528, de 10.12.1997, com o seguinte teor:

§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício.

Em seu voto, o relator, Min. Ayres Brito destacou:

Sucede que o novidadeiro § 2º do art. 453 da CLT, objeto da presente ADI, instituiu uma outra modalidade de extinção do vínculo de emprego. E o fez inteiramente à margem do cometimento de falta grave pelo empregado e até mesmo

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da vontade do empregador. Pois o fato é que o ato em si da concessão da aposentadoria voluntária a empregado passou a implicar automática extinção da relação laboral (empregado, é certo, ‘que não tiver completado trinta e cinco anos, se homem, ou trinta, se mulher) (...)’ (inciso I do § 7º do art. 201 da CF).

E, adiante, reconhecendo a inconstitucionalidade do dispositivo, afirmou:

Não enxergo, portanto, fundamentação jurídica para deduzir que a concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador deva extinguir, instantânea e automaticamente, a relação empregatícia. Quanto mais que os ‘valores sociais do trabalho’ se põem como um dos explícitos fundamentos da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º). Também assim, base e princípio da ‘Ordem Econômica’, voltada a ‘assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)"’ (art. 170 da CF), e a ‘busca do pleno emprego’ (inciso VIII).

Mesmo assim, a inconformação dos que entendem pelo término do contrato de trabalho persiste. Daí se perguntar se, aposentado voluntariamente pelo INSS, o trabalhador tem direito a permanecer de empregado, ou o seu contrato de trabalho, com a aposentação, deve ser considerado automaticamente extinto? E esse aspecto adquire particular realce do confronto entre dispositivo expresso na CLT, qual o art. 453, in fine, e o art. 49, da Lei n. 8.213, de 24.7.1991

Com essa macrovisão, resulta necessário buscar resposta à indagação formulada. Há que se fazer opção entre uma das duas alternativas, o que suscita considerações de várias ordens.

Dessa forma, impende indagar, primeiramente, se, implementada, a aposentadoria extingue o contrato de trabalho, isto é, se não subsistiria ao evento previdenciário e deveria ser considerado terminado, e a resposta seria prontamente afirmativa à luz apenas do art. 453, in fine, da CLT, estatuto que regula as relações comuns de trabalho, inconfundível com aquele que rege as relações previdenciárias.

Uma segunda indagação poderia ser proposta e objetivaria saber se a condição de empregado e de aposentado se confundem, e são dependentes uma da outra, a medida que o aposentado deixa o emprego e a ele somente poderá retornar mediante novo contrato. Pelo menos em tese, e exclusivamente à luz do preceito consolidado referido acima, a resposta seria igualmente afirmativa, eis que se confundem, pela norma mais antiga, as condições de trabalhador-empregado e trabalhador-beneficiário.

2. A situação ante a norma vigente

Existe um terceiro aspecto que diz respeito à mesma questão e que deve ser examinada sob outro enfoque. Há que ser visto também pelo ângulo previdenciário, e não apenas pelo estritamente consolidado. Deve ser tratado consoante a Lei n. 8.213/91, que, em seu art. 49, dispõe, verbis:

Art. 49. A aposentadoria por idade será devida:

I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:

  1. da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou

  2. da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego, ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea a;

II - para os demais segurados, da data de entrada do requerimento (destacamos).

À vista desse preceito previdenciário, agora a resposta, antes afirmativa, porque fulcrada na CLT, será negativa, eis que até na aposentadoria por idade (art. 49, n. I, b, acima transcrito) não haveria mais exigência legal do desligamento do empregado ao seu advento, pelo que deixaria de ocorrer rescisão do contrato de trabalho. É nesse sentido a doutrina prevalente no Brasil, à frente da qual está Arion Sayão Romita2, porque a alínea b do dispositivo citado prevê que será devida a aposentadoria a partir da data do requerimento quando não houver desligamento do emprego. Se não há desligamento, evidente que há continuidade, logo...

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Trata-se de posição lúcida e de vanguarda, e, em seu reforço, vem à colação o disposto no art. 24 da Lei n. 8.870, de 15.4.1994, que isenta de contribuição previdenciária o segurado que se aposentou por idade ou por tempo de serviço e que permanecer em atividade ou a ela retornar. Permanecer em atividade significa continuar trabalhando e, interpretado esse dispositivo da Lei n. 8.870/94 em conjunto com o art. 49, inciso I, alínea b, da Lei n. 8.213/91, forçoso entender que a permanência em atividade é no mesmo emprego, sem solução de continuidade.

Como leciona Wladimir Novaes Martinez, o empregado segurado na Previdência Social, mantém dois vínculos distintos: a) contrato individual de trabalho com empregador; e b) filiação obrigatória com órgão gestor da Previdência Social, esclarecendo que, são duas relações jurídicas individualizadas, não equiparáveis nem tampouco semelhantes: uma pessoa física com uma pessoa jurídica de direito privado (empregador) e com outra jurídica de direito público (INSS)3.

Nesse particular, Alexandre Teixeira de Freitas assinalou que a literalidade da lei é suficientemente clara para que não haja dúvida quanto à possibilidade de manutenção do vínculo de emprego ao mesmo tempo em que o empregado frui da aposentadoria4.

Todavia, existem doutrinadores de renome que defendem posição diversa. Assim Marly Cardone, João de Lima Teixeira Filho e Octavio Bueno Magano, dentre outros, citados por Luiz Carlos Amorim Robortella, também seguidor da mesma corrente de pensamento5.

A corrente oposta reúne igualmente grandes nomes do jusprevidencialismo brasileiro, como o já citado Wladimir Novaes Martinez6, Celso Barroso Leite e Wagner Balera7, que sustentam a continuidade da relação de emprego. Da mesma forma, renomados juslaboralistas de nosso país, como Arion Sayão Romita8, Rodrigues Pinto9, Isis de Almeida10 e Rosita de Nazaré Sidrim Nassar11, dentre outros, sustentam a continuidade da relação de emprego em sobrevindo a aposentadoria voluntária.

Não se argumente com o direito comparado. Se, em alguns países, a aposentadoria extingue o contrato de trabalho (Espanha, Portugal, Grã-Bretanha, França, Bélgica e Itália), entre outros, persiste a relação (Argélia, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos, Irlanda, Japão, Malta, Nova Zelândia, Noruega, Paraguai, Suécia, Suíça e Venezuela), a revelar a inexistência de uniformidade no trato da matéria.

Insistentemente, procuram os que não admitem a continuidade legal da relação jurídica de emprego sobrevindo a aposentadoria invocar o disposto no art. 453, da CLT. Porém, Rodrigues Pinto, com a precisão que caracteriza sua obra, assinala que a acessio temporis do art. 453 da CLT nada tem que ver com a discussão em torno da continuidade executiva do contrato, quando e não rompido pela aposentadoria, hoje totalmente dependente da vontade unilateral do empregado. Só, portanto, no caso em que este tiver exercido sua vontade e, já depois de jubilado, celebrar novo contrato com seu antigo empregador, com nova resilição, tem cabimento invocar-se a aplicação desse dispositivo legal12.

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Arremata, por fim, colocando pá de cal em quaisquer outros argumentos:

diante do ordenamento jurídico em vigor, no Brasil, sobre a matéria, não há razões jurídicas, mas somente interesse econômico, para negar-se a continuidade da relação de emprego em face da aposentadoria voluntária do empregado não precedida de seu pedido de demissão13.

O próprio dispositivo da lei previdenciária não preconiza a dispensa do empregado aposentado por esse motivo, e, em sendo lei superveniente ao diploma consolidado, deve ter primazia na aplicação, conforme o art. 2º, § 1º, da nossa norma de superdireito, a LINDB. É a lição de Clóvis Beviláqua, esclarecendo que a revogação tácita existe...

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