Aprendizagem profi ssional e inclusão das pessoas com defi ciência (PCD) no mercado de trabalho - principais aspectos e controvérsias

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani, Daniel Gemignani
Páginas276-311
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APRENDIZAGEM PROFISSIONAL E INCLUSÃO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (PCD) NO MERCADO DE
TRABALHO — PRINCIPAIS ASPECTOS E CONTROVÉRSIAS
Há no ordenamento jurídico trabalhista, como ref‌l exo da função social desempenha-
da pela empresa, diversas disposições tendentes a propiciar a inclusão de trabalhadores
no mercado de trabalho, seja em razão da necessidade de formação de mão de obra, como
ocorre com a aprendizagem prof‌i ssional, seja com a f‌i nalidade de impedir a permanência
de situações e condições sociais discriminatórias, como na f‌i xação de cotas mínimas de
contratação de pessoas com def‌i ciência.
O presente capítulo, portanto, terá por foco a análise das principais questões e con-
trovérsias relacionadas ao instituto da aprendizagem prof‌i ssional e a cota mínima de
contratação de pessoas com def‌i ciência.
13.1. APRENDIZAGEM — QUESTÕES PRINCIPAIS
A aprendizagem prof‌i ssional, tratada pelo art. 428 da CLT, insere-se no amplo espec-
tro aberto pelo art. 6º da Constituição Federal, que garante a todos o direito ao trabalho.
Com efeito, como consequência do direito ao trabalho, tem-se o direito à prof‌i ssionaliza-
ção, o qual se volta, especialmente, aos adolescentes e jovens, em cumprimento à diretriz
traçada pelo art. 227 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à prof‌i ssionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(marcas nossas)
A partir deste fundamento é que se pode compreender a miríade de disposições
legais voltadas a assegurar a prof‌i ssionalização de adolescentes e jovens, como é o caso
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996), ao preceituar, em seu art. 2º,
que a educação “tem por f‌i nalidade [a] qualif‌i cação para o trabalho”, tônica esta adotada
como mote de diversas outras disposições legais deste diploma normativo, como, por
único, 36-D, parágrafo único.
Nesta mesma toada segue a Lei n. 12.852/2013(324) que, ao instituir o denominado
Estatuto da Juventude aduz, expressamente, em seu art. 14, ser direito do jovem a
prof‌i ssionalização e o trabalho. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei
(324) Esse é o campo de aplicação da referida lei, nos termos de seu art. 1º: “Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da
Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o
Sistema Nacional de Juventude — SINAJUVE. § 1º Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com
idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. § 2º Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18
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n. 8.069/1990, prevê em seus arts. 4º e 69, ser direito do adolescente a preparação para o
trabalho por meio da prof‌i ssionalização. Todos esses dispositivos, portanto, convergem
para a promoção do norte constitucional, sendo a aprendizagem apenas mais um elemento
concretizador do direito de adolescentes e jovens à prof‌i ssionalização.
Contudo, vale a observação que todos os diplomas legais mencionados, inclusive a
Constituição, prescrevem o direito ao trabalho e à prof‌i ssionalização de adolescentes e
jovens sempre sob uma perspectiva protegida — no caso dos adolescentes, protegida com
base nos princípios da proteção integral e do respeito a sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento(325).
Logo, todas as disposições e interpretações acerca do trabalho prof‌i ssionalizante
— no qual se insere a aprendizagem — devem considerar o pressuposto de que a prepa-
ração de adolescentes e jovens intenciona prepará-los para alcançar, no futuro, melhores
posições no mercado de trabalho, devendo as atividades desenvolvidas, em razão disso,
respeitar as condições especiais desse público, evitando-se, portanto, encará-lo como
força de trabalho barata, passível de desenvolver as mesmas atividades atribuídas aos
empregados regulares, ou como simples encargo social.
13.1.1. As diversas formas de se contratar aprendizes
Feitas essas ponderações iniciais, passemos a analisar os arts. 428 e 429 da CLT, que
trazem os contornos básicos da aprendizagem:
Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determi-
nado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e
quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-prof‌i ssional metódica, compatível com o
seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas
necessárias a essa formação.
(...)
Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Ser-
viços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze
por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação
prof‌i ssional. (marcas nossas)
Nota-se, do regramento básico da aprendizagem que, independentemente da ativi-
dade econômica desenvolvida, tem o empregador o dever de contratar aprendizes em
número equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos
trabalhadores existentes em cada um de seus estabelecimentos, cujas funções deman-
dem formação prof‌i ssional.
A contratação de aprendizes, contudo, pode se dar de diversas formas.
Com efeito, estabelecem os arts. 429 e 431 da CLT, bem como o Decreto n. 9.579/2018(326),
a possibilidade (i) de contratação direta de aprendizes, (ii) a contratação por meio de enti-
dade sem f‌i ns lucrativos ou por entidades de prática desportiva(327) e (iii) a contratação
cionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente.”.
(325) Trata-se, pois, do art. 69 do ECA e do art. 49, parágrafo único, do Decreto n. 9.579/2018, que assim prescre-
ve: “Art. 49. (...). Parágrafo único. Ao aprendiz com idade inferior a dezoito anos é assegurado o respeito à sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” (marcas nossas).
(326) Referido Decreto revogou o Decreto n. 5.598/2005.
(327) “Art. 430. Na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficien-
tes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em
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por meio da denominada cota social, a qual encontra regulamentação na Portaria n.
683/2017 do extinto Ministério do Trabalho, e da qual se extrai previsão específ‌i ca para
o setor de transportes(328).
Com efeito, insta sublinhar que ao longo dos anos diversas modif‌i cações foram
sendo estabelecidas na forma de contratação de aprendizes a f‌i m de se possibilitar a in-
serção preferencial de adolescentes, ainda que o empregador desenvolva atividades a
eles vedadas, conforme preceituam os arts. 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção n. 182(329) da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o art. 67 do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (ECA), os arts. 403, 404 e 405 da CLT e o Decreto n. 6.481/2008, que institui a
denominada Lista TIP, i.e, lista das piores formas de trabalho infantil.
Nesse sentido é que se autoriza a realização de atividades em locais outros que não
o local de trabalho, como, e.g., em ambientes simulados ou por meio da contratação de
aprendizes pela cota social(330).
formação técnico-profissional metódica, a saber: I — Escolas Técnicas de Educação; II — entidades sem fins lucrati-
vos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; III — entidades de prática desportiva das diversas modalidades
filiadas ao Sistema Nacional do Desporto e aos Sistemas de Desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-
cípios. § 1º As entidades mencionadas neste artigo deverão contar com estrutura adequada ao desenvolvimento
dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar
e avaliar os resultados. § 2º Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, com aproveitamento, será
concedido certificado de qualificação profissional. § 3º O Ministério do Trabalho fixará normas para avaliação da
competência das entidades mencionadas nos incisos II e III deste artigo. § 4º As entidades mencionadas nos incisos
II e III deste artigo deverão cadastrar seus cursos, turmas e aprendizes matriculados no Ministério do Trabalho. § 5º
As entidades mencionadas neste artigo poderão firmar parcerias entre si para o desenvolvimento dos programas
de aprendizagem, conforme regulamento.
Art. 431. A contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas
entidades mencionadas nos incisos II e III do art. 430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa
tomadora dos serviços. (...) Parágrafo único. Aos candidatos rejeitados pela seleção profissional deverá ser dada,
tanto quanto possível, orientação profissional para ingresso em atividade mais adequada às qualidades e aptidões
que tiverem demonstrado.” (marcas nossas)
(328) “Art. 1º Os estabelecimentos que desenvolvem atividades relacionadas aos setores econômicos elencados
abaixo poderão requerer junto à respectiva unidade descentralizada do Ministério do Trabalho a assinatura de
Termo de Compromisso para o cumprimento da cota em entidade concedente da experiência prática do aprendiz,
nos termos do § 1º do art. 23-A do Decreto n. 5.598/2005 [atual art. 66 do Decreto n. 9.579/2018]: (...) III — Trans-
porte de carga; IV — Transporte de valores; V — Transporte coletivo, urbano, intermunicipal, interestadual; (...).
§ 1º O Ministério do Trabalho poderá acatar a solicitação de outros setores que se enquadrarem na hipótese des-
crita no art. 23-A, a critério da auditoria fiscal do trabalho.
Art. 2º O processamento do pedido de assinatura de termo de compromisso se dará junto à Superintendência Re-
gional do Trabalho e Emprego da unidade da Federação que o estabelecimento estiver situado, nos termos do
Art. 28 do Decreto n 4.552, de 27 de dezembro de 2002, Regulamento de Inspeção do Trabalho. § 1º Os percen-
tuais a serem cumpridos na forma alternativa e no sistema regular deverão constar do termo de compromisso
firmado com a auditoria fiscal do trabalho, com vistas ao adimplemento integral da cota de aprendizagem, obser-
vadas, em todos os casos, os limites previstos na Seção IV do Capítulo IV do Título II do Decreto 5.452, de 1º de
maio de 1943 — Consolidação das Leis do Trabalho e a contratação do percentual mínimo no sistema regular.”.
(330) Orientação n. 22 da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adoles-
cente — COORDINFÂNCIA, do Ministério Público do Trabalho: “APRENDIZAGEM. CUMPRIMENTO ALTERNATIVO
DA COTA. ART. 66 DO DECRETO N. 9.579/2018. APLICABILIDADE. Quando comprovadamente não for possível às
empresas contratantes proporcionarem ao aprendiz a parte prática em suas dependências, não serão as mesmas
eximidas do cumprimento da cota aprendizagem ou terão suas cotas reduzidas, pois deverão atender o disposto
no art. 66 do Decreto n. 9.579/2018, que trata do cumprimento alternativo da cota. Nesta hipótese, o aprendiz
será contratado pela própria empresa, mas desenvolverá as atividades práticas em unidade concedente para a
prática do aprendiz.”.

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