Apresentação

AutorValerio de Oliveira Mazzuoli
Ocupação do AutorPós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa
Páginas9-10
aPresentação
É bem sabido que o Direito do Trabalho possui tendência natural à uniformização e à universalização. Afinal,
por se tratar de categoria cultural fruto do sistema capitalista, soa natural deduzir que a elevada carga de tensão
havida no plano das relações de trabalho seja um fenômeno social recorrente nos diversos países. Não à toa que
esse ramo jurídico dialoga abertamente com enunciados jurídicos internacionais, em especial os provindos da Or-
ganização Internacional do Trabalho, bem assim os próprios direitos positivos estrangeiros, sendo que, quanto a
estes, o art. 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, chega a expressamente tomá-los como fonte supletiva
para colmatação de lacunas normativas, de tudo a evidenciar uma nítida natureza cosmopolita do ramo juslaboral.
A propósito, como de resto bem sedimentado na doutrina, os direitos humanos passam a se manifestar na ordem
institucional em três gerações sucessivas básicas, a começar pelos direitos civis e políticos, afetos à liberdade lato sensu
irrompida no bojo do Estado Liberal, que em grande parte correspondem, na perspectiva histórica, à fase inaugural do
constitucionalismo do Ocidente, seguidos, já no contexto do Estado Social, dos chamados direitos de segunda geração,
alusivos aos direitos econômicos, sociais e culturais. A terceira geração (ou dimensão) é, por sua vez, afeta aos direitos
de grupos e/ou coletividades, que dimensionam em plano ainda mais alto a proteção devida a todos os cidadãos.
Curioso registrar, porém, que no âmbito do Direito Internacional a primeira geração de direitos a se consoli-
dar não foi a dos civis e políticos, senão a dos direitos econômicos, sociais e culturais. De fato, no plano interna-
cional, o surgimento da OIT, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções regulamentando os direitos
sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos. Por essa razão é que se
diz (com total razão) que as “gerações” de direitos são, além de historicamente incorretas, também juridicamente
infundadas (Cançado Trindade).
Aliás, em verdade, o antecedente que mais contribuiu para a formação do Direito Internacional dos Direitos
Humanos foi justamente a criação da OIT, no contexto iniciado após o final da segunda grande guerra, com o pro-
pósito de estabelecer critérios básicos de proteção ao trabalhador, regulando sua condição no plano internacional,
tendo em vista assegurar standards mínimos de dignidade e bem-estar social nas relações de trabalho.
Se, no plano do direito humanitário e no da Liga das Nações, os direitos protegidos encontravam-se ainda ne-
bulosos, além de circunscritos a âmbitos restritos, como as situações de conflito armado e congêneres, certo é que
no plano da OIT os direitos das pessoas (no caso, dos trabalhadores) passaram a ser mais facilmente visualizáveis
e, bem assim, ficou mais nítido saber qual sujeito de direito estava a receber a proteção da ordem internacional.
Significa dizer, portanto, que a classe trabalhadora foi o grupo vulnerável que primeiro se beneficiou de um
organizado esforço humanitário internacional regulador da defesa dos direitos humanos em nível global, enquan-
to execução concreta do ousado projeto de imprimir a universalização de um mínimo ético-civilizatório para a
sociedade internacional, in casu, iniciando pelo recorte fenomênico mais concreto e palpável então disponível: a
duríssima realidade vivenciada nas relações de trabalho.
Para tanto, a proteção, a nível internacional, da pessoa que trabalha decerto necessitava de um alicerce axioló-
gico sólido e convincente para o fim de insuflar máxima adesão na sociedade internacional. Nesse afã, influenciada
por uma vívida pulsão humanista, a OIT decidiu estabelecer um firme pressuposto ético-civilizatório: “o trabalho
não é mercadoria” (item I, “a”, da Declaração de Filadélfia de 1944).
Ficou publicamente estabelecido, portanto, a nível internacional, que todo aquele que dispõe unicamente de
sua força de trabalho para sobreviver há de ser tratado, antes de tudo, como pessoa e não como coisa. Por conse-
guinte, o ser humano investido no papel social de trabalhador logra titularizar uma gama de direitos cuja base de
justificação normativa não advém de sua especial figuração técnica como contratante, senão, antes, simplesmente,
de sua própria qualidade de ser humano. Logo, ao participar de uma relação contratual trabalhista, aquele que
trabalha não se despe daqueles direitos que lhe são inerentes enquanto pessoa humana tout court.
É precisamente na esteira dessa trilha existencial que esta belíssima obra coletiva transita, brindando os seus
leitores com trabalhos de tamanha envergadura. Coordenada com grande competência técnica pelos Professores

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