Apropriação indébita (Art. 168)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas1269-1292
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 168
1. Conceito do delito de apropriação indébita
O delito consiste no fato de o sujeito ativo apro-
priar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse
ou a detenção.
O conceito de apropriação indébita consta da
Exposição de Motivos da Parte Especial do Código
Penal:3524
A apropriação indébita (furtum improprium) é conceituada,
em suas modalidades, da mesma forma que na lei vigen-
te; mas o projeto contém inovações do capítulo reservado
a tal crime. A pena (que passa a ser de reclusão de um
a quatro anos e multa de converter para real) é aumen-
tada de um terço, se ocorre in delidade do agente como
depositário necessário ou judicial, tutor, curador, síndico,
liquidatário, inventariante ou testamenteiro, ou no desem-
penho de ofício, emprego ou pro ssão.
Feu Rosa3525armaque:“Apropriaçãoindébita
é a propriação antijurídica e dolosa de coisa móvel
alheia, não por meio de furto.”
Rogério Sanches3526 descreve: “O agente, abu-
sando da condição de possuidor ou detentor, passa
a ter o bem móvel como seu, dele arbitrariamente se
apropriando”.
Cleber Masson3527, por sua vez, a rma: “A nota
característica do crime de apropriação indébita é a
existência de uma situação de quebra de con ança,
pois a vítima voluntariamente entrega uma coisa
móvel ao agente, e este, após encontrar-se na sua
posse ou detenção, inverte seu ânimo no tocante
ao bem, passando a comportar-se como seu pro-
prietário”.
3524 Publicado no Diário Oficial da União, de 31 de dezembro
de 1940.
3525 Direito Penal – Parte Especial. São Paulo: RT, 1995, p. 398.
3526 CUNHA, Rogério Sanches. Ob. cit. p.302.
3527 MASSON, Cleber. Ob. cit. p. 549.
1.1. Apropriação indébita eleitoral
Considera-se apropriação indébita eleitoral, apro-
priar-se o candidato, o administrador  nanceiro da
campanha, ou quem de fato exerça essa função, de
bens, recursos ou valores destinados ao  nanciamento
eleitoral, em proveito próprio ou alheio. (Vide artigo
354-A do Código Eleitoral).
2. Análise didática do tipo penal
Em valiosa lição de Luiz Regis Prado, o referido
mestre ensina que a ação incriminada consiste em
apropriar-se de coisa alheia móvel, de que se tem a
posse ou a detenção. Apropriar tem o signi cado de
tomar para si, fazer sua coisa alheia. No sentido do
tipo penal em análise, o sujeito ativo inverte a natu-
reza da posse, passando a agir como se dono fosse,
depois de receber a coisa licitamente, sem clandes-
tinidade. Assim, deixa de possuir a coisa em nome
de outrem, incorporando-a ao seu patrimônio e até
mesmo alienando-a, com o propósito de não restituí
-la a quem de direito. A ação física de apropriar-se
pode aparecer de diversas formas que caracterizem
a sobredita inversão do título de posse, como, por
exemplo, o consumo, a alienação, a negativa de res-
tituição (propósito de não restituir ou consciência de
não mais poder restituir). A apropriação pressupõe
a posse ou detenção de coisa alheia móvel. Objeto
material do crime é a coisa alheia móvel. A coisa deve
ser corpórea, assim entendida aquela que tem mo-
vimento próprio ou que pode ser removida por força
alheia, incluindo-se as coisas fungíveis, desde que
não haja restituição de qualidade e quantidade iguais
às da coisa recebida, as infungíveis, as divisíveis, as
indivisíveis e as inconsumíveis.3528Quanto às coisas
3528 régiS PrADO, Luiz. Comentários ao Código Penal. 2.
ed., 2003, p. 584.
Capítulo 13
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fungíveis, embora Regis Prado tenha seu posiciona-
mento, há divergência doutrinária e jurisprudencial, a
exemplo de Damásio, que entende não ser possível
apropiação indébita de coisa fungível. Remetemos o
leitor para o caso prático superinteressante “O dinhei-
ro apropriado” no qual aprofundamos a discussão.
2.1. A apropriação indébita majorada
O delito em estudo terá um aumento de pena de
um terço, quando o agente receber a coisa:
a) em depósito necessário;
Ensina Clóvis que se o depósito necessário resulta
de injunção da lei, denomina-se legal, se é imposto por
uma necessidade imprevista, diz-se miserável.
DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
Controverte-se na doutrina sobre a abrangência
da terminologia “em depósito necessário”. Vejamos
os entendimentos:
1o) Hungria: O dispositivo abrange apenas o
depósito miserável. Não está incluído o depósito
legal, pois o depositário legal é sempre funcionário
público, que recebe a coisa em razão do cargo, e,
portanto, comete o crime de peculato. O depósito
por equiparação também não é compreendido no
inciso I, devendo, no caso, o agente responder pelo
delito do art. 168, § lo, III.3529
2o) Damásio: “Tratando-se de depósito necessário
legal, duas hipóteses podem ocorrer. Se o sujeito
ativo é funcionário público, responde por delito de
peculato (CP, art. 312). Se o sujeito ativo é um parti-
cular, responde por apropriação indébita qualicada,
nos termos do art. 168, parágrafo único, II, última
gura (depositário judicial). Assim, não se aplica a
disposição do n. I. Tratando-se de depósito neces-
sário por equiparação, não aplicamos a qualicado-
ra do ‘depósito necessário’, mas sim a do n. III do
parágrafo único (coisa recebida em razão de pros-
são). O parágrafo único, I, quando fala em depósito
necessário, abrange exclusivamente o depósito ne-
cessário miserável.”3530
3o) Noronha: O dispositivo compreende o depó-
sito legal, miserável e por equiparação. Contudo, “se
o hoteleiro ou estalajadeiro não incidir neste inciso,
incidirá no inciso III, por haver cometido o crime em
3529 Nesse sentido, HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código
Penal, cit., v. VII, p. 147 e 148.
3530 JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado, cit., p. 602.
razão de prossão.”3531 É também a posição de Bento
Faria e Paulo José da Costa Jr.
Minha posição: entendo como Hungria e Fra-
goso. O depósito necessário abrange só o depósito
miserável, ou seja, “o que se efetua por ocasião de
alguma calamidade, como o incêndio, a inundação.
O naufrágio, ou o saque”,3532 e não o depósito legal,
ou seja, “o que se faz em desempenho de obrigação
legal” (art. 1.282, II, do antigo CC), hipótese na qual
o crime seria de peculato (CP, art. 312).3533 Observe
que a citação dos renomados autores é ao Código
Civil de 1916). É também a opinião de Nucci, Mira-
bete, Silva Franco, Hungria, Masson, Fragoso e a
majoritária na doutrina.
b) na qualidade de tutor, curador, síndico, liqui-
datário, inventariante, testamenteiro ou depositári o
judicial;
OBSERVAÇÕES DIDÁTICAS
Tutela, diz Santos, é o poder conferido pela lei a
uma pessoa capaz para proteger a pessoa, ad-
ministrar os bens dos menores que estão fora do
pátrio poder, representando-os em todos os atos
da vida civil.
Curatela é o encargo de reger a pessoa e bens,
ou tão somente os bens das pessoas emancipa-
das ou maiores de 16 anos, ou ainda não nas-
cidas, que, por si mesmas, não o podem fazer
impossibilitadas por uma causa determinada,
segundo Carvalho Santos.
Inventário. O inventário, ensina Clóvis, consiste
na descrição individuada e clara dos bens da he-
rança, sejam móveis ou imóveis, dívidas ativas e
outros direitos. Inventariante é aquele que admi-
nistra o espólio até o nal do julgamento da partilha.
Síndico é o incumbido da administração da falên-
cia. Adequando-se à nova Lei de Recuperação
Judicial e Falência (Lei nº 11.101/05), denomina-
-se administrador judicial.
Testamenteiro é a pessoa que deve realizar ou
promover o disposto como ato de última vontade
do “de cujus”.
3531 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, cit., v. 2, p.
339 e 340.
3532 Art. 1.282, II. do antigo CC.
3533 FRAGOSO, H. Lições de Direito Penal – Parte Especial, v.
I, 1995, p. 264; HUNGRIA. Comentários ao Código Penal.
v. VII. 1967, p. 147-8.
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